Reuters: Bolsonaro não reconhece vitória de Lula, mas autoriza início da transição
Por Ricardo Brito e Maria Carolina Marcello
BRASÍLIA (Reuters) -O presidente Jair Bolsonaro (PL) afirmou nesta terça-feira, em sua primeira manifestação após mais de 44 horas de silêncio desde a derrota na eleição presidencial no domingo, que continuará seguindo os mandamentos da Constituição, mas não reconheceu a vitória do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT).
Coube ao ministro da Casa Civil, Ciro Nogueira, que falou depois de Bolsonaro, afirmar ter sido autorizado pelo mandatário a começar o processo de transição de governo com a equipe petista -- o que foi visto pelo Supremo Tribunal Federal (STF) como um reconhecimento do resultado eleitoral por Bolsonaro.
"Sempre fui rotulado como antidemocrático e, ao contrário dos meus acusadores, sempre joguei dentro das quatro linhas da Constituição. Nunca falei em controlar ou censurar a mídia e as redes sociais. Enquanto presidente da República e cidadão, continuarei cumprindo todos os mandamentos da nossa Constituição", disse Bolsonaro em pronunciamento no Palácio da Alvorada ao lado de vários ministros e apoiadores.
O silêncio de Bolsonaro após a derrota e desinformações disseminadas nas redes sociais acabaram alimentando protestos de caminhoneiros e outros apoiadores do presidente em rodovias pelo país contra o resultado das urnas. A falta de manifestação do presidente foi interpretada por alguns como parte do processo que supostamente permitiria uma intervenção militar.
Em sua fala de pouco mais de dois minutos, Bolsonaro afirmou que as manifestações são fruto de sentimento de injustiça pelo processo eleitoral, mas defendeu o direito de ir e vir.
"Os atuais movimentos populares são frutos de indignação e sentimento de injustiça de como se deu o processo eleitoral. As manifestações pacíficas sempre serão bem-vindas, mas os nossos métodos não podem ser os da esquerda, que sempre prejudicaram a população, como invasão de propriedade, destruição de patrimônio e cerceamento do direito de ir e vir", afirmou.
Bolsonaro, que se tornou o primeiro ocupante do Palácio do Planalto a sair derrotado em uma campanha pela reeleição, agradeceu os 58 milhões de votos que recebeu no domingo e afirmou que é uma "honra ser o líder de milhões de brasileiros que defendem a liberdade econômica, religiosa, de opinião e a honestidade".
Em nenhum momento Bolsonaro congratulou Lula pela vitória. Ele também não telefonou para o petista.
Para Creomar de Souza, CEO da Dharma Political Risk, Bolsonaro inaugurou uma nova modalidade de ação política, "o reconhecimento de derrota, sem reconhecer a derrota". Segundo ele, a declaração sobre as manifestações dos caminhoneiros foi dúbia.
"Bolsonaro joga um jogo para o sistema político, que já o rejeitou graças ao resultado, e outro para os seus eleitores que seguem amarrados a ele. Para estes, a fala de hoje é só mais um movimento genial do presidente com o objetivo de se colocar um passo a frente dos opositores", afirmou.
“A ideia é criar e alimentar um comportamento paranóide dos apoiadores e dos opositores. Não admitir a derrota, trabalhar com mensagens dúbias, alimentar ambiguidades.“
REUNIÃO NO STF
Depois do pronunciamento, Bolsonaro seguiu para uma reunião no Supremo Tribunal Federal (STF) com oito dos onze ministros da corte, que divulgou uma nota oficial destacando que o presidente havia reconhecido o resultado das eleições ao determinar o início da transição.
"O Supremo Tribunal Federal consigna a importância do pronunciamento do Presidente da República em garantir o direito de ir e vir em relação aos bloqueios e, ao determinar o início da transição, reconhecer o resultado final das eleições", afirmou a corte.
Segundo o ministro da Casa Civil, Ciro Nogueira, que falou logo após o pronunciamento de Bolsonaro, o presidente autorizou o início de conversações com o PT para a transição de governo.
"O presidente Jair Messias Bolsonaro me autorizou, quando for provocado, com base na lei, iniciaremos o processo de transição. A presidente do PT, em nome do presidente Lula, disse que na segunda-feira será formalizado o nome do vice-presidente Geraldo Alckmin. Aguardaremos que isso seja formalizado para cumprir a lei no nosso país".
Ciro, senador e presidente licenciado do PP, tem conduzido as tratativas para a troca de governo com a presidente do PT, deputada Gleisi Hoffmann (PR).
Mesmo apoiando Bolsonaro atualmente, o PP poderá integrar a base de sustentação no Congresso e também no governo da gestão Lula. Em entrevista à Reuters na véspera, o presidente em exercício do partido, deputado Cláudio Cajado (BA), disse que o eventual apoio da legenda passa pelo respaldo do novo governo à reeleição do atual presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL).
(Reportagem adicional de Eduardo Simões, em São PauloEdição de Alexandre Caverni, Flávia Marreiro e Pedro Fonseca)