Nelson Jobim quer projeto de lei para esclarecer demarcação de terras indígenas
O ex-ministro da Justiça Nelson Jobim defendeu a necessidade de o Legislativo elaborar um projeto de lei para esclarecer o processo demarcatório de terras indígenas. Atualmente, o tema é regido por normas do Ministério da Justiça e orientado por 19 condicionantes estabelecidas pelo Supremo Tribunal Federal (STF) em 2009, no julgamento da reserva Raposa Serra do Sol, em Roraima.
“É preciso botar as regras claras porque hoje há regulações do Executivo que se conflitam”, declarou Jobim. Segundo ele, com a definição de uma lei após debate no Congresso, ficará mais clara a definição sobre o que deve ser preenchido nos laudos antropológicos e “aí, as coisas começam a entrar nos trilhos”. O ex-ministro acrescentou que qualquer legislação a ser criada deve estar de acordo com as condicionantes de Raposa Serra do Sol para não ser considerada inconstitucional.
Nelson Jobim participou de audiência pública da Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) destinada a investigar a atuação da Fundação Nacional do Índio (Funai) e do Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra) na demarcação de terras indígenas e quilombolas, solicitada pelo deputado Adelmo Carneiro Leão (PT-MG) e subscrita pelos deputados Nilto Tatto (PT-SP), Valmir Assunção (PT-BA), Beto Faro (PT-PA), Erika Kokay (PT-DF) e Margarida Salomão (PT-MG).
Durante a gestão de Jobim à frente da pasta da Justiça, foi editado o Decreto1.775/96, que estabelece o procedimento administrativo de demarcação das reservas indígenas.
Protagonismo do Congresso
Destacando a importância do Congresso, o presidente da comissão, deputado Alceu Moreira (PMDB-RS), comentou que a regulamentação definitiva das demarcações não pode ficar à mercê do gosto ou da vontade política das partes envolvidas. “Depende de uma lei que possa fazer a regulamentação geral. Textos que já estão tramitando nesta Casa”, afirmou. Moreira informou que o relatório final da CPI deve prever uma proposta sobre o tema.
O relator do colegiado, deputado Nilson Leitão (PSDB-MT), concordou que o Congresso precisa ter papel decisivo no assunto. “A grande conclusão tem de nascer da própria Casa, do Legislativo, com a intenção clara de melhorar a demarcação de áreas indígenas”, sustentou.
Já Nilto Tatto reforçou que, mesmo com alteração legal, a necessidade do laudo antropológico deve ser mantida. “Pode até a lei dizer que o laudo pode seguir determinadas regras; o que o Legislativo não pode fazer é eliminar esse estudo ou definir se aquela área é indígena ou não”, declarou, em referência à Proposta de Emenda à Constituição (PEC) 215/00, que dá ao Congresso Nacional a palavra final sobre as demarcações.
Conforme Jobim, o Congresso não pode usar a emoção para nortear o debate. “Não podemos ‘emocionalizar’ a discussão sobre o assunto. Os senhores, deputados, são essenciais para a solução, para a busca de consenso”, apontou o ex-ministro.
Posse imemorial
Durante a audiência de hoje, Nelson Jobim salientou que o STF já decidiu que a definição do que é terra indígena deve ser baseada se o local era habitado à época da promulgação da Constituição, ou seja, a partir de outubro de 1988. “O Supremo acolheu o entendimento da constituinte de não receber o conceito de posse imemorial, ou seja, de posse muito antiga", destacou.
O ex-ministro ressaltou ainda que o STF decidiu que não é possível ampliar terra indígena sem a desapropriação da área a ser anexada.
Na visão de Jobim, delimitar terras indígenas em zonas de fronteira é uma forma de garantir a soberania nacional, pois essas áreas tornam-se propriedade da União. O deputado Valdir Colatto (PMDB-SC) questionou se não existiria contradição nesse argumento, pois há quem diga que o Exército não pode entrar em reservas indígenas. “Ingresso em terra indígena já está resolvido pela decisão do STF: é possível, sim”, esclareceu Jobim.
Fonte de conflito
Para o ex-ministro, a origem dos conflitos sobre as demarcações está na interpretação da Funai de declarar como indígena uma terra que não tem índio. “Nas áreas efetivamente ocupadas por índios, não havia conflito, já nas não ocupadas, havia”, sustentou Jobim, em resposta ao deputado Adelmo Carneiro Leão, que questionou se a judicialização dos casos seria uma maneira de resolver os impasses.