Eletrobras avalia medidas após ação da AGU; analistas veem sinal ruim para setor
Por Letícia Fucuchima
SÃO PAULO (Reuters) - A Eletrobras disse nesta segunda-feira que avaliará medidas que eventualmente devam ser adotadas visando a manutenção de "ambiente confiável" para realização de seus investimentos e a "segurança jurídica de acionistas e mercado em geral", após o governo questionar no Supremo Tribunal Federal o seu poder de voto menor decorrente do processo de privatização.
O pleito do governo no STF deve ter dificuldades para prosperar, na avaliação de analistas do mercado financeiro, que veem nessa movimentação um sinal ruim para o ambiente de negócios em setores regulados, como o de energia, e empresas de capital aberto.
A Advocacia-Geral da União (AGU) ingressou na sexta-feira passada com uma ação direta de inconstitucionalidade no STF pleiteando que o governo tenha um poder de voto na Eletrobras proporcional à sua participação acionária na elétrica.
Embora tenha aproximadamente 43% das ações ordinárias da Eletrobras, a União está sujeita à proibição de que acionista ou grupo de acionistas exerçam votos em número superior a 10% --regra incluída para evitar movimentos de assunção do controle da empresa, que hoje tem capital pulverizado.
Esse mecanismo foi crucial para o sucesso da oferta de ações que levou à privatização da Eletrobras, já que sem ele o custo de capital exigido pelos investidores para participar da operação seria muito maior, podendo inviabilizá-la, apontou a equipe do BTG Pactual.
"Ainda que o governo tenha reiterado que o objetivo da ação não é a 'reestatização' da Eletrobras, remover o limite de 10% dos votos daria a ele poder suficiente para dar as cartas na Eletrobras --o que seria exatamente o oposto do que levou os investidores a optarem por participar (da oferta de ações)", escreveram Joao Pimentel, Gisele Gushiken e Maria Resende.
Em fato relevante, a Eletrobras usou desse mesmo argumento ao afirmar que o desejo do governo de recuperar preponderância nas deliberações de acionistas "contraria as premissas legais e econômicas que embasaram as decisões de investimento do mercado -- inclusive os milhares de trabalhadores titulares de contas do FGTS--, a partir de modelagem desenvolvida pela própria União".
A companhia afirmou ainda que o processo de privatização seguiu "fielmente todo o trâmite legalmente previsto" e lembrou que já existem outras quatro ações de inconstitucionalidade relacionadas ao tema, sem que tenha havido concessão de decisão liminar que impactasse a consumação da privatização.
A avaliação geral entre os analistas é que a ação do governo tem poucas chances de avançar. Eles citam, por exemplo, o fato de a privatização ter base em lei aprovada pelo Congresso Nacional, com termos e condições que passaram por escrutínio do Tribunal de Contas da União.
Outro ponto de dificuldade é o fato de que a ação do governo deverá acabar nas mãos do ministro Kassio Nunes Marques. Indicado de Bolsonaro à Corte, Marques é relator de outros processos que contestam a privatização da Eletrobras, sem ter concedido até agora qualquer liminar desfavorável ao processo.
"Em relação ao tempo para o STF decidir, acreditamos que o processo pode demorar muito. Dada a sensibilidade da questão, não acreditamos que uma liminar será concedida", disseram Francisco Navarrete, João Fagundes e André Silveira, da equipe do Bradesco BBI, em nota.
Em caso de uma decisão desfavorável ao "status quo", analistas veem ainda riscos se alastrando para além do caso da Eletrobras.
"Tentar contornar essas instituições e decisões já aprovadas via processos democráticos é um precedente preocupante não apenas para o setor, mas para outras empresas privadas e reguladas", afirmou a equipe do BTG.
O Credit Suisse, por sua vez, lembrou que o objeto em discussão envolve ainda disposições da Lei das SA, uma vez que a regra dos 10% de poder de voto está incluída no estatuto da Eletrobras.
"Conforme a lei nº 6.404/76 (Lei das SA), nenhum direito ou cláusula estatutária que proteja os acionistas pode ser alterado sem o devido processo de votação em Assembleia Geral; assim, tal desafio (à regra) afetaria outras empresas listadas e não apenas a Eletrobras, com percepção de risco aumentada".
No sábado, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva indicou que pretende apresentar novos questionamentos sobre a privatização da companhia elétrica, mesmo após a ação da AGU.
(Por Letícia Fucuchima)