Voto histórico da Ministra Carmem Lúcia desqualifca posse "imemorial" indígena em demarcação no Mato Grosso do Sul

Publicado em 10/09/2014 12:26 e atualizado em 11/09/2014 20:49

A Segunda Turma do Supremo Tribunal Federal prosseguiu, na sessão da última terça-feira (9), com o julgamento do Recurso Ordinário em Mandado de Segurança (RMS) nº 29087, apresentado pelo proprietário rural de Mato Grosso do Sul, Avelino Antonio Donatti, contra a declaração de sua fazenda como sendo de posse imemorial da etnia guarani-kaiowá, integrando a Terra Indígena Guyraroká, no Mato Grosso do Sul.

Em voto-vista, a ministra Cármen Lúcia manifestou-se pelo provimento do recurso. A ministra seguiu a divergência aberta pelo ministro Gilmar Mendes na sessão de 24 de junho dando provimento ao recurso do produtor rural.

O relator, ministro Ricardo Lewandowski, votou pelo desprovimento. Na época Lewandowski fez alusões abstratas a um certo "genocídio" que estaria ocorrendo na região. Mostramos a discussão entre ele e Gilmar Mendes aqui no #QI: Bate boca no STF sobre a Questão Indígena e a ignorância de Lewandowski sobre a situação do Mato Grosso do Sul 

Com a votação em 2 a 1, impedido o ministro Teori Zavascki, a Turma decidiu concluir o julgamento na próxima sessão, a fim de colher o voto do ministro Celso de Mello.

Segundo a ministra Cármem Lúcia, o voto divergente do ministro Gilmar Mendes “é mais consentâneo” com as salvaguardas fixadas pelo Plenário do STF no julgamento da PET 3388, que tratou da Terra Indígena Raposa Serra do Sol, em Roraima. Naquela ocasião, decidiu-se que o marco temporal da ocupação indígena seria a data da promulgação da Constituição Federal de 1988, em 5 de outubro daquele ano.

A ministra ressaltou que não há controvérsia quanto à inexistência de índios na região naquela data, conforme atesta o laudo antropológico que subsidiou o processo administrativo que resultou na demarcação da Terra Guyraroká, transcrito nos autos. “O laudo afasta quaisquer dúvidas sobre a anterior ocupação indígena na região onde está o imóvel, adquirido em agosto de 1988”, afirmou a ministra. “Há mais de 70 anos não existe comunidade indígena na região”.

Cármen Lúcia manifestou, no início de seu voto, seu “desassossego” diante da dificuldade de uma solução judicial que atenda igualmente aos anseios da comunidade indígena, “há muito desapossada de suas terras, muitas vezes agravada em seus direitos fundamentais e na dignidade da pessoa humana”, mas também do produtor rural, “que, confiando na validade de título de domínio outorgado pelo próprio poder público, se vê ameaçado no que considera seu direito”. 

Para a ministra, o reconhecimento da tradicionalidade da ocupação indígena, neste caso, apenas pela posse imemorial instauraria “um grave caso de insegurança jurídica a desestabilizar a harmonia que hoje gozam cidadãos até mesmo em centros urbanos que, em tempos remotos, foram ocupados por comunidades indígenas”.

Ela chamou atenção para o “desolador quadro de instabilidade social e jurídica” existente na região, “que tem desamparado ambos os lados da disputa pela terra”, mas ressaltou que o problema não tem passado despercebido ao Poder Judiciário, “que não se distanciou de sua incumbência constitucional de analisá-la em profundidade, apresentando alternativas para construir soluções capazes de pôr fim a um conflito no qual não há vencedores, apenas vencidos, todos em situação de desagrado e desolação quanto a seus direitos, que nunca se veem plenamente atendidos”.

Fonte: Blog Questão Indígena

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