Na FOLHA: Sem fim à vista (EDITORIAL) e "A prisão que atrapalha Dilma" (por Bernardo Mello Franco)

Publicado em 24/06/2016 03:01
na edição da Folha de S. Paulo desta sexta-feira

O noticiário cotidiano tem-se encarregado de impor necessário e enfático desmentido a pronunciamentos como o feito recentemente pelo ministro Eliseu Padilha, da Casa Civil, no sentido de que as autoridades responsáveis pela Operação Lava Jato haverão de, a certa altura, pensar em concluir suas investigações.

Em vez de declinar, o ímpeto da Lava Jato começa a ter reflexos em outras ações policiais, externas ao âmbito da chamada "República de Curitiba". Partiu de São Paulo, numa operação intitulada Custo Brasil, a iniciativa de requerer a prisão preventiva de Paulo Bernardo, ex-ministro dos governos petistas de Lula e Dilma Rousseff.

Bernardo é acusado de receber cerca de R$ 7 milhões em propina, dentro de um esquema que teria desviado um total de R$ 100 milhões por meio de contratos irregulares de uma empresa de informática com a pasta do Planejamento.

Na mesma investida da Polícia Federal, foi preso Valter Correia, secretário municipal de Gestão da administração Fernando Haddad (PT), em São Paulo. A sede nacional do partido, na capital paulista, e o escritório de Brasília tornaram-se, ademais, objeto de ações de busca e apreensão.

Repetida em nota oficial, a habitual alegação de que está em curso uma tentativa de criminalizar o PT fica menos convincente do que nunca. Bastaria lembrar a circunstância de que um dos maiores desafetos do partido, o deputado afastado Eduardo Cunha (PMDB-RJ), viu-se ainda nesta semana novamente na condição de réu perante o Supremo Tribunal Federal.

Paralelamente, apura-se em Pernambuco a suspeita de que as campanhas de Eduardo Campos (PSB) em 2010 (para governador) e 2014 (para presidente) beneficiaram-se de um mecanismo de corrupção que, no total, teria movimentado cerca de R$ 600 milhões.

A partir de dois delatores da Lava Jato, investigaram-se as contas de um dos donos do jatinho cujo acidente ocasionou a morte do pessebista. Preso, o empresário João Carlos Lyra foi reconhecido como a pessoa que fazia repasses da construtora Camargo Corrêa a Campos e seus correligionários.

O PSDB, por sua vez, é atingido na figura de seu antigo presidente, o falecido senador Sérgio Guerra, de quem se revelam os entendimentos que teve para abafar a CPI da Petrobras em 2009 —sem mencionar as diversas vezes em que o nome do atual presidente da sigla, senador Aécio Neves (MG), aparece em delações premiadas.

Tudo indica que não há fim à vista para a Lava Jato e seus desdobramentos —e é exatamente isto que se deseja do inédito desvelamento de práticas generalizadas de assalto a cofres públicos perpetradas por políticos de todos os matizes.

A prisão que atrapalha Dilma (por Bernardo Mello Franco)

BRASÍLIA - É cada vez mais difícil ver PT e PMDB dizendo a mesma coisa. Os ex-aliados voltaram a concordar nesta quinta (23) ao avaliar os efeitos daprisão do ex-ministro Paulo Bernardo. Nos dois partidos, a ação policial foi vista como um baque na defesa de Dilma Rousseff no Senado.

O ex-ministro é marido da petista Gleisi Hoffmann, uma das vozes mais ativas na comissão do impeachment. Ex-chefe da Casa Civil, a senadora continua a desempenhar o papel de escudeira de Dilma. Ela costuma se sentar na primeira fila e não perde uma chance de discursar a favor da presidente afastada.

Para o governo interino, a prisão de Paulo Bernardo vai abalar o moral da tropa dilmista. A ação ocorre num momento em que o noticiário policial se voltava contra o PMDB de Michel Temer. Por isso, a desgraça do ex-ministro foi motivo de comemoração discreta no Planalto.

No front petista, a reação foi de perplexidade e desânimo. "Isso vai dar um alívio para o Temer e uma desarticulada na gente", comentou um senador, em conversa reservada.

Em público, a ordem foi questionar as razões da prisão temporária. A liderança do PT no Senado classificou a decisão como "abuso de poder". Em nota, o partido sugeriu uma ação coordenada para encobrir "fatos gravíssimos de corrupção que atingem diretamente o governo".

Além de atingir a imagem de Gleisi, a nova operação da Polícia Federal resvala na gestão de Dilma. Os investigadores relataram um esquema que teria desviado verbas federais até o ano passado.

A prisão de Paulo Bernardo produziu outra união entre políticos que estão em lados opostos na batalha do impeachment. Líderes de vários partidos reclamaram da entrada da PF num prédio habitado por senadores. Muitos acordaram assustados com o barulho de um helicóptero nas primeiras horas da manhã. Como as investigações não param, ninguém sabe quem receberá a próxima visita indesejada.

Depois do "relaxa e goza"

Por FERNANDO CANZIAN (NA FOLHA)

Numa festa de casamento recente, no brinde o pai da noiva lembrou que esse tipo de união não é feito só de alegrias e que seria preciso dividir tarefas para que as coisas funcionem. Que a um dos noivos caberia, por exemplo, ir ao supermercado, organizar a casa, cuidar da roupa, das finanças e dos eventuais filhos. Ao outro, ligar para a NET.

A história é verídica.

Depois de 13 anos de PT, o governo interino de Michel Temer parece disposto a melhorar o ambiente de negócios no Brasil com mais competição entre empresas e a privatização ou concessão de serviços públicos.

A sanção na quarta (22) da Lei de Responsabilidade das Estatais, que proíbe a nomeação de pessoas com atuação partidária e de políticos para cargos nessas empresas (incluindo Estados e municípios) vai na mesma linha.

Ao que consta, a União também vai exigir a partir de agora a privatização de empresas estaduais como contrapartida para ajudar a equacionar as finanças dos governadores falidos.

Temer também apoiou o projeto que eleva de 49% para 100% a participação de empresas estrangeiras no setor aéreo. No caso desta medida, sem maiores esclarecimentos.

Depois da onda de privatizações nos anos 1990 sob FHC (que hoje permite à NET vender serviço banda larga e telefone), quase nada foi feito nesse sentido. Pior, os governos Lula e Dilma esvaziaram e politizaram as agências reguladoras criadas para monitorar as privatizadas, deixando consumidores cada vez mais desamparados.

"relaxa e goza" sugerido a passageiros pela então petista e ministra do Turismo Marta Suplicy em 2007 diante do caos aéreo é icônico. A desordem de então foi relacionada aos erros da Anac (a agência reguladora) de ter resistido à reestruturação da malha aérea, numa decisão que beneficiou as empresas e prejudicou os usuários de avião.

Nos últimos anos também foram alteradas leis que permitiram às empresas uma concentração de poder cada vez maior, em prejuízo do consumidor e, agora, do contribuinte. O exemplo da hora é o pedido de recuperação judicial da operadora de telefonia Oi, com dívidas de R$ 65,4 bilhões, sendo R$ 9,8 bilhões com bancos públicos.

Na segunda (20), Moreira Franco, chefe do novo Programa de Parcerias de Investimentos (PPI) do governo Temer defendeu que as agências reguladoras (como Anac e Anatel, na telefonia) não exerçam mais o "papel de Procon" na defesa dos consumidores. E que fiquem concentradas no cumprimento dos contatos assinados com as concessionárias dos serviços públicos.

Segundo o Tribunal de Contas da União, as empesas cujos serviços são fiscalizados pelas agências reguladoras são hoje preponderantes na lista de mais de 100 milhões de processos judiciais que se acumulam no Judiciário.

Eles refletem ações de consumidores mal tratados e revoltados que, na falta de mecanismos mais simples e efetivos, se veem obrigados a entrar com ações na Justiça para fazer valer seus direitos. Que em muitos casos levam anos para serem reconhecidos.

Tendo em vista o perfil da nova equipe econômica de Temer e a necessidade de investimentos no país, é quase certo que vem por aí uma nova e forte onda para atender às demandas das empresas privadas, donas do capital de que tanto o governo precisa.

Mas com seu capitalismo capenga e incipiente, onde a falta de competição é a regra, essa nova e bem vinda onda pode vir acompanhada também do risco de não trazer junto mecanismos que tratem da defesa dos consumidores.

Ninguém do governo interino disse até agora quem fará o tal "papel de Procon". Ao contrário, a única indicação é de quem poderá deixar de fazê-lo.

*

Nesta semana, no trajeto São Paulo-Araraquara-São José do Rio Preto-São Paulo, as concessionárias de estradas do Estado cobraram ao todo R$ 150,60 em pedágios de uma viagem de carro. Somando R$ 243,87 gastos em combustível, a viagem saiu por R$ 394,47 para duas pessoas.

Se fossem de ônibus, os trechos sairiam por R$ 461,70 para os dois passageiros, sem a mobilidade oferecida pelo veículo próprio.

Ainda sim parece caro. Mas pior do que ter uma estrada cara é não ter a estrada.

Curitiba exportou ‘Padrão Moro’ para São Paulo, por JOSIAS DE SOUZA (UOL)

Um frêmito de otimismo percorreu a alma dos encrencados na Lava Jato quando o STF começou a retirar de Curitiba os pedaços da Lava Jato que não tinham relação com o assalto à Petrobras. A Operação Custo Brasil, deflagrada nesta quinta-feira a partir de São Paulo, revela que os otimistas não tinham noção do que os esperava. O ‘Padrão Moro’ de persecução de corruptos foi exportado para outras praças.

“Não é só Curitiba que faz investigações”, disse o procurador Andrey Borges de Mendonça, um dos membros da filial paulista da Lava Jato. Aqueles que “celebraram com champanhe” a retirada de processos da jurisdição de Sérgio Moro e da força-tarefa paranaense, acrescentou Andrey, “hoje tiveram uma demonstração de que as investigações vão continuar onde quer que estejam.”

O esquema de mutretas encabeçado pelo petista Paulo Bernardo, ex-ministro de Lula e Dilma, foi desvendado por uma engrenagem estatal que envolveu uma parceira entre a Polícia Federal, a Procuradoria da República e a Receita Federal, exatamente como sucede em Curitiba.

O trabalho dos investigadores foi respaldado pelo magistrado Paulo Bueno de Azevedo, juiz federal substituto da 6ª Vara Criminal Federal de São Paulo. Versão paulista de Sérgio Moro, o doutor é avesso a entrevistas. Tem noção muito clara do seu papel. Em artigo veiculado em 2013 na Revista do Tribunal Regional Federal da 3ª Região, Paulo Bueno anotou:

“O juiz não pode assumir uma posição de combate ao crime, eis que, nesse caso, estaria no mínimo, se colocando como um potencial adversário do réu, papel que deve ser, quando muito, do Ministério Público ou, em alguns casos, do querelante.”

Para petistas, PF ‘invadiu’ a residência de Gleisi

Os senadores do PT solidarizaram-se com a companheira de bancada Gleisi Hoffmann. Ela teve o apartamento funcional varejado pela Polícia Federal, que prendeu seu marido, o ex-ministro Paulo Bernardo. A PF cometeu “abuso de poder”, criticaram os petistas em nota.

“A residência oficial da senadora Gleisi Hoffmann foi invadida, na presença de seus filhos menores, pela Polícia Federal, sem a devida autorização do Supremo Tribunal Federal”, escreveram os senadores na nota. “Com isso, usurparam-se atribuições constitucionais exclusivas do STF e da Procuradoria-Geral da República. Trata-se de fato gravíssimo, que atenta contra o Estado Democrático de Direito.”

Gleisi integra a infantaria de Dilma Rousseff na comissão do imepachment. Nos últimos dias, essa tropa vinha utilizando como matéria-prima para atacar o governo Temer a investida da Lava Jato na cúpula do PMDB, denunciada pelo ex-presidente da Transpetro Sérgio Machado. Agora, alvejados pela detenção de Paulo Bernardo, os soldados de Dilma dizem estranhar o retorno do PT à alça de mira.

“A bancada estranha que tal prisão tenha ocorrido no momento em que a nação toma conhecimento de fatos gravíssimos de corrupção que atingem diretamente o governo provisório, o qual se instalou justamente para tentar paralisar as investigações da Lava Jato. No entendimento da bancada, tal prisão e a invasão da sede do PT desviam o foco da opinião pública do governo claramente envolvido em desvios…”

A direção do PT também soltou uma nota para criticar a batida policial realizada na sede do partido, em São Paulo. No comando do Planalto ou na oposição, o petismo sempre defendeu a autonomia da Polícia Federal e a independência da Procuradoria da República. Mas tudo tem limite.

As manifestações divulgadas pelo petismo nesta quinta-feira reforçam a impressão de que o partido de Lula e Dilma considera possível viver em dois países simultaneamente. No Brasil da boca pra fora, as boas intenções do PT substituem os fatos. No Brasil real, os fatos desvirtuam as boas intenções.

Um frêmito de otimismo percorreu a alma dos encrencados na Lava Jato quando o STF começou a retirar de Curitiba os pedaços da Lava Jato que não tinham relação com o assalto à Petrobras. A Operação Custo Brasil, deflagrada nesta quinta-feira a partir de São Paulo, revela que os otimistas não tinham noção do que os esperava. O ‘Padrão Moro’ de persecução de corruptos foi exportado para outras praças.

“Não é só Curitiba que faz investigações”, disse o procurador Andrey Borges de Mendonça, um dos membros da filial paulista da Lava Jato. Aqueles que “celebraram com champanhe” a retirada de processos da jurisdição de Sérgio Moro e da força-tarefa paranaense, acrescentou Andrey, “hoje tiveram uma demonstração de que as investigações vão continuar onde quer que estejam.”

O esquema de mutretas encabeçado pelo petista Paulo Bernardo, ex-ministro de Lula e Dilma, foi desvendado por uma engrenagem estatal que envolveu uma parceira entre a Polícia Federal, a Procuradoria da República e a Receita Federal, exatamente como sucede em Curitiba.

O trabalho dos investigadores foi respaldado pelo magistrado Paulo Bueno de Azevedo, juiz federal substituto da 6ª Vara Criminal Federal de São Paulo. Versão paulista de Sérgio Moro, o doutor é avesso a entrevistas. Tem noção muito clara do seu papel. Em artigo veiculado em 2013 na Revista do Tribunal Regional Federal da 3ª Região, Paulo Bueno anotou:

“O juiz não pode assumir uma posição de combate ao crime, eis que, nesse caso, estaria no mínimo, se colocando como um potencial adversário do réu, papel que deve ser, quando muito, do Ministério Público ou, em alguns casos, do querelante.”

Fonte: Folha de S. Paulo

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