Qual o plano econômico da greve?, por VINICIUS TORRES FREIRE, na FOLHA

Publicado em 28/04/2017 02:08

O GOVERNO de Michel Temer assustou-se com o tamanho da greve e dos protestos que, imagina, devem acontecer nesta sexta-feira (28). O protesto vai retardar a tramitação da reforma da Previdência, no mínimo.

Caso os manifestantes derrotem a reforma da Previdência e mesmo levem seus representantes para o governo, o que fariam com as contas públicas, que estariam ainda mais deterioradas em 2019?

Para começar a conversa, um exemplo circunstancial.

Na véspera da tentativa de greve geral saiu o balanço das contas do governo federal de março. O que tem lá?

1) Neste primeiro trimestre, os gastos do governo federal ficaram estáveis, se calculados como proporção do PIB, do tamanho da economia;

2) Em valores absolutos, em dinheiro, a despesa caiu uns 3,5% (no acumulado dos últimos 12 meses). Descontando a Previdência, o gasto federal caiu 10%. Na Previdência, cresceram mais de 7%. Gasto real, corrigido pela inflação;

3) Para compensar o aumento da despesa previdenciária, o talho é feito, claro, nas outras poucas despesas em que o governo pode mexer. O investimento "em obras" caiu terríveis 31% em um ano;

4) Mesmo na hipótese pretérita de que fosse aprovada a reforma da Previdência deste governo, gastos com aposentadorias, pensões etc. continuariam a crescer. Na reforma aparada, crescerão ainda mais.

O que fazer nos próximos anos? Até o início do próximo governo? O que fazer, dado de resto que os adversários ou inimigos da política econômica também rejeitam o "teto" de gastos?

Uma receita coerente teria de ser convincente sobre como conter o aumento da dívida pública. Algum aumento de impostos pode ser razoável, mas seria preciso mostrar que um aumento contínuo de impostos (dado o aumento contínuo da despesa) seria neutro em termos de crescimento econômico. Difícil.

Derrubado o "teto" de gastos e, dada a dificuldade inicial para elevar receitas do governo e o crescimento econômico, como financiar deficit e refinanciar a dívida? Recorde-se que o governo está em uma espécie de "moratória" de superavit. Pediu um prazo para vir a gastar menos do que arrecada, dando o "teto" como garantia de contenção futura de despesas. Sem garantia, o que se passa?

Nesse cenário sem "teto", sem reforma e com impostos pelo menos a princípio insuficientes, não é razoável acreditar que o custo da dívida (taxa de juros) permaneça estável. Não é plausível que, sem mais, as taxas de juros não aumentem, realimentando o complexo de problemas que a princípio se pretendia resolver: baixo crescimento e aumento da dívida. O que fazer?

Nota-se que nem se tratou do problema político de elevar impostos e do risco de haver alguma espécie de pânico financeiro caso se derrubem "teto" e reformas. Não implica que não existam alternativas. Mas há um risco bem alto de haver algum tumulto em caso de virada forte de política econômica.

Não estão em jogo aqui vastas teorizações e pensamentos mais ou menos imperfeitos sobre o futuro distante, sobre o "longo prazo", "modelos de desenvolvimento", seja lá o nome. Trata-se de dirigir até a esquina, de levar o país até 2019, 2020, sem arrebentar o motor ou furar o tanque de combustível.

Greve geral, por HELIO SCHWARTSMAN

  Paulo Iannone/FramePhoto/Folhapress  
Os metroviários de São Paulo decidiram pela paralisação total do sistema nesta sexta-feira (28)

SÃO PAULO - Uma parte do Brasil vai parar nesta sexta (28) para protestar contra a reforma da Previdência. "Eu desaprovo o que dizes, mas defenderei até a morte o teu direito de dizê-lo". A frase é creditada a Voltaire, mas ele nunca a escreveu. Fatos alternativos não são exatamente uma novidade. De todo modo, o aforismo resume o pensamento do filósofo em relação à liberdade de expressão: ela precisa valer independentemente de concordarmos com o conteúdo daquilo que é dito.

Essa regra pode ser estendida para a democracia. Qualquer um pode protestar contra qualquer coisa e, se a maioria da população, seguindo os trâmites legais, decide adotar uma política que levará o país para o buraco, resta-nos cair no buraco.

Penso que é bem essa a situação da reforma da Previdência. Nosso modelo é insustentável diante das transformações demográficas em curso. É claro que é possível discutir se a idade mínima para receber a aposentadoria deve ser de 65 ou de 62 anos e se o trabalhador terá 70% ou 90% de seu salário na ativa (o endurecimento de um parâmetro pode compensar o relaxamento de outro), mas não é necessário ter doutorado em finanças para concluir que, se não limitarmos os benefícios, ou eles deixarão de ser honrados, ou precisaremos tirar recursos de outro lugar.

E, como não estamos falando de dinheiro pequeno, na segunda hipótese teria de haver cortes em áreas sociais como educação e saúde ou fortes aumentos na carga tributária brasileira, que, vale lembrar, já é significativamente maior que a de países com igual nível de desenvolvimento.

Seria bacana se a turma que rejeita "in limine" a proposta do governo apresentasse um projeto alternativo que pare em pé, mas não creio que isso ocorrerá. Sua motivação é mais política do que técnica. A dificuldade da sociedade em resolver um problema que no fundo é aritmético pode soar exasperante, mas faz parte das atribulações do jogo democrático.

Você sabe por que está em greve?, por RAQUEL LANDIN

  Pedro Ladeira - 26.abr.17/Folhapress  
Parlamentares da oposição fazem protesto na votação da reforma trabalhista

Gostaria de lançar um desafio aos milhares de trabalhadores de diversas categorias em greve nesta sexta-feira (28) por todo o país. Você sabe por que está em greve?

Respostas genéricas como "por justiça social" ou "contra o governo golpista" serão desconsideradas. Para isso, existem as manifestações de rua.

Embora as greves tenham inegável caráter político, até mesmo as paralisações de 1978, que ajudaram a derrubar a ditadura militar, tratavam inicialmente dos reajustes salariais dos trabalhadores.

Aqueles que fugirem das generalidades vão responder que estão em greve contra as reformas da previdência e trabalhista. Daí cabe aprofundar a pergunta: a quais pontos das reformas você é contra?

É preciso entrar no detalhe, porque não dá para negar que um sistema previdenciário com um rombo de R$ 305 bilhões e uma lei trabalhista criada 74 anos atrás precisam ser revistos.

A verdade é que as pessoas estão mal informadas sobre o que vem ocorrendo no Congresso, apesar do esforço da imprensa. Isso porque os dois principais atores desse processo —governo e sindicatos— colaboram para a confusão.

Nos materiais de divulgação da greve geral, a CUT (Central Única dos Trabalhadores) convoca os trabalhadores a "reagir agora ou morrer trabalhando"—uma mentira já discutida nesse espaço.

A central diz ainda que o governo vai passar por cima da CLT e tirar todos os direitos trabalhistas, o que também não é verdade, porque a reforma não mexe no salário mínimo, no FGTS, no pagamento de férias remunerada ou no décimo terceiro.

Já o presidente Michel Temer, na ansiedade de justificar sua permanência no poder apesar das graves denúncias de corrupção contra seus auxiliares, vai empurrando as reformas a toque de caixa do jeito que dá.

A reforma da Previdência mudou tanto que está difícil acompanhar o que sobrou da proposta, enquanto a reforma trabalhista desperta razoáveis suspeitas sobre o comprometimento do governo com o empresariado, que apoiou abertamente o impeachment da ex-presidente Dilma.

Embora não mexa em direitos essenciais, a reforma trabalhista trata de questões delicadas, com a flexibilização da jornada de trabalho, o fim do imposto sindical e a preponderância do acordado sobre o legislado.

Todas essas mudanças podem ser muito positivas para as relações de trabalho e para a geração de empregos, mas, sem dúvida, deixam margem para que prevaleça a posição dos patrões se os sindicatos forem frágeis.

Resumindo: as reformas trabalhista e da previdenciária são muito complexas e importantes e o debate não deveria se resumir ao "flá-flu" em que se transformou a política brasileira.

O direito à greve é garantido pela Constituição e importantíssimo para democracia, mas também é fundamental saber o que se quer alcançar. Por isso, repito a pergunta do início desse texto: você sabe por que está em greve? 

 

 

Fonte: Folha de S. Paulo

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