Governo Temer está frágil, mas precisa voltar a governar (No EDITORIAL DO ESTADÃO, "Fraqueza perigosa" )

Publicado em 29/05/2018 10:31

O governo do presidente Michel Temer mostrou-se frágil ao lidar com o protesto dos caminhoneiros que parou o País. Essa fragilidade ficou particularmente evidente com a quase total inação das Forças Armadas, malgrado o fato de que as medidas decretadas por Temer para desobstruir as estradas e garantir o abastecimento das cidades incluíam a autorização expressa para que os militares agissem contra os grevistas. Está claro que ao governo faltou pulso para administrar uma crise dessa dimensão, restando à sociedade a sensação de que o que está sendo feito é insuficiente e que os caminhoneiros – e todos os oportunistas que pegaram carona no movimento – estão a ditar os rumos da crise. O País se aproxima perigosamente da anomia – quando aqueles que deveriam exercer a autoridade política e institucional são desmoralizados, prevalecendo a lei do grito.

Acuado, o governo cedeu em tudo, entregando aos caminhoneiros até mais do que eles haviam exigido. O preço do litro do diesel na bomba será reduzido em R$ 0,46 e o reajuste, depois de 60 dias, será apenas mensal, e não mais diário, como é hoje. Ou seja, haverá subsídio para baixar o preço e para adiar os reajustes futuros, a título de dar, mais do que previsibilidade, certezas quanto ao dispêndio – algo que não é próprio de uma economia de mercado, mas de um regime de controle estatal, a um custo que recai sobre o conjunto da sociedade. Neste caso, esse custo será de cerca de R$ 13 bilhões, valor que terá de ser retirado de previsões orçamentárias já aprovadas e não deixará de ampliar a dívida pública. Ainda está por ser calculado o impacto de outros benefícios, como a suspensão do pedágio para caminhões sem carga.

Além disso, o governo ofereceu aos caminhoneiros fixar preço mínimo para o frete, o que fere o princípio constitucional da livre concorrência e não leva em conta a sazonalidade da produção nem os diferentes tipos de carga. Não bastasse isso, o aumento de custo derivado do tabelamento do frete certamente será repassado para os preços, com consequente impacto inflacionário – o que, mais uma vez, atinge o conjunto da sociedade.

Mesmo diante de tamanha generosidade, nada garante que os caminhoneiros permitirão que o País retome seu funcionamento normal. Afinal, já foram três os compromissos anunciados pelo presidente Temer nos sete dias de paralisação, sem que os caminhoneiros tenham feito sua parte. E isso aconteceu porque o governo provavelmente negociou com quem não tinha nenhuma representatividade – o movimento grevista, como se sabe, não tem líderes reconhecidos por todos, apenas alguns porta-vozes de certos grupos. Ao fazer tantas concessões sem nenhuma garantia concreta de que o movimento seria encerrado, Temer deixou patente a debilidade do governo – razão pela qual muitos grevistas agora querem mais. E o céu é o limite, pois nem mesmo os caminhoneiros sabem o que fazer com a imensa capacidade de chantagem que adquiriram.

Assim, o protesto dos caminhoneiros deixou de ser uma legítima manifestação contra a alta dos preços do diesel para se transformar em uma feroz disputa de poder. Na esteira do sucesso da mobilização, sevandijas de diversos matizes se articulam para lucrar com a progressiva perda de autoridade do governo. Enquanto o Planalto designa o tartamudeante ministro-chefe da Secretaria de Governo, Carlos Marun, para comunicar ao público os resultados de negociações que dão em nada, opositores da agenda de reformas de Temer tratam de estimular a impressão de que o governo já não controla mais coisa alguma. E essa tarefa tem sido fácil.

Esses incendiários apostam que Temer pode ser transformado no símbolo de tudo o que de ruim acontece no País e que o colapso de seu governo seria, assim, algo desejável. Bastariam mais alguns empurrões – como, por exemplo, a anunciada greve dos petroleiros, marcada para amanhã, para que o governo rua.

Para evitar que esse cenário se torne realidade, o governo deve fazer mais do que simplesmente dar confusas entrevistas coletivas que serão desmentidas pelos fatos horas depois. É preciso retomar a autoridade que lhe compete, fazendo com que a lei seja cumprida por meio dos instrumentos que a Constituição lhe faculta. Um governo que não se faz respeitar não pode se queixar do destino.

“É um movimento contra a corrupção e contra os políticos”

Fernando Gabeira disse ao Estadão que a imprensa não entendeu o movimento dos caminhoneiros:

“A imprensa não está vendo o movimento em sua amplitude. A imprensa vê nele um movimento econômico, mas na verdade ele é um movimento econômico e político. Muitos caminhoneiros e grupos que participam desse movimento esperavam uma mudança do próprio governo. Desejam uma mudança do governo. Existe um conteúdo político que foi esvaziado. Ninguém fala que, além de todas as reivindicações, eles querem um novo governo.”

Apesar de querer derrubar o governo, segundo Fernando Gabeira, o movimento ainda não sabe o que colocar no lugar:

“Eu acho que eles não têm noção do que seria o novo governo. Aqueles que articulam essa ideia veem na volta dos militares uma alternativa, mas ao mesmo tempo a gente ouve e sente uma revolta difusa contra o que chamam de roubalheira. É ao mesmo tempo um movimento contra a corrupção e contra os políticos, mas não tem uma visão do que colocar no lugar.”

No 9.o dia da paralisação dos caminhoneiros, Temer defende diálogo e diz que direitos devem ser preservados (Agência Brasil)

No momento em que o país enfrenta o nono dia de paralisação dos caminhoneiros, o presidente da República, Michel Temer, destacou hoje (29) a importância do diálogo para a democracia e disse que quando “alguns” ameaçam não querer o diálogo e parar o Brasil, é preciso exercer “a autoridade” para preservar os direitos da população.

Temer discursou, nesta terça-feira, na cerimônia de abertura do Fórum de Investimentos Brasil 2018, em São Paulo.

“O diálogo é da própria essência da política e da democracia. É, aliás, sua fortaleza. Quando alguns rejeitam o diálogo e tentam parar o Brasil, exercemos a autoridade para preservar a ordem e os direitos da população, mas antes disso, um diálogo é fundamental, leve quanto tempo levar”, disse.

Temer acrescentou ainda que alguns confundem a vocação para o diálogo com eventual leniência política e que, na verdade, é exatamente o oposto.

Reforma da Previdência

O presidente declarou que, apesar de ter saído da pauta legislativa, a reforma da Previdência continua na agenda política. “Ninguém chegará ao fim deste ano, ou do ano que vem, sem realizar a reforma previdenciária. Por isso, as próximas eleições serão distintas das que tivemos desde a redemocratização.”

Para o presidente, os assuntos tidos como fundamentais serão levados em conta pelos eleitores brasileiros. "[Eles exigirão] posições claras, planos de governos, propostas concretas e resultados”, disse. “Os brasileiros vão querer saber se os candidatos se comprometerão com o equilíbrio fiscal ou se aceitaram inflação alta e juros elevados”, acrescentou o presidente.

Brincando de golpe, ELIANE CANTANHÊDE, no ESTADÃO

Tentar derrubar Temer da Presidência é o típico, e inútil, ‘chutar cachorro morto’

Assim como nos aviões, são duas as decisões mais tensas de uma greve: quando e por que começar, quando e por que parar. A greve dos caminhoneiros começou na hora certa, jogou luz nas agruras do setor, criou um caos no País e foi um estrondoso sucesso. Os caminhoneiros, porém, estão perdendo o timing de acabar a greve e capitalizar as vitórias.

As pessoas apoiaram a revolta, mesmo sofrendo diretamente as consequências, porque se identificaram com as dificuldades dos caminhoneiros e, como eles, estão à beira de um ataque de nervos diante de tanta corrupção. Mas é improvável que apoiem agora, simultaneamente, o “Fora Temer”, o “Lula livre” e a “Intervenção militar já”. 

É uma salada indigesta. Pepino, abacaxi e pimenta não combinam e, cá para nós, focar o protesto na queda do presidente Michel Temer raia o ridículo, é como “chutar cachorro morto”. Faltando seis meses para o fim do governo? Com Temer já no chão? É muita artilharia para pouco alvo.

O governo cedeu exatamente em tudo que eles pediam: preço do diesel, redução de impostos, previsibilidade nos reajustes, tabela mínima de fretes e mudança nos pedágios federais, estaduais e municipais. Uma brincadeira que vai custar de R$ 9,5 bilhões a R$ 13,5 bilhões ao Tesouro. Leia-se: a você, leitor, leitora. Agora, a munição do governo acabou. Não há o que fazer.

Eles exigiam mais do que 30 dias de suspensão de aumentos, o governo admitiu o dobro. Exigiam aprovação já, o governo assinou medidas provisórias, que entram em vigor imediatamente. Exigiam publicação do acordo no Diário Oficial da União, o governo fez uma edição extra. Depois de tudo, eles passaram a exigir o corte de R$ 0,46 nas bombas, antes de voltar à ativa. Estão enrolando. Com outras intenções?

Uma coisa é a paralisação de caminhoneiros com reivindicações justas. Outra coisa, muito diferente, é um movimento político com exigências difusas, até contraditórias, e absolutamente inexequíveis. A paralisação deixa de ser justa, perde a legitimidade e passa a ser um ataque oportunista, não a um governo agonizante, mas às instituições e a toda a sociedade.

Ontem, manifestantes já circulavam pela Praça dos Três Poderes e confrontavam o Palácio do Planalto, como ocorreu em junho de 2013. Amanhã, os petroleiros podem começar uma greve sem pauta, movida a ódio e a política. No que isso vai dar? Há um clima de insegurança, de temor, de exaustão, no qual o que mais falta é racionalidade. Não estão medindo as consequências.

Estão todos brincando com fogo: governo, caminhoneiros, os que amam Lula, os que odeiam Temer, os saudosos da ditadura militar... Mas todos eles, que comemoram e se divertem hoje, poderão ter muito o que chorar e espernear amanhã, porque todo esse ódio e essa “revolução” miram um governo em fim de festa, mas podem acabar fazendo a festa de quem menos eles esperam em outubro.

Diz a inteligência, e confirmam os estrategistas, que você só dá passos sabendo onde quer chegar. E deve saber o momento de parar, para renovar energias, ou até recuar, para não bater com a cara na parede. O que se vê hoje, nos radicais que ameaçam as vitórias dos caminhoneiros, e na turba que os aplaude maliciosa ou ingenuamente, é justamente a falta de objetivos, de propósitos. É se jogar de cabeça, sem pensar nos riscos, nos perigos.

Derrubar Temer e colocar Rodrigo Maia na Presidência não pode ser um objetivo sério, um propósito de boa-fé. É uma manifestação irracional de ódio, um desserviço ao Brasil, uma aventura com repercussões nefastas. Quem gosta de brincar com fogo parece torcer por um golpe, mas um golpe de verdade. Que não venham depois chorar sobre o leite derramado, tarde demais.

Bolsonaro e o termômetro das redes sociais (VERA MAGALHÃES, no ESTADÃO)

O leve recuo da posição de Jair Bolsonaro em relação à greve dos caminhoneiros se assemelha a um “hedge”, movimento que se faz no mercado de capitais para não ficar muito “comprado” ou “vendido” em uma só posição. O pré-candidato do PSL foi quem primeiro e melhor surfou na onda das redes sociais em apoio ao movimento.

Sua pisada no freio coincide com o momento em que vários levantamentos já mostram a perda de adesão a uma greve que entra em seu nono dia, não tem mais lideranças claras nem pautas identificáveis e segue paralisando o País mesmo depois de o governo ter atendido suas exigências. Se a coisa degringolar, Bolsonaro agora poderá dizer que “alertou” os caminhoneiros sobre a hora de parar. / Vera Magalhães

 

Fonte: ESTADÃO/Ag. Brasil

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