Na Veja: Delator revela caminho das propinas para operador de Renan e do PMDB
O lobista Milton Lyra é conhecido em Brasília por três apelidos: "Miltinho", "senador" e "operador do Renan". Boa praça, negociador arguto, sempre vestindo blazers bem cortados, amante de charutos e com bom trânsito entre os parlamentares, o empresário ganhou projeção no meio político ao se aproximar do presidente do Congresso, Renan Calheiros (PMDB-AL), no fim de 2007. Naquela época, o senador tinha acabado de cair da presidência do Senado após VEJA revelar que um empreiteiro bancava as despesas da jornalista Mônica Veloso, mãe de uma filha do parlamentar. Milton Lyra morava próximo a Renan, no Lago Sul, região nobre da capital federal, e começou a visitar o senador à noite, ao menos duas vezes por semana.
A amizade se estreitou de tal forma que uma das primeiras aparições do senador num evento social, depois de ser alvo de um escândalo, foi no casamento do cunhado do lobista, no mesmo período em que Mônica Veloso lançou uma autobiografia. Daquele momento em diante, os dois se tornaram companheiros e eram vistos jantando com frequência em Brasília. À medida que Renan Calheiros voltava a ascender no cenário político, tornando-se líder do PMDB no Senado em 2009 e presidente do Congresso em 2013, "Miltinho" subia a reboque, ficando cada vez mais popular e influente entre os parlamentares. Essa relação começou a ruir em meados de 2015, quando o lobista foi citado por um delator na operação Lava Jato como o operador de Renan no fundo de pensão Postalis. A partir daí, outras suspeitas de negócios espúrios em torno da relação dos dois amigos começaram a pipocar na imprensa. Mas, até então, nunca houve uma prova de que qualquer negócio ilícito que ligasse um ao outro.
Uma delação sigilosa, obtida por VEJA, revela pela primeira vez uma pista do caminho percorrido pela propina que seria destinada a Renan -- e a outros parlamentares da alta cúpula do PMDB. O mapa da mina é apresentado, de forma detalhada e com notas fiscais, num acordo de colaboração assinado entre o Ministério Público Federal e o economista Nelson José de Mello, ex-diretor da fabricante de produtos de saúde e bem-estar Hypermarcas. O ex-executivo narra como foram repassados ao menos 26,35 milhões de reais para alguns políticos ligados a Lyra por meio de contratos fictícios assinados entre a companhia varejista e uma rede de empresas, sendo algumas delas fantasmas, e escritórios de advocacia e de auditoria.
De acordo com novos documentos da delação, o primeiro pagamento de propina feito pela Hypermarcas, no valor de 2 milhões de reais, ocorreu no fim de 2013, um ano depois de Nelson Mello conhecer Milton Lyra na antessala do gabinete do então senador Gim Argello. Naquela época, o lobista procurou o ex-executivo pedindo dinheiro para "amigos que teriam despesas de atividades políticas". O delator diz que "Milton era respeitado e tinha prestígio entre os senadores". Os dois simularam um contrato de prestação de serviços no valor de 2 milhões de reais.
O segundo pedido de dinheiro feito por Milton Lyra ao ex-diretor da Hypermarcas ocorreu no final de 2014. Segundo o delator seis empresas, entre elas a Credpag e os escritórios Calazans de Freitas Advogados Associados e Arc e Associados Auditores Independentes, receberam 12,35 milhões de reais. O delator diz que "entendeu que os montantes pagos eram para o Milton Lyra repassar aos amigos" - entre eles, Renan, Jucá, Eunício e Eduardo Braga. Os investigadores cruzaram as informações apresentadas por Nelson Mello com dados do Conselho de Controle de Atividades Financeiras (Coaf), órgão de inteligência ligado ao Ministério da Fazenda, e concluíram que houve a "efetiva movimentação bancária".
Ajuda para Eunício Oliveira - Ainda no ano de 2014, em meio às eleições, o ex-diretor da Hypermarcas disse que Milton Lyra o avisou que seria procurado por um "portador de Eunício Oliveira" para ajudar financeiramente na campanha do peemedebista ao governo do Ceará. Nelson Mello relata que se encontrou com um sobrinho de Eunício Oliveira, chamado Ricardo, e que "pagou despesas de empresas que prestavam serviços à campanha de Eunício Oliveira" por meio de "contratos fictícios" no valor total de 5 milhões de reais. Duas delas, a Confirma Comunicação e Estratégia e a Campos Centro de Estudos e Pesquisa de Opinião, receberam 3,35 milhões de reais. O restante foi desembolsado pela Hypermarcas a partir de uma nota fiscal emitida no valor de 1,65 milhões de reais apresentada pela Confederal Prestadora de Serviços de Vigilância e Transporte de Valores, de propriedade de Eunício.
Em abril de 2015, a Hypermarcas fez novos repasses, no valor de 7 milhões de reais, a pedido de Milton Lyra. Em contrapartida aos recursos transferidos, o ex-executivo da Hypermarcas contou que "as portas se abriam" no Senado. O ex-diretor da Hypermarcas foi afastado quando foi descoberto que ele desviou cerca de 30 milhões de reais. A companhia contratou uma empresa de auditoria e o obrigou a vender as suas ações da empresa para quitar a fraude. O ex-executivo decidiu delatar para evitar a prisão.
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