Editorial da FOLHA: "EXCESSOS DA CARNE"

Publicado em 22/03/2017 05:34

Bastaram poucos dias para ficar claro que a Polícia Federal mostrou imperícia ao divulgar a Operação Carne Fraca.

Por graves que sejam as suspeitas levantadas, e consideráveis os sinais de ilícitos na relação entre empresas e fiscais do governo, houve danos desnecessários à imagem de um produto de peso na dieta dos brasileiros e na balança comercial do país — um prejuízo desproporcional à escala das irregularidades sob investigação.

Não emergiram evidências fortes, até aqui, para concluir que a condição sanitária da proteína animal produzida no Brasil —um dos líderes mundiais no setor — seja em geral ruim ou um risco para a saúde pública. No entanto, foi essa a impressão que se disseminou.

São 21 os frigoríficos sob suspeita e, agora, impedidos de exportar carnes. Um número ínfimo para o universo de quase 5.000 estabelecimentos nacionais do ramo.

A PF fez inspeção em um único frigorífico. As desconfianças restantes de deficiências sanitárias derivam de escutas telefônicas, principalmente, em que transparece o conluio entre fiscais do Ministério da Agricultura e prepostos das empresas para burlar exigências legais de qualidade da carne.

Só 6 das 21 unidades vendem o produto ao exterior, com faturamento de US$ 120 milhões em 2016, parcela diminuta do total de cerca de US$ 14 bilhões exportados.

Apesar disso, o estardalhaço da PF contaminou a reputação do produto brasileiro como um todo. E ocasionou, entre outros danos, a suspensão das importações por Hong Kong — maior comprador externo de carne bovina nacional.

Com mais cuidado e precisão nos detalhes, a divulgação da Carne Fraca pela PF poderia ter prevenido a generalização deletéria.

O estrago está feito; cabe, agora, circunscrevê-lo à amplitude real das irregularidades. Pois elas, tudo indica, existem.

Há indícios de que fiscais de defesa agropecuária — cujo comando está sujeito a indicações partidárias– cobravam regularmente por favores a dirigentes de frigoríficos. Deficiências na política de controle eram relatadas já em 2014 pelo Tribunal de Contas da União.

Um dos problemas apontados pelo TCU era a duplicidade de padrões, com inspeção sanitária mais rigorosa e frequente do produto exportado, na comparação com o destinado ao mercado interno.

A investigação continua, e não se descarta que surjam mais fatos comprometedores. É obrigação da Polícia Federal concluí-la com rigor e celeridade — o que não isenta a pasta da Agricultura de restaurar, com novos dados e providências, a confiança abalada no sistema federal de inspeção.

Por dentro dos podres da carne, por VINICIUS TORRES FREIRE

  Pedro Ladeira/Folhapress  

O ministro da Agricultura, Blairo Maggi, realiza visita técnica e vistoria em frigorífico

 

HÁ POUCA CARNE podre no despacho do juiz que autorizou a Operação Carne Fraca. Não está lá a história da linguiça de papelão. Sim, há carne ruim, em frigorífico menor. Tem até lote podre de ervilhas na história.

Mas fica evidente que a fiscalização da comida no Paraná, em Goiás e em Minas Gerais, pelo menos, é um osso mole de roer, com subornos baratos. Um executivo de pelo menos um grande frigorífico organizava a mutreta.

Para que subornar fiscais, de superintendentes do ministério ao "zé mané", se o objetivo não é passar comida ruim adiante? Também para isso, para que se faça vista grossa, supõe-se. Mas há pouca evidência direta de carne podre.

Há casos de tentativas de afastar fiscal decente. Há compra de normas, autorizações e "agilização" de processos.

Em suma, gente nomeada por políticos administra rede de fiscais com poder destrutivo para envenenar pessoas e causar prejuízos econômicos nacionais. Mas o caso lembra corrupções municipais, como o de fiscais de obras.

É o que se depreende das 305 páginas do despacho do juiz Marcos Josegrei da Silva, da 14ª Vara Federal de Curitiba.

A promessa de corrupção maior é a de doação de R$ 300 mil para a campanha de parlamentares padrinhos de um fiscal graduado corrupto. Há o caso verificado de apartamentos no nome de um ex-superintendente no Paraná. Há suspeitas de uns R$ 50 mil ali, R$ 20 mil aqui. Fiscais menos graduados também recebem dinheiro, mas não fica clara a quantia.

Muita vez, o suborno aparece na forma de lotes de asinha de frango, calabresa, presunto, alcatra, maminha e picanha. Um corrupto pede que comprem seu carro usado. Outro, que arrumem um teste para seu neto em um time de futebol de São Paulo.

Quem são esses? Gente que discute suborno nestes termos: "Vou comprar [calabresa], né, porque não compensa, né, Carlão, sair daqui pra pegar dois gomos de linguiça lá, gasolina tá [cara]...".

Mas tem coisa muito grave e grande na Carne Fraca.

Pede-se ajuda a "parlamentares" para facilitar exportações pelo porto de Itajaí. Uma múlti brasileira paga a viagem de fiscais para que eles conheçam e certifiquem processo mais rápido de abate de aves. Fiscais pouco graduados discutem como reutilizar peru com salmonela, rejeitado na Europa.

Funcionários de grande frigorífico tentam "agilizar" o registro de certificação de granjas fornecedoras. Assim seriam certificados em laboratórios da empresa, escapando de laboratórios do Ministério da Agricultura, que poderiam flagrar salmonela em frangos e perus. Não se sabe o fim da história.

Funcionários de grandes frigoríficos, "campões nacionais", agiam dentro de escritórios regionais do Ministério da Agricultura, com acesso a computadores e senhas para emissão de certificados sanitários. Por vezes, redigiam certificados de fiscalização, só assinados pelos fiscais.

Não há motivos para acreditar que tal bandalheira não se repita em outros Estados.

O que fazer? Blairo Maggi dizer quem são os políticos padrinhos dos superintendentes demitidos e dos que estão no cargo. Fazer devassa e dança das cadeiras na fiscalização. Auditoria com grande amostragem na carne dos frigoríficos "campeões nacionais". E abatam-se cabeças.

Os vilões da história, por BERNARDO MELLO FRANCO

  Pedro Ladeira/Folhapress  
Agentes da PF cumprem mandado na sede do Ministério da Agricultura pela Operação Carne Fraca

BRASÍLIA - O escândalo da carne conseguiu algo que parecia impossível: fez os políticos esquecerem a Lava Jato, mesmo que por tempo limitado. Nesta terça (21), o assunto dominou os discursos do Congresso. Com raras exceções, os parlamentares defenderam os frigoríficos e atacaram a Polícia Federal.

"O delegado que fez essa operação é um irresponsável", bradou o senador Ivo Cassol, do PP. "Isso é um abuso!", exclamou o ruralista, sobre a prisão de 36 pessoas acusadas de integrar uma quadrilha que subornava fiscais e adulterava alimentos.

A senadora Kátia Abreu, do PMDB, classificou a Operação Carne Fraca como um "festival de horrores". Ela acusou "um delegado e meia dúzia de chefes da PF" de praticarem "crime de lesa-pátria". "Tentaram, com uma ação medíocre, infantil e baixa, destruir um dos setores mais importantes deste país", disse.

"Sempre me coloquei aqui contra a espetacularização da Polícia Federal. Agora estão vendo o monstro que criaram", endossou a senadora Gleisi Hoffmann, do PT.

O senador Renan Calheiros, do PMDB, aproveitou para dissertar sobre o estado da nação. "Este país está emburrecendo", disse. "O que nós assistimos com essa Operação Carne Fraca explicita o fato de nós não termos limite nenhum para nada."

Na Câmara, os discursos corriam na mesma toada. "A Polícia Federal não conhece a questão sanitária dos produtos da agropecuária brasileira", criticou o deputado Valdir Colatto, do PMDB. "Uma unidade da PF joga no chão todo um trabalho que vem sendo feito com muito sacrifício pelas empresas", emendou Delegado Edson Moreira, do PR.

A Polícia Federal não está imune a críticas, e há fortes indícios de exageros na divulgação da Carne Fraca. Mesmo assim, é difícil sustentar que os vilões da história são os investigadores, e não os frigoríficos investigados. Foram eles que compraram fiscais, enganaram consumidores e, claro, financiaram campanhas.

Na Justiça, a carne não pode ser fraca

Por CONRADO CORRÊA GONTIJO, GUSTAVO MASCARENHAS E MARCELA GREGGO

Não é de agora que a advocacia alerta para o perigo da espetacularização de investigações e processos. Este espaço já foi palco de diversas manifestações nesse sentido.

O fenômeno da superexposição das acusações teve início, por ironia do destino, com a chegada ao poder do Partido dos Trabalhadores, um dos maiores alvos das últimas operações.

Não se ignora a necessidade de investigações que contribuam para o necessário "jogo limpo" no Brasil, mas a falta de técnica e cuidado pode causar graves prejuízos econômicos ao país.

Passada a espalhafatosa operação da Polícia Federal na última sexta-feira (17), ficam os fatos e as consequências. O anúncio dos possíveis delitos principia pelo apontamento do delegado responsável pela operação acerca do uso de "ácidos" para "maquiar" a carne.

Basta ler o que já está disponível na investigação para concluir que o ácido é o ascórbico, ou seja, vitamina C, que, como se sabe, nada tem de cancerígeno.

O problema maior, contudo, é colocar, num único balaio, todas as empresas envolvidas. A atitude pode até facilitar a propagação de uma única operação de combate aos desvios, com um nome midiático e a utilização de mais de mil agentes da Polícia Federal num único dia, mas é perigosíssima para o país.

A JBS não teve nenhuma fábrica interditada; a BRF teve uma, que responde por porção ínfima de sua produção. Contra ambas não pesam acusações graves.

Mesmo assim, mercados internacionais de grande relevância, como União Europeia e China, já anunciaram restrições às exportações de carne brasileira.

JBS e BRF já perderam bilhões em valor de mercado e, no cenário de crise em que o país se encontra, podem ter de demitir milhares de trabalhadores. A quem interessa a divulgação prematura das investigações? Não ao Brasil, certamente.

A própria liberação (ilegal) de áudios que levaram a tudo isso evidencia o equívoco. A suposta mistura de papelão com carne de frango pode não passar de discussão informal a respeito da embalagem da carne por parte de funcionário de uma das empresas. O exagero é evidente.

Não é de hoje que se alerta para os perigos do policial hermeneuta, que interpreta os áudios captados e os leva diretamente, segundo sua própria interpretação, para julgamento numa coletiva de imprensa.
É preciso lembrar que o direito ao devido processo legal tem envergadura constitucional tanto quanto o princípio da publicidade -não pode, portanto, ser mitigado.

Muitos países tornam pública apenas a decisão dos juízes de última instância, como a Alemanha e os Estados Unidos, pois entendem, desde a década de 1960, que a divulgação ostensiva de um caso afeta o processo.

A Europa mantém leis que regulam a divulgação de casos criminais. A corte de Justiça do continente ponderou que mesmo casos de grande exposição têm direito à privacidade de seus julgamentos, para que estes sejam justos.

No Brasil, os casos de pré-julgamento são cada vez mais vastos. Na Operação Lava Jato, um diretor de uma grande empreiteira foi absolvido de todas as acusações, inclusive da de distribuir propina, depois de passar meses preso.

No caso das carnes, a divulgação precoce e o julgamento antecipado por parte da opinião pública podem acarretar reflexos catastróficos sobre toda a economia do país. Operações não podem acontecer apenas para sanar a vontade de aprovação popular por parte de alguns agentes da polícia.

Há quem diga que a data da deflagração não foi coincidência: os federais, após dois anos de investigação, escolheram justamente o dia 17 de março para ofuscar o aniversário da Lava Jato, de cujo sucesso certos setores da PF se sentem excluídos.

Situações como essa evidenciam que fraca no Brasil não é a carne, mas a preocupação de quem conduz as investigações. É preciso ser forte diante da tentação dos microfones e holofotes.

CONRADO CORRÊA GONTIJO é advogado criminalista. Doutorando em direito pela USP, é autor do livro "O Crime de Corrupção no Setor Privado"

GUSTAVO MASCARENHAS é advogado criminalista. Foi pesquisador de direito penal e democracia na Utrecht University (Holanda)

MARCELA GREGGO é advogada criminalista e pós-graduanda em direito penal econômico pela Fundação Getúlio Vargas.

Problemas da Operação Carne Fraca abrem flanco para ataques ao MPF e à Polícia Federal (na coluna PAINEL):

Tempestade perfeita Os reparos à condução da Operação Carne Fraca criaram o ambiente ideal para políticos e críticos da Lava Jato no Judiciário incitarem uma onda de censuras à atuação de órgãos de investigação. A dura fala do ministro Gilmar Mendes, do Supremo, nesta terça (21), foi uma pequena amostra. Outros nomes de peso no meio jurídico se somarão a ele. No Congresso, surge clima para relativizar o trabalho da polícia e pôr em marcha propostas que impõem limites ao Ministério Público e à PF.

Mais um Ex-presidente do STF, Nelson Jobim adotou linha semelhante à de Mendes. Em conversas com amigos, criticou o suposto vazamento de dados da Lava Jato de dentro da Procuradoria-Geral da República.

Tudo ou nada Um senador do PMDB deu a entender a auxiliares que não vê mais o que pode perder com a aprovação de medidas como a anistia ao caixa dois e o projeto de abuso de autoridade. Segundo ele, todos os citados já estão “politicamente acabados” e agora é hora de lutar para “se manter vivo”.

Casca de banana Entusiasta da Lava Jato, o senador Álvaro Dias (PV-PR) reconhece que as implicações da Carne Fraca abriram portas para críticos à atuação da Polícia Federal. “Facilitou o discurso. É fundamental que a PF venha agora com todas as informações”, avalia.

Monotemáticos Em reunião nesta terça, integrantes da Frente Parlamentar Agropecuária articularam ida a Bruxelas para defender a qualidade carne nacional.

Enxame de gente Diante dos sinais de que o ex-presidente Lula está estimulando a militância a ir a Curitiba no dia 3 de maio, quando prestará depoimento a Sergio Moro, a PF se prepara para conter até 50 mil pessoas. A Frente Brasil Popular já sinaliza manifestação no local.

Blairo Maggi representa como ninguém o agronegócio brasileiro (por ELIO GASPARI)

O ministro da Agricultura, doutor Blairo Maggi, chamou de "idiotice" a acusação, apresentada pela Polícia Federal, de que um frigorífico do grupo BRF estivesse usando papelão nas suas salsichas. Faz sentido.

Maggi bate duro. É um bilionário do agronegócio, já foi chamado de Rei da Soja (título que herdou do pai) e a ONG Greenpeace presenteou-o com a "Motosserra de Ouro". Conhece o mundo dos negócios e o da política. Chegou ao Senado pela gambiarra da suplência e ao governo de Mato Grosso pelo voto popular.

Representa como ninguém o agronegócio brasileiro com seu efeito modernizador do campo e sua importância para a economia. Quando estourou a Operação Carne Fraca, ele era o homem certo no lugar certo. Em poucos dias, verificou-se que adulterara o próprio produto.

Maggi ameaçou desnecessariamente o governo chileno, mas esse talvez seja o seu viés de senhor das terras. O ministro tornou-se patético quando acompanhou o coral dos agromandarins. Trata-se de uma casta capaz de gastar os tubos para publicar um manifesto "em defesa da proteína nacional". Essa charanga considera o desastre uma coisa pontual, produto de "desvios de conduta" que "devem ser repudiados e combatidos". Intitulam-se "associações de proteínas."

A economia internacional modernizou o agronegócio brasileiro obrigando-o a respeitar padrões de qualidade. Contudo, quando operam no mundo do poder brasileiro, os empresários fogem do século 21 e aninham-se na primeira metade do 20, quando seus antecessores administravam matadouros.

O "desastre" começou há três anos, quando o auditor Daniel Gouvêa Teixeira foi afastado das suas funções depois de ter denunciado malfeitorias ocorrida no Paraná. Em seguida ele foi à Polícia Federal, contou o que sabia e assim nasceu a "Carne Fraca". Na sua narrativa das excelências do governo, Maggi revelou que exonerou os superintendentes do ministério no Paraná (Gil Bueno) e em Goiás (Julio Cesar Carneiro).

Tudo bem, mas quem nomeou os dois foi Blairo Maggi. O doutor Gil Bueno foi apadrinhado pela base de apoio do governo, mesmo sabendo-se que o Ministério Público dizia o seguinte a seu respeito: "Recebeu para si, 67 vezes, em razão do cargo de fiscal federal agropecuário (...) vantagem indevida para deixar de praticar ato de ofício". Nomeá-lo, vê-se agora, foi "idiotice".

Em Goiás, na região do interesse de Maggi, foi nomeado outro filho da base. Quadro do PTB, Carneiro disputa eleições desde 2004, sem sucesso. Ele não é do ramo, mas o ex-diretor do serviço de inspeção era. Está preso preventivamente. Não há nada de pontual em situações desse tipo. São esquemas.

Os grandes grupos exportadores respeitam as exigências impostas pelo mercado internacional, mas convivem com o atraso que Blairo Maggi conhece de cor e salteado.

A Operação Carne Fraca começou com um lastimável grau de amadorismo megalômano e espetaculoso da Polícia Federal, mas isso não convida empresários, mandarins e ministros a adotarem a postura arrogante dos empreiteiros no nascedouro da Lava Jato. Como ensina um velho provérbio napolitano, "seja honesto, até mesmo por esperteza".

No ESTADÃO: "Carne trêmula", por MONICA DE BOLLE

Carne Fraca é a última prova de que o capitalismo de Estado à brasileira destrói

Diretamente de Trumpland, onde os tremores são frequentes, quase ininterruptos, foi com espanto que vi a exaltação que se apoderou do “debate” sobre a Operação Carne Fraca. De repente, surgiram vários especialistas do agronegócio, da saúde pública, da atuação da Polícia Federal e do Ministério Público a opinar a respeito do mais recente escândalo de corrupção no País. Do pedestal de suas certezas rígidas, acusam a PF, o MPF, a mídia de provocar sensacionalismos desnecessários, defendem frigoríficos sob suspeita, e recusam-se a enxergar o óbvio: tenha sido um ou vinte, vinte ou quatro mil empresas e frigoríficos envolvidos, a PF desvelou um atentado à saúde pública no País.

Atentado esse que deveria ter sido imediatamente abordado como problema sério, antes que fossem citados os números dos fiscais envolvidos, o porcentual do setor de carnes, ou mesmo os dados de exportação da carne brasileira. Acalmar a população deveria preceder a defesa da imagem de um País que consome internamente cerca de 80% da carne produzida. Em vez disso, a Operação Carne Fraca foi transformada em Operação Barata Voa, os destroços esmiuçados pelos tais especialistas que passaram a tratar a questão de forma ideológica.

Os fatos, não os sabemos por completo. Diz a PF que a investigação continua, que há mais a ser revelado. Enquanto isso, grandes países e blocos exportadores como a União Europeia, a China, o Chile, a Suíça resolveram adotar embargo total ou parcial às exportações da carne nacional. Digam o que quiserem nossos governantes e especialistas, o problema, na realidade, é maior do que a carne.

O Brasil está sob intenso escrutínio internacional desde que a corrupção foi desvelada pela Lava Jato como o verdadeiro esporte nacional. Ainda que não seja justo tratar toda a produção de carne brasileira como “de segunda”, o fato é que a corrupção endêmica que se vê no País dá pouco espaço para que o setor seja agora visto no exterior com admiração. Carne corrupta, corrupção encarnada.

O Brasil exporta para o resto do mundo cerca de 20% da carne que produz. Esses 20% tornam o País o maior exportador mundial de carne, onde ocupa fatia de 20% do mercado global. Entre os cinco maiores exportadores de carne do mundo estão, em ordem, o Brasil, a Índia, a Austrália, os Estados Unidos, e a Nova Zelândia. No mundo, nós somos cerca de 30% maiores do que os EUA, que exportam cerca de 15% da carne que produzem. O Brasil, isolado que é, não tem a projeção geopolítica que caberia a um país de seu tamanho. Contudo, se somos anões internacionais em diversas áreas, sempre fomos um gigante na área de segurança alimentar, tema dos mais importantes em mundo marcado pelas tendências de crescimento populacional em áreas em que a segurança alimentar é pouca ou inexistente. Eis, portanto, o grande dilema brasileiro: a corrupção acaba de abalar nosso único meio de projeção como superpotência global.

A crise no setor de carnes provavelmente será superada. O governo, espera-se, tratará de cuidar da saúde pública e de conter qualquer possibilidade de disseminação que prejudique os consumidores brasileiros. Em algum momento, os mercados, por ora fechados, tornarão a se abrir para o Brasil, ainda que o preço da carne exportada sofra baque com as mais recentes revelações. O problema, entretanto, é que o mundo não haverá de esquecer que a corrupção brasileira está por toda parte, inclusive na comida.

Comida financiada pela péssima ideia de promover campeões nacionais, comida corrompida por trocas de favores, propinas, esquemas para dar dinheiro a políticos e partidos políticos. O escândalo da Carne Fraca é a última prova de que o capitalismo de Estado à brasileira envenena, destrói, adoece. As mais recentes vítimas do capitalismo de Estado à brasileira foram a saúde pública, as nascentes aspirações geopolíticas do País, seu engajamento global como superpotência alimentar.

O algoz que muitos, hoje, tratam de querer esconder atrás de números que nada atenuam é a corrupção generalizada, corrupção que já mostrou a todos não ter ideologia ou partido político.

Indicação política é maioria em cargos de superintendência na Agricultura

Das 27 superintendências estaduais, responsáveis pela fiscalização agrícola, pelo menos 19 estão nas mãos de indicados por partidos nos governos Lula, Dilma e Temer; o PMDB detém a maior parte dos cargos, com 10 indicações, seguido do PP, com quatro (por Leonencio Nossa, Lu Aiko Otta, repórteres de O Estado de S.Paulo):

BRASÍLIA - Das 27 superintendências de Agricultura, Pecuária e Abastecimento, responsáveis pela fiscalização e inspeção de rebanhos e lavouras nos Estados, pelo menos 19 estão nas mãos de indicados por partidos políticos. O PMDB domina a estrutura dos escritórios estaduais (10), seguido do PP (4), PR e PSDB (2) e PTB (1), indicações que foram feitas nos governos Lula, Dilma Rousseff e Michel Temer.

A prática das indicações políticas no setor veio à tona com a Operação Carne Fraca, da Polícia Federal, iniciada há dois anos, ainda no governo Dilma, que revelou um esquema de propinas pagas por frigoríficos a fiscais do Ministério. Para os investigadores, a corrupção nas superintendências do Paraná e de Goiás alimentou caixas partidários.

Numa “resposta rápida” ao escândalo, o ministro da Agricultura, Blairo Maggi, exonerou os superintendentes Gil Bueno de Magalhães e Júlio César Carneiro, indicados pelo PP e pelo PTB, que atuavam nos dois Estados. Está em processo de escolha dos substitutos, mas descartou o critério político. “Será indicação minha. Não política”, disse.

O superintendente exonerado em Goiás foi indicado em 2015 na gestão da então ministra Kátia Abreu, no governo Dilma. No caso do superintendente afastado do Paraná, a nomeação foi assinada por Maggi, a pedido do PP. A lista dos apadrinhados inclui 12 nomeados pelo governo Temer, seis pela gestão Dilma e um ainda pelo ex-presidente Lula.

Em meio à repercussão da Operação Carne Fraca, a pasta de Blairo Maggi deverá tomar em breve uma decisão que impactará o setor. No próximo dia 10 de maio, entra em vigor o artigo do decreto 8.762, assinado pela ex-presidente Dilma e pela ex-ministra Kátia Abreu, no ano passado, que para manter o caráter técnico da função, limita a servidores de carreira o preenchimento dos cargos de superintendentes da pasta da Agricultura.

A norma é criticada pelos atuais superintendentes, a maioria deles com apadrinhamento político. “É um contrassenso”, avalia Alay Correia, superintendente de Alagoas. Ex-prefeito de Taquarana pelo PMDB e indicado pela bancada estadual, ele afirma que os casos de corrupção identificados pela Polícia Federal em Goiás e Paraná envolveram o “corporativismo” dos servidores.

“Não se trata de uma questão que envolve ou não servidor de carreira. Particularmente, acho que deve se julgar se a pessoa tem ou não capacidade para exercer a função”, diz. “É uma questão de honestidade.”

Indicado pelo senador Gladson Camelli (PP-AC), o superintendente do Acre Francisco Luziel Carvalho diz que o decreto é “esdrúxulo”. “Eu não me sinto inferior a ninguém por ocupar cargo comissionado”, afirma. Assistente social e advogado, ele observa que tanto superintendente de carreira quanto indicado devem seguir as normas do servidor.

 

Fonte: Folha de S. Paulo + Estadão

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