BC corta Selic em 0,50 p.p., para nova mínima de 3,75%, em meio a crise do coronavírus

Publicado em 18/03/2020 19:01 e atualizado em 18/03/2020 21:04

BRASÍLIA (Reuters) - O Banco Central cortou nesta quarta-feira a Selic em 0,5 ponto, à nova mínima histórica de 3,75%, aumentando o ritmo de afrouxamento monetário em resposta aos impactos econômicos com o coronavírus, mas indicando que este deve ser o novo nível dos juros básicos daqui para frente.

No comunicado sobre a decisão, o Comitê de Política Monetária (Copom) ponderou, no entanto, que a leitura sobre suas próximas decisões pode mudar em meio ao novo quadro que se descortina com a disseminação do Covid-19.

"O Copom entende que a atual conjuntura prescreve cautela na condução da política monetária, e neste momento vê como adequada a manutenção da taxa Selic em seu novo patamar. No entanto, o Comitê reconhece que se elevou a variância do seu balanço de riscos e novas informações sobre a conjuntura econômica serão essenciais para definir seus próximos passos", disse.

"O Banco Central do Brasil ressalta que continuará fazendo uso de todo o seu arsenal de medidas de políticas monetária, cambial e de estabilidade financeira no enfrentamento da crise atual", completou.

A próxima reunião do Copom acontece em 5 e 6 de maio.

Após o ímpeto reformista do governo ficar em segundo plano com o mundo sendo engolfado pelo coronavírus, o BC voltou a reforçar a importância das reformas na economia seguirem adiante, frisando que questionamentos sobre sua continuidade e mudanças de caráter permanente no processo de ajuste nas contas públicas têm o potencial de elevar a taxa de juros estrutural da economia.

"Nessa situação, relaxamentos monetários adicionais podem tornar-se contraproducentes se resultarem em aperto nas condições financeiras", afirmou o BC.

A autoridade monetária afirmou que o ambiente para as economias emergentes tornou-se desafiador com a pandemia causada pelo coronavírus, que provocou desaceleração significativa do crescimento global, queda no preço das commodities e elevação da volatilidade nos mercados.

O coronavírus, inclusive, passou a figurar no balanço de riscos do BC, ao lado da ociosidade da economia, como um fator baixista para a inflação caso o surto da doença se agrave e "provoque aumento da incerteza e redução da demanda com maior magnitude ou duração do que o estimado".

Por outro lado, o aumento da potência da política monetária, a deterioração do cenário externo ou frustrações em relação à continuidade das reformas são apontados como riscos para gerar uma trajetória da inflação acima do projetado para 2020 e 2021.

CHOQUE RECESSIVO

Em pesquisa Reuters feita na semana passada, antes de nova rodada de intensa volatilidade disparada pela disseminação do Covid-19 pelo mundo, 13 de 26 analistas consultados pela Reuters haviam previsto uma redução de 0,25 ponto na Selic.

Oito dos analistas que responderam a sondagem previram uma redução mais agressiva, de 50 pontos-base, para 3,75%, enquanto cinco disseram que não esperavam nenhuma mudança.

Desde a realização da pesquisa, contudo, a adoção de quarentenas por diversos países como tentativa de retardar a velocidade de infecção pelo vírus evidenciou o impacto do coronavírus nas cadeias globais de produção, na demanda pelo consumo e nas perspectivas para os investimentos.

O próprio governo reconheceu nesta quarta-feira que não há como evitar o choque recessivo no curto prazo, que deve afetar a maioria dos países do mundo, inclusive o Brasil.

A mensagem veio em pedido enviado ao Congresso para adoção de estado de calamidade pública no país, condição que liberará o governo de cumprir a meta fiscal deste ano, pavimentando o caminho para um aumento nos gastos públicos.

O quadro com a perspectiva de isolamento dos cidadãos é de atividade econômica em ritmo ainda mais débil no Brasil, caminhando para o terreno negativo, o que diminui pressões inflacionárias.

Se, de um lado, o dólar segue batendo em sucessivas máximas nominais em meio à turbulência no mercado, de outro, importantes commodities para a economia brasileira, como o petróleo, têm registrado quedas expressivas, contrabalançando um eventual repasse da moeda norte-americana mais alta aos preços.

Nesta quarta-feira, o dólar fechou na inédita marca de 5,25 reais e o petróleo Brent, em 24,88 dólares o barril. No primeiro dia útil do ano, esses valores eram de 4,0258 reais e 66,25 dólares, respectivamente.

Pelas contas do BC divulgadas nesta quarta-feira, a inflação deve fechar 2020 com alta de 3,0% pelo cenário híbrido, que considera a trajetória dos juros da pesquisa Focus e a taxa de câmbio constante em 4,75 reais. Para 2021, a perspectiva é de alta de 3,6%.

Nos dois casos, as estimativas ficaram abaixo das projetadas na última reunião do Copom, no início de fevereiro, quando a autoridade monetária considerou um dólar constante mais baixo, em 4,25 reais, para os cálculos. À época, a perspectiva era de que o IPCA fechasse este ano em 3,5% e o próximo, em 3,7%.

A meta de inflação este ano é de 4,0% e para 2021, de 3,75%, sempre com margem de tolerância de 1,5 ponto para mais ou para menos.

REPERCUSSÃO

SÃO PAULO (Reuters) - O Banco Central cortou nesta quarta-feira a Selic em 0,50 ponto percentual, a uma nova mínima histórica de 3,75% ao ano, aumentando o ritmo de afrouxamento monetário em resposta aos impactos econômicos com o coronavírus, mas indicando que este deve ser o novo nível dos juros básicos daqui para frente. [nL1N2BB2V1]

Veja comentários de profissionais do mercado financeiro sobre a decisão e sinalização do colegiado do BC:

SERGIO GOLDENSTEIN, SÓCIO-GESTOR, MAUÁ CAPITAL

"Apesar de o cenário-base do BC prescrever cautela na política monetária, com estabilidade da Selic, deixou a porta aberta para novos movimentos ao reconhecer que 'se elevou a variância do seu balanço de riscos e novas informações sobre a conjuntura econômica serão essenciais'. Avalio que, para se abrir espaço para flexibilização adicional da política monetária, parte importante do overshooting cambial teria que ser revertida ou deveria existir um maior conforto com relação ao tamanho dos repasses da alta do câmbio para os preços. Nesse caso, considero que o BC poderia ser bem mais agressivo nas suas intervenções cambiais e reduzir ainda mais os compulsórios."

RAFAEL PANONKO, CHEFE DE ANÁLISES, TORO INVESTIMENTOS

"O BC deve ficar nos 3,75%. Tem toda uma discussão sobre a eficácia das ferramentas de política monetária nesse contexto de impactos do coronavírus, debate que está presente lá fora. Não sei se o Copom entende dessa forma, e estamos pessimistas sobre a amplitude dos impactos que o coronavírus vai provocar na economia doméstica. Não vejo uma queda do juro para 3% como algo que geraria um estímulo para retomada da economia. E, além disso, um desequilíbrio entre oferta e demanda de produtos nesse momento pode gerar inflação, então isso apoia um juro mais estável. Mas, se essa postura poderia dar alívio ao câmbio, vai permanecer a dúvida sobre uma rediscussão potencial sobre novos cortes da Selic em caso de um declínio maior da economia. Dito isso, o fluxo comprador de dólar vai seguir amanhã."

ADRIANO CANTREVA, SÓCIO, PORTOFINO INVESTIMENTOS

"Acho que ele poderia ter cortado 0,75 ponto, corte entre 1 ponto e 0,50 ponto. Isso pode desapontar alguns, mas na verdade o BC dificilmente conseguiria agradar a todos. Por isso, preferiam ser mais cautelosos. Mas a porta para mais cortes não está fechada. Se necessário eles (BC) vão fazer algo mais forte. Porém, caso o pacote de ajuda econômica nos EUA seja fechado, pode ser que o mercado acalme nas próximas semanas e o BC não seja forçado a reduzir mais a Selic."

CARLOS PEDROSO, ECONOMISTA SÊNIOR, BANCO MUFG BRASIL

"Parece que depois desse comunicado o BC cortou 0,50 ponto e vai parar. O BC está olhando para a inclinação da curva de juros, que aumentou recentemente. O câmbio entra nessa conta também, porque está muito pressionado e por mais que isso (a desvalorização) seja uma questão global pode resultar em inflação no futuro, inflação de custo mesmo, e as projeções de inflação do BC nos dois cenários já não mostram tanta margem de manobra. No geral, acho que o BC conseguiu comunicar os pontos relacionados ao câmbio, à curva de juros, não dá para não ter um diferencial de juros para o real agora. Mas o mercado espera uma atuação mais firme do BC no câmbio. Então não necessariamente o dólar deveria desvalorizar amanhã por causa do Copom."

HOMERO GUIZZO, ECONOMISTA, GUIDE INVESTIMENTOS

"Se as condições piorarem muito o BC volta a cortar os juros, mas esse não é o cenário-base, achamos que ele cortou agora 0,50 ponto e vai parar. A partir de agora acredito que o BC vai se concentrar na estabilidade financeira, dar liquidez ao mercado de câmbio, até para garantir que todo esse estímulo monetário chegue ao tomador final na forma de crédito mais acessível. As medidas de estímulo agora serão macroprudenciais."

Fonte: Reuters

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