Entrevista de Mandetta incomoda gabinete militar, mas situação de ministro não muda

Publicado em 13/04/2020 16:40 e atualizado em 13/04/2020 21:17

BRASÍLIA (Reuters) - A entrevista do ministro da Saúde, Henrique Mandetta, caiu mal entre os aliados no Palácio do Planalto mas, apesar da avaliação que o ministro antagonizou gratuitamente com o presidente Jair Bolsonaro, a situação de Mandetta não deve mudar, ao menos por enquanto.

De acordo com fontes ouvidas pela Reuters, a entrevista pode ter abalado a frágil trégua a que se chegou no final da semana passada, depois de Mandetta quase ter perdido o cargo na segunda-feira. Alguns ministros militares, que tem defendido o ministro da Saúde, reclamaram da "quebra de hierarquia" do ministro, ao dar uma entrevista que soou como uma provocação ao presidente.

Ainda assim, a situação não deve mudar. "Não tem troca, nada muda", disse uma fonte.

Apesar do desgosto com a entrevista, não há a intenção de abalar de novo o governo com mais uma crise entre o presidente e o ministro, que mantêm uma relação de desconfiança mútua.

De acordo com uma fonte próxima ao ministro, não chegou a ele nenhum "recado" ou aviso sobre sua entrevista à TV Globo, mas uma reação mais forte do presidente era até mesmo esperada.

O ponto mais forte da entrevista foi quando Mandetta afirmou que havia uma dubiedade no discurso do governo.

"Eu espero que essa validação dos diferentes modelos de enfrentamento dessa situação possa ser comum e que a gente possa ter uma fala única, uma fala unificada. Isso leva para o brasileiro uma dubiedade. Ele não sabe se escuta o ministro da Saúde, o presidente, quem é que ele escuta", disse o ministro.

Uma outra fonte próxima de Mandetta, no entanto, avalia que isso não é diferente do que o ministro vem dizendo.

"Ele falou o que ele vem defendendo, não é novidade. Ele já falou isso para o presidente inclusive", disse a fonte.

Na semana passada, Mandetta saiu para a reunião ministerial convocada de última hora por Bolsonaro certo de que estava demitido, contou a fonte. O encontro foi "duríssimo" e nele Mandetta repetiu que não pediria demissão e perguntou porque então Bolsonaro não o demitia.

Antes do encontro, o presidente estava determinado a cumprir as ameaças que vinha fazendo na semana anterior, mas ao longo do dia foi convencido a não fazê-lo. Na reunião, Bolsonaro não demitiu seu subordinado e concentrou suas cobranças em relação ao uso da cloroquina.

No dia seguinte, Mandetta pediu uma audiência para Bolsonaro, convencido a abrir um caminho para uma trégua. Desde então, ambos voltaram a um acordo de manter a defesa do que cada um acredita, sem criticar abertamente o outro.

Na manhã desde segunda, ao sair do Alvorada, Bolsonaro foi perguntado sobre a entrevista do ministro. Sua resposta foi de que "não assistia à Globo".

Ao longo do dia, nem Bolsonaro nem seus filhos, que costumam insuflar as reações das redes sociais, comentaram ou citaram a entrevista do ministro.

No domingo, Mandetta acompanhou Bolsonaro na visita ao hospital de campanha construído em Águas Lindas (GO), cidade próxima a Brasília. Mas depois, perguntado, disse que não podia criticar, mas não aconselhava as aglomerações que se formaram de pessoas esperando para ver o presidente no lado de fora do local.

Bolsonaro deixa Ministério da Defesa sem falar com a imprensa (por Estadão Conteúdo)

O presidente Jair Bolsonaro saiu de reunião no Ministério da Defesa e evitou falar com a imprensa. Nesta segunda-feira, 13, Bolsonaro acompanhou o ministro da Defesa, Fernando Azevedo, na reunião diária por videoconferência com os dez Comandos Conjuntos e o Comando Aeroespacial que atuam na Operação Covid-19, das Forças Armadas. O encontro durou cerca de duas horas. O presidente foi em seguida para o Palácio da Alvorada.

Na chegada ao Ministério, Bolsonaro também não falou com a imprensa. Ele estava acompanhado do ministro-chefe do Gabinete de Segurança Institucional (GSI), Augusto Heleno, do ministro da Secretaria-Geral, Jorge Oliveira, e do almirante Flávio Rocha, secretário especial de Assuntos Estratégicos.

"A presença do presidente Jair Bolsonaro aqui no Ministério da Defesa foi um só motivo: verificar a atuação das Forças Armadas na ajuda, no combate ao coronavírus. Mostrei para ele em videoconferência e os dez comandos falaram com ele (sobre) a ajuda preciosa que estão dando aos Estados e municípios", explicou Azevedo.

O ministro falou ainda sobre atuação militar na construção de hospitais de campanha. Segundo ele, as Forças Armadas contam com quatro hospitais do tipo que estão de reserva.

"A definição do hospital de campanha está certo. Hospital de campanha não precisa ser militar, é um hospital improvisado. Os Estados compreenderam isso com a ajuda da iniciativa privada e estão fazendo", disse.

Participaram também da videoconferência os comandantes das Forças Armadas: almirante Ilques Barbosa Junior, da Marinha; general Edson Leal Pujol, do Exército; e brigadeiro Antonio Carlos Moretti Bermudez, da Aeronáutica.

Como Mandetta, outros ministros da Saúde pelo mundo ficam na 'corda bamba' (Estadão)

Enquanto o ministro da Saúde, Luiz Henrique Mandetta, equilibra-se na corda bamba, autoridades que ocupam o mesmo cargo em outros países também enfrentam pressão durante a pandemia do novo coronavírus, mas por outros motivos. Mandetta trava uma queda de braço com o presidente Jair Bolsonaro ao defender o isolamento social para conter o avanço da pandemia e ver com restrições o uso da cloroquina. Em outras nações, responsáveis pela área da Saúde deixaram o cargo ou foram criticados justamente por descumprir medidas de distanciamento ou por não reagirem à altura da crise.

Na Escócia, por exemplo, a diretora médica do país, Catherine Calderwood, renunciou após ser flagrada viajando durante o período de isolamento social do Reino Unido, que impede esse tipo de deslocamento. Na semana passada, ela foi fotografada pelo jornal The Scottish Sun em Earlsferry, a cerca de 70 km de Edimburgo, onde mora. A diretora chegou a ser advertida pela polícia escocesa.

No domingo, 12, o número de mortes no Reino Unido passou de 10 mil. O primeiro-ministro da Grã-Bretanha, Boris Johnson, recebeu alta após contrair a doença e ficar internado na Unidade de Terapia Intensiva (UTI).

Em situação semelhante, o ministro da Saúde da Nova Zelândia, David Clark, deixou o cargo à disposição por ter quebrado as medidas de isolamento e levado a família à praia durante a pandemia. A primeira-ministra, Jacinda Ardern, entretanto, rejeitou o pedido de demissão por considerar que o momento é atípico. Em nota, a premiê reforçou que o que ele fez foi errado e que a Nova Zelândia espera e merece mais de Clark.

Com as medidas restritivas, a Nova Zelândia tem conseguido controlar a propagação, com pouco mais de mil casos confirmados e apenas uma morte.

Na Romênia, o ministro da Saúde, Victor Costache, renunciou ao cargo no dia 26 de março, em meio a críticas por falta de equipamentos em hospitais. O ministro pediu demissão 10 dias após o país decretar estado de emergência. A Romênia registrou mais de 4 mil casos e cerca de 200 mortes decorrentes da doença

Alguns dias antes, o ministro da Saúde holandês, Bruno Bruins, pediu demissão após desmaiar durante uma discussão sobre a covid-19 com parlamentares. Ele disse que o mal-estar ocorreu por trabalho intenso nas últimas semanas e que não sabia quanto tempo levaria para se recuperar. A estratégia holandesa é de "isolamento seletivo", com foco em pessoas que fazem parte do grupo de risco. Até quinta-feira passada, o país registrava mais de 20 mil casos e quase 3 mil mortes.

Para o professor de Administração Pública da Universidade Estadual Paulista (Unesp), Álvaro Guedes, os responsáveis pela área de saúde ganham notoriedade durante a crise simplesmente por cumprirem o seu papel e por fazerem aquilo que se espera.

"Em um ambiente de tanta turbulência, quem faz o que precisa ser feito ganha notoriedade. Por contraste, acaba aparecendo, porque está em um ambiente de pessoas que não fazem aquilo que se espera", comentou Guedes.

No Brasil, Mandetta tem sido alvo de fritura após contrariar o presidente em diversas ocasiões. Após Bolsonaro aumentar as críticas ao ministro e dizer que iria usar a "caneta" contra integrantes de sua equipe que "viraram estrela", o ministro disse que não deixaria o cargo por vontade própria. "Médico não abandona o paciente", afirmou ele em entrevista no dia 6.

Três dias depois, em uma "live" no Facebook, Bolsonaro rebateu. "Médico não abandona paciente, mas o paciente troca de médico", afirmou, sem citar o nome de Mandetta.

Cloroquina

Nos Estados Unidos, as divergências entre o presidente Donald Trump e parte de sua equipe técnica também são escancaradas quase diariamente durante as coletivas de imprensa da Casa Branca sobre o tema.

O diretor do Instituto Nacional de Alergias e Doenças Infecciosas, Anthony Fauci, integrante da força-tarefa do governo americano para conter a pandemia, é tido por especialistas como a voz da sensatez nos pronunciamentos feitos pela equipe. Fauci já desmentiu Trump na frente do próprio presidente ao falar, por exemplo, sobre a cloroquina. Ele frisa que não há eficácia comprovada no uso do medicamento, que tem sido defendido por Trump, e pede cautela na utilização da droga no tratamento do covid-19.

Apesar das diferenças explícitas, Fauci já afirmou em entrevista que nunca viveu uma situação em que Trump se negou a adotar as políticas de enfrentamento ao vírus sugeridas pela equipe médica depois de convencido de que são as medidas mais seguras à população.

Desde o meio de março, Trump vem defendendo as políticas de distanciamento social extremo. O presidente dos EUA demorou a assumir a responsabilidade na crise, o que tem sido apontado por epidemiologistas como uma das razões para que os EUA tenham se tornado o epicentro mundial da pandemia. Mais de 22 mil pessoas morreram no país em decorrência da covid-19 e o pico do problema ainda nem chegou, segundo modelos estatísticos usados pelas autoridades americanas.

 

Fonte: Reuters/Estadão Conteúdo

NOTÍCIAS RELACIONADAS

Dólar cai ante real com fluxo de venda de moeda e alta do petróleo
Ibovespa fecha com alta tímida em dia de ajustes e volume fraco
Vice-presidente, Geraldo Alckmin, e presidente da ApexBrasil, Jorge Viana, anunciam investimentos de mais de R$ 18,3 milhões para preparar empresas para exportação
Taxas de juros futuras têm alta firme no Brasil com dados de emprego nos EUA e alta do petróleo
Dólar recua ante o real com apetite por risco global após dados de emprego dos EUA
Wall Street sobe após dados fortes de emprego nos EUA elevarem confiança