BC atua, mas dólar fecha em alta com mercado avaliando incertezas domésticas

Publicado em 02/06/2020 00:18

Por José de Castro

SÃO PAULO (Reuters) - O dólar começou junho em firme alta ante o real, que teve o pior desempenho entre as principais moedas na primeira sessão do mês, conforme as operações domésticas reagiram a um noticiário doméstico ainda visto com cautela.

Com a moeda brasileira liderando as perdas globais na sessão desta segunda-feira, o Banco Central anunciou dois leilões no mercado à vista, vendendo um total de 530 milhões de dólares das reservas, o que sugere saídas líquidas de recursos do mercado local. Mesmo com os leilões, o dólar apenas saiu das máximas e seguiu em firme alta.

Analistas comentam que continua o movimento de compra de dólares por bancos para desmonte de overhedge, que passou a ser tributado pelo governo.

O dólar à vista fechou em alta de 0,82%, a 5,3843 reais na venda. No pico do dia, a divisa foi a 5,4200 reais, apreciação de 1,49%. Na mínima, atingida ainda pela manhã cedo, desceu a 5,3110 reais, queda de 0,55%.

Na B3, o dólar futuro tinha ganho de 0,88%, a 5,3905 reais, às 17h03.

Agentes de mercado citaram que o dólar vem de depreciação intensa nas últimas semanas desde que fechou na máxima recorde nominal de 5,9012 reais em 13 de maio, o que aumenta chances de correções para cima. A moeda caiu 9,50% entre 13 de maio e o fim do mês passado.

Mas profissionais avaliam que a "underperformance" do real sugere questões idiossincráticas afetando a moeda e citam novo acirramento das tensões políticas nos últimos dias.

"Acho que essas imagens (dos protestos) rodando o mundo, todas as notícias sobre a crise de saúde aqui... geram insegurança no investidor estrangeiro, elevando a percepção de risco", disse Luciano Rostagno, estrategista-chefe do banco Mizuho do Brasil.

Embates entre manifestantes pró e contra o presidente Jair Bolsonaro durante o fim de semana em São Paulo, com a polícia intervindo com bombas de gás lacrimogêneo, evidenciaram tensões políticas ainda presentes no país, num momento em que a pandemia se agrava e indicadores econômicos apontam recessão histórica.

Analistas de mercado tornaram a piorar nesta segunda-feira expectativas para o desempenho neste ano da economia brasileira, que caminha para recessão em 2020, minando a atratividade do país como destino de investimentos em meio à perspectiva de que a taxa de juros renove mínimas históricas.

Veja gráfico do Goldman Sachs sobre os retornos reais da moeda brasileira e do grau de depreciação da taxa de câmbio em comparação a pares:

A volatilidade implícita das opções de dólar/real de três meses segue perto de 20%, não distante das máximas alcançadas em março, quando os mercados entraram em queda livre por causa dos efeitos da pandemia da Covid-19. A manutenção da volatilidade nesses níveis indica expectativa de intenso vaivém nos preços do câmbio no curto prazo.

Fernando Bergallo, sócio da FB Capital, afirmou que o mercado aparentemente encontrou um nível de suporte para o dólar, o que também dificulta a continuidade da descompressão vista recentemente.

"A moeda caiu a uma mínima de 5,31 (reais) hoje, e a grande maioria dos bancos vê dólar em torno de 5,40 reais no fim do ano, então a cotação perto de 5,20 reais, 5,30 reais, nesse contexto, parece barata", explicou.

Dólar começa junho em alta e vai a R$ 5,38 com política e saída de recursos - Estadão

O mercado de câmbio começou junho agitado, após alguns dias de relativa calmaria no final de maio. Com o real na contramão de outras moedas emergentes, que hoje ganharam força perante o dólar, o Banco Central fez na parte da tarde desta segunda-feira, 1º, dois leilões de dólares à vista, tipo de operação que não fazia desde o dia 14 do mês recém-terminado, mesmo dia em que a moeda americana bateu em R$ 5,97. Profissionais de câmbio relatam que o cenário político conturbado segue pesando, provocando saída de capital estrangeiro do Brasil.

O dólar à vista fechou em alta de 0,93%, a R$ 5,3884. No mercado futuro, o dólar para julho fechou em R$ 5,3750 (+0,59%).

Em dois leilões na tarde desta segunda, o BC vendeu US$ 530 milhões, ambos no mercado à vista. Com isso, o dólar fechou abaixo das máximas do dia, a R$ 5,42. A última intervenção do BC oferecendo recursos novos ao mercado foi em 19 de maio, com oferta de swap cambial. Desde então, tem se concentrado em operações de rolagens de swap e de linha. Hoje, durante audiência pública virtual, o presidente do BC, Roberto Campos Neto, voltou a afirmar que o câmbio é flutuante e que a autarquia realiza intervenções quando há "gap (lacuna) de liquidez". Na mesma audiência, alertou que a atividade pode encolher mais que o previsto este ano.

O economista e operador da Advanced Corretora de Câmbio, Alessandro Faganello, avalia que o dia até começou bem, mas a permanente tensão entre Estados Unidos e China e, no mercado doméstico, os conflitos entre os poderes, principalmente entre Executivo e Judiciário, ajudaram a pressionar o câmbio.

Para os analistas da SulAmérica Investimentos, os atritos recorrentes entre os poderes, em meio ao avanço da pandemia, permanecem como um foco de instabilidade, alimentando a aversão ao risco. No final da tarde, o presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), afirmou que "criticar é legítimo", mas outra coisa é pedir pra fechar Supremo e Parlamento. Se Jair Bolsonaro prosseguir com esse tipo de atitude, vai gerar "insegurança e aprofunda própria crise econômica", disse o parlamentar.

Um ponto na disputa entre China e EUA pode até ser positivo para mercado de câmbio brasileiro, relatam operadores. Pequim determinou que grandes estatais do país suspendam importações de produtos agrícolas dos EUA, incluindo as de soja, o que pode ajudar as vendas da commodity pelo Brasil. Mas hoje nem dados positivos da balança comercial de maio ajudaram a animar o câmbio, com superávit de US$ 4,548 bilhões, queda de 19% ante igual mês de 2019, mas um pouco acima do esperado pelo mercado, que previa US$ 4,4 bilhões, de acordo mediana das estimativas captadas pelo Projeções Broadcast.

Taxas resistem à escalada do dólar e fecham o dia perto da estabilidade

O mercado de juros começou junho em ritmo lento, tanto em termos de variação das taxas quanto em volume de contratos negociados. As taxas oscilaram perto dos ajustes durante toda a sessão, resistindo ao aumento da pressão no câmbio no meio da tarde desta segunda-feira, 1º, ainda que mais cedo tenham abandonado um viés de baixa com a piora do real. Nas mesas de renda fixa, profissionais citaram a falta de fatores concretos que pudessem fazer preço. Mesmo com vários eventos na seara política no fim de semana - manifestações de apoio e contra o governo em São Paulo, Rio e Brasília -, nada foi considerado forte o suficiente para dar rumo às taxas, assim como a escalada do contágio e mortes por Covid-19 no Brasil tampouco foi capaz de elevar os prêmios de risco.

A taxa do contrato de Depósito Interfinanceiro (DI) para janeiro de 2022 fechou a 3,14%, de 3,313% no ajuste de sexta-feira, e a do DI para janeiro de 2025 passou de 5,963% para 5,94%. O DI para janeiro de 2027 encerrou com taxa de 6,91%, de 6,902% no ajuste anterior.

Jason Vieira, economista-chefe da Infinity Asset, afirma que desde sexta-feira, quando o temor de que os Estados Unidos anunciassem sanções econômicas contra a China não se concretizou, não "houve nada de contundente nos últimos dias". "A curva já tem prêmio de risco político embutido e o mercado agora monitora", afirmou. Sobre a liquidez fraca, ele lembra que ao longo da semana há uma agenda pesada de indicadores e que, por isso, "o mercado evita queimar a largada".

As declarações do presidente do Banco Central, Roberto Campos Neto, foram monitoradas, mas vistas como um reforço à sinalização já emitida nos últimos dias. Em participação em audiência pública virtual da comissão mista do Congresso, Campos Neto voltou a alertar que a volta da atividade econômica pós-pandemia será lenta, repetindo que a política monetária "não está exaurida" e os riscos à credibilidade do sistema em se usar "outros instrumentos" para combater o impacto da Covid-19.

No começo da tarde, as taxas exibiam viés de queda, mas que se apagou com a aceleração da alta do dólar ante o real, destoando da valorização das demais moedas emergentes. Porém, ao longo da tarde o real perdeu ainda mais força, com o dólar superando R$ 5,40, o que chamou os leilões do Banco Central, mas as taxas não se mexeram.

 

Fonte: Reuters/Estadão Conteúdo

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