O movimento pelo preço do diesel expôs a fragilidade generalizada do Estado brasileiro

Publicado em 04/06/2018 15:48

Foto: Bloomberg

Embora o abastecimento esteja se normalizando em quase todo o Brasil após 11 dias de paralisação dos caminhoneiros, os reflexos desse movimento - que teve um forte e importante cunho político e social também - continuam a ser contabilizados. A pauta passa ser agora o preço não só do óleo diesel, o qual deverá ser reduzido em R$ 0,46 por litro, mas dos combustíveis de uma forma geral dentro do país. 

E as informações que partem do governo se mostram divergentes e com pouco espaço para uma baixa também na gasolina, no etanol e no gás de cozinha. Entretanto, assessores do presidente Michel Temer afirmaram, em entrevistas recentes, que o rejauste diário da gasolina já se tornou "insustentável" e o ideal é que o reajuste passe a ser mensal. 

As discussões, no entanto, apenas começaram e, no meio delas e da paralisação das últimas semanas, ficaram expostas as fragilidades brasileiras de todas as espécies. Do governo, das políticas de preços, da política econômica, do gerenciamento de crise, da infraestrutura e, principalmente, da condição social do povo brasileiro. 

De fora, a imagem que se construiu da manifestação foi de uma necessidade tão latente de urgentes melhorias que acabou culminando em uma ameaça à democracia, como relatou o diretor da Cerealpar e consultor do Kordin Grain Terminal, de Malta, na Europa, Steve Cachia. 

"O que tem se discutido aqui na Europa, e tenho visto também na mídia dos EUA, é que temos que partir do princípio de que, em muitos países, principalmente nos desenvolvidos, o direito de se fazer greve, protesto e manifestações é sagrado. Portanto, nada errado na greve dos caminhoneiros. No entanto, tudo começou a dar errado do ponto de vista democrático quando, para passar a mensagem, a sociedade de um modo geral e os negócios passaram a ser prejudicados", diz Cachia, em entrevista ao Notícias Agrícolas, direto de Malta.

Além das fronteiras do Brasil, portanto, o ponto mais questionado do movimento foi a estratégia adotada pelos manifestantes, a qual poderia se voltar contra os caminhoneiros ainda mais caso o cenário se estendesse por mais dias. "Por um lado, pedia-se o apoio da população e, por outro, faziam a população ter problemas desnecessários", lembra o executivo. 

O desencontro do objetivo inicial da paralisação com o que se observou dias subsequentes também chamou a atenção em outros países, deixando ainda mais claro a falta de opções que sente o brasileiro prestes a uma nova eleição presidencial. 

"Os cartazes da intervenção militar chamaram muito a atenção. Enquanto o mundo todo tem se afastado desta política, alguns brasileiros pediam regimes militares de volta. Quem acompanha o Brasil e sua política de fora entende que a população não aguenta mais ser roubada por políticos e operações corruptas, mas ao mesmo tempo, acredito que em um país democrático, as instituições têm que fazer sua parte sob pressão se precisar. Na véspera de eleições presidenciais, a sociedade deveria estar mais que conscientizada a votar bem", saliente Cachia.

 

  

 

Dessa forma, o consultor acredita que uma mudança efetiva não se concretiza no país a menos que haja uma profunda e dramática mudança no modelo econômico do país que possa colocá-lo nos trilhos novamente. E para Steve Cachia, quanto menor a intervenção do estado, mais o Brasil terá chances de prosperar e manter seu ritmo de crescimento. 

"Sucesso e progresso só vêm com a produção e criação de empregos. O setor agro é prova disso. Quanto menos interferência do governo, mais produzimos, exportamos e criamos empregos no processo. O fato é que o sentimento (sobre a paralisação) é de que o princípio foi bom, mas, com uma estratégia errada, mais uma vez o Brasil deu um tiro no próprio pé", reafirma.

O momento geopolítico mundial, além de tudo, não é dos melhores e esse poderia ser mais um daqueles "golpes de sorte" que os brasileiros costumam ter, com boas oportunidades se abrindo para os nossos mercados. Todavia, a frágil estrutura brasileira, novamente, impede que o oportuno se torne permanente, também como explica Steve Cachia.

"Com os EUA cheio de problemas com México, China, Coreia do Norte, Irã, o Brasil deveria estar aproveitando melhor o momento. O custo Brasil é elevadíssimo, sim claro, mas é inconcebível, na análise de muitos fora do Brasil, que em 2018, você pare um país para tentar conseguir avanços", diz.

O desenvolvimento e os investimentos estrangeiros que estão prontos para serem direcionados ao Brasil esbarram, portanto, em momentos como estes que reafirmam que os dilemas de benefícios de uns e prejuízos de outros após uma mobilização como esta trazem é o reflexo do ponto em que chega uma nação em que está instalada uma profunda crise de confiança. 

"Quando se chega a esse ponto significa que o povo brasileiro não é bem representado nas instituições que legislam e governam o país. Algo está errado e infelizmente o muito dinheiro estrangeiro que esta há tempos pronto para ingressar no país como investimento vai ter que esperar para após as eleições presidenciais. Ninguém investe onde há incertezas ou onde as regras podem mudar para pior", conclui o consultor.

Steve Cachica está em Malta onde participa de reuniões no terminal de grãos Kordin Grain Terminal, que é utilizado para transbordo e armazenagem de grãos vindos das Américas e com destino o norte da África, Oriente Médio e sul da Europa.

Por: Carla Mendes
Fonte: Notícias Agrícolas

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