Posse de Trump, câmbio e o agronegócio brasileiro na visão do professor Geraldo Barros, do Cepea
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A menos de 3 dias da cerimônia de posse de Donald Trump como o 45º presidente dos EUA, o Notícias Agrícolas consultou o Professor Geraldo Sant'Ana de Camargo Barros, professor Sênior da Universade de São Paulo e coordenador Científico do Centro de Estudos Avançados em Economia Aplicada ( Cepea) , da USP/Esalq para analisar os possíveis cenários que se desenham para economia mundial e as consequências para o agronegócio, acompanhe a entrevista:
Notícias Agrícolas - Como o discurso protecionista de Donald Trump poderia impactar no cambio/dólar em relação às demais moedas do mundo?
Professor Geraldo - O dólar no mercado internacional deverá se valorizar em decorrência do aumento dos juros nos Estados Unidos. Os juros deverão aumentar por causa do final do processo de “quantitative easing” e das novas medidas (aumento de gastos e redução de impostos) de Trump que deverão aumentar a dívida pública americana e trazer consequências inflacionárias devidas ao protecionismo (importações mais caras). Uma consequência direta é a valorização do dólar.
Notícias Agrícolas - Em caso de dólar forte frente às moedas, uma desvalorização das moedas emergentes, entre elas a brasileira, seria inevitável ?
Professor Geraldo - Haverá uma valorização do dólar externo. Isso provocará alguma queda no preço internacional de nossas commodities. O dólar no mercado interno poderá ter trajetória própria dependendo do ambiente político e institucional no Brasil, da reforma fiscal e da atitude do Banco Central. Quanto mais seguro e previsível o ambiente de negócios, mais o dólar interno tenderá a cair. Assim a queda do preço em dólar das commodities fica potencializada porque o dólar no mercado interno valerá menos reais. Isso prejudica o agronegócio por ser muito ligado à exportação. Além disso, dificulta ainda mais a ampliação das exportações industriais. Evidentemente, tudo se inverterá se as reformas não avançarem. Se o dólar disparar no mercado interno, as exportações em geral se beneficiam, mas a inflação poderá voltar e com ela os juros mais altos e o prolongamento da recessão.
Notícias Agrícolas- No caso da China, os grandes bancos avaliam que essa desvalorização do yuan frente ao dólar poderia ser mais intensa para que os chineses mantivessem sua competitividade na exportação, diante de uma possível taxação das importações dos EUA, isso é possível ?
Professor Geraldo - O mais provável agora é que o Yuan mantenha sua paridade com o dólar, num patamar desvalorizado, como o atual. A pressão, entretanto, – dos Estados Unidos e outros países desenvolvidos – é no sentido de que a China valorize sua moeda, o que se justificaria devido a sua pujança econômica em escala global. A China vai tentar postergar esse ajuste o quanto puder. Quando o fizer será num contexto de barganha em que possa ganhar algo importante, como o reconhecimento de ser uma economia de mercado. Se Trump não negociar a China pode escalar a desvalorização.
Notícias Agrícolas- Essa desvalorização do Yuan seria natural ou artificial ( imposta pelo governo chines) ?
Professor Geraldo - O atual nível desvalorizado decorre de controle no mercado cambial, motivo de muita queixa, entre outros de Trump. Novas desvalorizações do Yuan viriam de acirramento do controle.
Notícias Agrícolas- Estamos na iminência de um deslocamento das paridades entre as moedas? E podemos ver uma guerra cambial decretada?
Professor Geraldo - Teremos que ver como Trump vai agir. Creio que vai pressionar da seguinte forma: ou a China valoriza sua moeda ou, então, vão ser impostas altas barreiras às suas exportações aos Estados Unidos. O ingresso definitivo na OMC deverá ser parte do embate.
Notícias Agrícolas- Estamos diante de uma mudança de referência do dólar, principalmente em relação às commodities agrícolas?
Professor Geraldo - Há uma tendência de longo prazo no sentido de o dólar perder parte de seu papel de moeda de troca e de reserva mundial. Para isso a China teria que abrir seu mercado, reduzir a presença do Estado e deixar sua moeda flutuar, o que a levaria no sentido da valorização.
Notícias Agrícolas- E como o agro brasileiro pode responder à essas mudanças ? Tem benefícios? Pra quem?
Professor Geraldo - Uma valorização do Yuan favoreceria o agronegócio porque aumentaria o poder de compra dos Chineses enquanto o dólar for a moeda em que são denominadas as commodities brasileiras. No Brasil, porém, o dólar no mercado interno joga um papel que pode ser preponderante. Uma forte valorização do real como a havida na primeira década de 2000 prejudicou muito o agronegócio, que pouco se beneficiou com o boom das commodities. Uma forte valorização do real agora, quando o dólar no mercado internacional também deve se valorizar, pode prejudicar duplamente o agronegócio. Felizmente para o Brasil, o agronegócio conta com alta resiliência na forma de um crescimento de produtividade de longo prazo mesmo sob as condições mais adversas.
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