Na Folha - Plano Temer: "Sem meias medidas" E "Querida, encolhi o Estado", por Vinícius Torres Freire

Publicado em 25/05/2016 10:02
..."Querida, encolhi o Estado" (POR VINICIUS TORRES FREIRE) + JOSÉ PAULO KUPFER E MONICA DE BOLLE (no ESTADÃO)

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Congresso aprova déficit de R$ 170,5 bi em nova meta fiscal

 

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PLANO TEMER - SEM MEIAS MEDIDAS (editorial da FOLHA)

O governo de Michel Temer (PMDB) anunciou nesta terça (24) a diretriz central de seu programa econômico: estabelecer um limite legal para o aumento do gasto público.

Mais que um plano de enfrentamento da crise, trata-se de um projeto de redução paulatina do tamanho do Estado — uma bem-vinda proposta de reverter a tendência de quase 30 anos de alta constante de dispêndios e tributos.

Pretende-se que o aumento dos gastos num certo ano não supere a taxa de inflação do ano anterior. Isto é, a despesa seria congelada em termos reais; diminuiria em relação ao PIB com a volta do crescimento econômico.

Se implementado, o plano poderá mudar radicalmente, e para melhor, o trato das contas públicas. Na mesma proporção de sua ambição, porém, surgirão empecilhos no Congresso, onde medidas concretas precisarão ser aprovadas —uma tarefa ainda mais árdua pelo fato de tal programa não ter passado pelo debate eleitoral.

Eis a dificuldade: para o teto funcionar, é necessário conter aumentos ora automáticos de certas despesas, como saúde e educação. Hoje, por força de lei, a verba mínima destinada a essas áreas cresce de acordo com o aumento da receita.

A despesa previdenciária, por sua vez, expande-se à revelia do governante, conforme se amplia o número de beneficiários. Eleva-se, ademais, devido ao reajuste dos benefícios pela inflação e quando há aumento real do salário mínimo, que é o piso da Previdência.

Se não houver mudanças nesses mecanismos, o crescimento de tais desembolsos logo inviabilizará os demais gastos públicos —que estarão limitados pelo teto.

A questão, portanto, envolve uma grande mudança constitucional, com a revisão do Estado de bem-estar social no Brasil.

A fim de não prejudicar serviços essenciais, o governo precisará remanejar verbas, rever iniciativas obsoletas e ganhar eficiência.

Dada a atual diferença entre receita e despesa, o plano não eliminará de imediato o deficit primário. As contas federais devem permanecer no vermelho pelo menos até o próximo governo, a depender de receitas extraordinárias ou de aumentos de impostos.

Por implicar efeitos práticos a médio prazo, a contribuição do programa econômico de Temer para a atenuação da crise depende da aprovação de sua essência: um teto seja viável e crível.

Ainda que se espere outro pacote para enfrentar os problemas de produtividade da economia, o gasto é central; a força do programa ora anunciado deriva apenas da expectativa de que a despesa federal estará sob controle nos próximos anos. Meias medidas representarão apenas meio caminho andado para o fracasso.

 

Querida, encolhi o Estado (por VINICIUS TORRES FREIRE)

O Plano Temer é uma mudança dramática na maneira de fazer acertos nas contas do governo. Muito mais que isso. Em vez de fazer ajustes de curto prazo e provisórios, promete uma redução imensa do tamanho do Estado. Tal coisa não será possível sem o cancelamento dos aumentos automáticos de despesa em saúde, educação, assistência social e trabalhista e Previdência.

No caso improvável de passar pelo Congresso e pelas "ruas", o plano seria a maior reviravolta fiscal desde a Constituição de 1988.

O ministro Henrique Meirelles (Fazenda) anunciou só o grosso da ideia: as despesas seriam congeladas nos valores deste ano. A alta de gastos acompanharia só a inflação do ano anterior. Em termos reais, pois, a despesa não cresce. Ponto.

Assim, caso a economia crescesse em média 2% ao ano na próxima década, a despesa do governo federal cairia de pouco mais de 19% do PIB para pouco menos de 16% do PIB. Mais ou menos ao que se gastava entre 2002 e 2005.

Ainda que aprove o plano, o Congresso aceitaria esse plano por uma década?

Tudo mais constante, a dívida pública continuaria a crescer até depois de findo este governo. A receita federal é por ora 10,5% menor que a despesa. Mesmo congelados os gastos, levaria anos de crescimento econômico para fechar o buraco. Logo, haveria anos de déficits, que se acumulam na dívida.

Mas o governo pretende abater dívida de outro modo.

Primeiro, Meirelles vai tentar conter o aumento da dívida com receitas extras. Ainda nesta terça (24), disse que pretende antecipar o pagamento de dívidas do BNDES com o governo, R$ 100 bilhões em até dois anos. Trata-se de empréstimos que os governos Lula 2 e Dilma 1 concederam ao banco estatal de desenvolvimento, cerca de meio trilhão de reais. O BNDES reemprestou essa dinheirama a empresas, a juros camaradas, a fim de incentivar o aumento do investimento, que não ocorreu.

Segundo, Temer pretende vender ativos do governo e conceder obras e serviços de infraestrutura à iniciativa privada.

Terceiro, depois de prometer essa redução histórica do tamanho do Estado e privatizações, provavelmente o governo vai propor um aumento de tributação. Parece que quer matar a cobra primeiro e aparecer com o pau dos impostos depois.

O teto para o gasto federal vai funcionar apenas se houver limites para o gasto social.

As despesas com saúde e educação crescem no mesmo passo da receita, por determinação legal. As despesas da Previdência crescem porque, claro, mais e mais gente se aposenta. O governo não pode controlar o aumento do número de beneficiários a não ser que altere os requisitos exigidos para aposentadoria, pensões etc.

A despesa da Previdência cresce ainda porque o piso dos benefícios sobe com o valor do salário mínimo. Até 2019, por aí, não haverá reajuste real obrigatório do mínimo, que acompanha o crescimento do PIB de referência, que até lá será zero ou quase. Caso a economia se recupere, a despesa da Previdência vai junto. A não ser que o piso do benefício previdenciário deixe de ser o salário mínimo.

Para bom entendedor, essas palavras bastam: propôs-se uma ampla reforma do gasto social, uma reviravolta nas leis e na Constituição e Estado minimizado.

 

PLANO TEMER (análise da FOLHA): Plano tem arrocho social sem detalhes e não tem meta fiscal

Por VINICIUS TORRES FREIRE

A grande novidade da primeira rodada do Plano Temer para a economia é que não houve grande novidade. A notícia está nos detalhes e no que não foi dito.

De importante e central, houve o anúncio de um limite legal para despesas federais, a partir de 2017 —para funcionar, depende de ampla mudança constitucional. Aumento de impostos, "em último caso", apenas, e "mais à frente".

Mas:

1) Não foi explicado como o teto vai funcionar —o limite depende de um arrocho no crescimento das despesas de saúde, educação e Previdência, pelo menos;

2) Ao que parece, acabou a ideia de ter metas fixas de economia;

3) Não há corte imediato de despesas. Aliás, pelo deficit anunciado para este ano, na sexta-feira, vai haver aumento de gastos em 2016.

O que foi dito, de essencial?

Que Michel Temer pretende aprovar no Congresso um limite para o crescimento da despesa federal, uma emenda à Constituição que proíba a despesa de um certo ano crescer mais que a inflação do ano anterior. Isto é, se a inflação deste ano for de 7%, digamos, a despesa do ano que vem cresceria apenas 7%. Isto é, em termos reais, em termos de poder de compra do dinheiro, o gasto do governo não cresceria.

E daí?

Primeiro, esse tipo de medida, o teto de gastos, apenas se torna viável caso se definam limites de crescimento para gastos que, hoje em dia, crescem por lei ou vegetativamente: saúde, educação, Previdência, por exemplo.

Segundo, com o teto o governo aparentemente abandona a ideia de fixar as famosas e tão descumpridas metas fiscais (isto é, de quanto será a diferença entre receita e despesa). Pelo menos, não mencionou o assunto.

Terceiro, se não há meta, a "poupança" do governo, a diferença entre receita e despesa, dependerá de fatores flutuantes. A despesa não pode crescer mais que a inflação. E se a receita subir menos que a taxa de inflação, algo raro, mas que tem acontecido desde novembro de 2014? Vamos ter outra vez deficit?

CONGELA O GASTO FEDERAL

Meirelles lembrou que o crescimento médio da despesa, desde 1997, tem sido em torno de 6% ao ano ACIMA da inflação —crescimento real. Conter oaumento da despesa, em termos reais, seria uma inovação forte, portanto.

O ministro disse que, em três anos, o gasto do governo como proporção do tamanho da economia poderia cair de 1,5 a 2 pontos do PIB (para cair 1,5 ponto do PIB, dada a despesa atual, o crescimento da economia teria de ser de 0,5% em 2017, 2% em 2018 e 2,3% em 2019, algo um pouco acima do que prevê o mercado, citado pelo ministro).

No entanto, o deficit primário agora é de pelo menos 1,34% do PIB. Caso a receita não se recupere o suficiente, teremos deficit outra vez em 2016? Aumento de impostos?

COMO NÃO FURAR O TETO

Quanto ao teto, o governo de Dilma Rousseff lançou um plano parecido, que morreu no Congresso paralisado pela crise. Foi no começo de fevereiro.

O ministro da Fazenda, Henrique Meirelles, disse agora que haverá mudanças de modo a conter o crescimento das despesas obrigatórias. Não está explicado como. No início de fevereiro, quando foi lançada a ideia do plano de Nelson Barbosa, ministro da Fazenda de Dilma Rousseff, este jornalista escreveu então o seguinte sobre a viabilidade do plano, crítica que, por ora, permanece válida.

"Parte das despesas, como o piso do gasto com saúde e educação, cresce automaticamente com o aumento de receita. Outras crescem sem limite, à revelia do governo, como a quantidade de benefícios do INSS. Havendo um teto geral, é possível, pois, que um aumento de despesas obrigatórias ou inevitáveis comprima gastos em outras rubricas. Por exemplo, nos investimentos 'em obras' (má ideia), custeio da máquina (rende pouco) e reajustes do valor de benefícios sociais e de salários do funcionalismo (politicamente difícil, se não houver normas).

O pessoal do governo acredita que acordos com o funcionalismo devem limitar despesas salariais até 2019. Quanto ao gasto da Previdência, deveria ser contido caso passe a reforma que o governo pretende enviar ao Congresso, não se sabe quando, ainda neste ano."

Para que funcione e não desorganize os gastos do governo, é portanto necessário mudar a Constituição de modo que seja possível descumprir a exigência de gasto mínimo com saúde e educação, que é parte da receita (se a receita cresce, o gasto cresce) e evitar o crescimento da despesa da Previdência.

Trata-se de uma guerra política: acabar com as vinculações de gastos de saúde, educação, talvez com aumentos dos benefícios da Previdência, talvez até de reajustes do funcionalismo.

ONDE ESTÁ A META?

Meirelles não falou em meta fiscal. Pelo plano anunciado, parece que não haverá meta. Quer dizer, todo ano, pelo menos até 2014, o governo anunciava que a receita seria maior que a despesa, o que permitiria uma "poupança" de tantos bilhões, em geral expressos como proporção do PIB (trata-se do saldo primário, que não inclui despesas com juros).

Agora, ao que parece, o saldo dependerá da receita, que por sua vez depende do crescimento da economia. A despesa seria limitada, crescendo no máximo o equivalente à inflação do ano anterior. A receita em geral cresce pelo menos tanto quanto a inflação ou mais. Mas, nesta recessão profunda, tem crescido menos que a inflação desde novembro de 2014. Nos últimos 12 meses, cresceu 5,9% abaixo da inflação.

Quer dizer então que o governo Temer pretende adotar algo como um superavit flutuante, algo parecido com o que pretendiam os economistas de Dilma Rousseff? Isto é, nos anos bons de receita, de crescimento da economia, o superávit seria grande. Nos anos recessivos, o superávit fiscal diminuiria.

DINHEIRO DO BNDES

Outro plano maior anunciado foi o de antecipar o recebimento do que oBNDES deve ao governo. Nos anos Lula 2 e Dilma 1, o governo emprestou cerca de R$ 480 bilhões para o BNDES, que reemprestava esse dinheiro a empresas, com juros subsidiados, a fim de incentivar o investimento no país, o que não ocorreu.

Agora, Meirelles pretende fazer com que o BNDES devolva esse dinheiro antes do prazo contratado: R$ 40 bilhões agora, R$ 30 bilhões daqui a um ano e R$ 30 bilhões daqui a dois anos.

Esse dinheiro serviria para abater a dívida pública. Mas não se sabe se o plano é juridicamente viável nem como seria possível abater de fato a dívida.

No mais, reafirmou-se que haverá uma reforma da Previdência, não se sabe quando ou qual. Estão proibidos os aumentos de subsídios (dinheiro que o governo deixa de cobrar ou concede à empresas privadas). O governo ainda pretende pegar o dinheiro do Fundo Soberano do Brasil, uma pequena reserva de R$ 2 bilhões criada nos anos petistas, uma bobagem sem utilidade.

 

No ESTADÃO: Ainda mais critérios do que medidas

Por JOSÉ PAULO KUPFER

 

Anúncio de medidas não apresenta medidas, mas detalha critérios e clareia a direção do ajuste fiscal

O primeiro anúncio de medidas econômicas do governo do presidente em exercício Michel Temer foi solene, mas não teve anúncio de medidas. Com a presença do próprio presidente, que discursou sobre os critérios gerais da administração econômica de seu governo, o ministro da Fazenda, Henrique Meirelles, detalhou esses critérios e prometeu divulgar providências concretas mais à frente. Questões urgentes, tipo o que fazer com a dívida dos estaduais e o tamanho da proposta de Desvinculação das Receitas da União (DRU), ainda permanecem na gaveta.

Melhor assim. Como o próprio Meirelles tem afirmado, o novo governo está com pressa, mas não pode errar. Embora o tempo seja por definição curto para um governo em exercício, com prazo marcado para consolidar a travessia até as próximas eleições presidenciais, correr com o anúncio de medidas seria também correr riscos desnecessários de errar.

Além do envio para aprovação legislativa da nova meta fiscal de 2016, que prevê um déficit, provavelmente folgado, de R$ 170,5 bilhões — equivalente a 2,6% do PIB —, uma única possibilidade mais concreta foi anunciada: a de antecipar o reembolso pelo BNDES de R$ 100 bilhões de um total estimado em R$ 500 bilhões, colocados ao longo dos últimos anos pelo Tesouro Nacional na instituição.

Essa operação, que seria parcelada em três anos, começando em 2016 com o pagamento de R$ 40 bilhões, se destinaria a abater os valores diretamente da dívida pública e, como Meirelles ressalvou, depende de uma avaliação jurídica mais apurada. O economista José Roberto Afonso, especialista em contas públicas e um dos autores da Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF), avaliou para o jornal “Valor” a manobra, em princípio, é vedada pela LRF. Também com o objetivo de reduzir a dívida pública, foi anunciada a decisão de extinguir o fundo soberano criado para absorver recursos do pré-sal, que se encontra estagnado com um volume de recursos de R$ 2 bilhões, os quais seriam transferidos para o Tesouro.

Os demais anúncios apenas confirmaram eixos de ação econômica já conhecidos, mas, em alguns deles, avançaram detalhes do que se pretende pôr em marcha. Foi o caso da proposta da emenda constitucional (PEC) que será enviada ao Congresso com o objetivo de obter aprovação para a fixação de um teto global para os gastos públicos. As despesas públicas, inclusive com Saúde e Educação, que constitucionalmente são vinculadas a porcentuais da arrecadação, obedeceriam a limites fixados e só poderiam ser corrigidos, nominalmente, a cada ano, pela inflação do ano anterior. Caberia ao Congresso decidir a alocação de recursos entre ministérios e programas, dentro dos limites globais fixados. O mesmo sistema valeria para a concessão de subsídios, inclusive pelo Congresso.

Meirelles explicou que a medida poderia gerar uma redução de 1,5 a 2 pontos porcentuais no total de gastos, em relação ao PIB, em três anos. Ou seja, apenas com a vedação de aumentos reais de despesas, o déficit fiscal primário poderia ser reduzido a 0,5% ou 1% do PIB até 2018. Se aprovada, o teto global promoveria uma automática desvinculação de despesas, tanto em relação às receitas públicas quanto ao salário mínimo.

A avaliação do significado da adoção de um teto global nominal para as despesas públicas — o efeito da contenção nos serviços públicos oferecidos, por exemplo — dependerá do comportamento de uma série de fatores, muitos dos quais ligados a ações do governo. Melhorias da eficiência no uso de recursos mais escassos, por exemplo, poderiam compensar, pelo menos em parte, a redução relativa de gastos.

Não está claro, de outro lado, se as regras propostas já incluiriam os benefícios da Previdência e de outros programas sociais, responsáveis por metade dos gastos públicos primários. A Previdência merecerá um projeto de reforma específico, ainda sem data de envio ao Congresso, mas, já se sabe, que a pretensão da equipe econômica é unificar os regimes do setor privado e do setor público, desvincular reajustes de benefícios do salário mínimo e adotar uma idade mínima — possivelmente de 65 anos para ambos os sexos — para a habilitação aos benefícios.

 

Medidas e mesóclises, por MONICA DE BOLLE

Medidas com mesóclise. Medidas anunciadas com o indefectível “consertá-lo-ei”. Preferia que Temer, poeta-presidente-interino, tivesse dito: “O País, hei de consertá-lo”. Mais sonoro, menos empolado. Implicâncias linguísticas à parte, gostei do que vi e ouvi.

Temer, ao final de seu discurso, parafraseou JK, dizendo que não tem compromisso com o equívoco. Dito de outro modo, o presidente interino afirmou que não tem problemas em reconhecer erros inevitáveis que já foram e ainda serão cometidos. Outros Jucás? Aguardemo-os e resguardemo-nos.

Foi, sim, um bom começo, sobretudo se comparamos às tendências dilmísticas de esconder o prejuízo, ou inflar a realidade. A fala de Temer não teve pinceladas de realismo mágico, tampouco de imagens fora de contexto ou de figuras de linguagem anacrônicas, como pleonasmos e paradoxos, ou mesmo figuras de linguagem que confundem o pensamento, como anáforas e aliterações. Dilma usava sem qualquer maestria figuras de linguagem de difícil assimilação. Temer é homem das mesóclises.

Mas, vamos às medidas. As emendas saíram-se melhor do que o soneto. As emendas constitucionais para a adoção do teto de crescimento dos gastos, por exemplo, que devem passar a evoluir de acordo com a inflação do ano anterior. Tal proposta não apenas limita o aumento anual das despesas, abrindo espaços no orçamento, como embute a desindexação perversa ao salário mínimo, sem que seja necessário mexer na regra de indexação do salário mínimo. Poderia ter sido complementada pela adoção de teto para o endividamento público, mas quiçá isso tenha ficado para depois. Afinal, Temer e Meirelles disseram que esse foi apenas o primeiro anúncio — outros virão.

O foco das medidas foi o médio prazo, já que de imediato nada é possível. Nada é possível com a recessão, o desemprego, o engessamento orçamentário, a onerosa carga tributária. De imediato, apenas o possível ressarcimento do BNDES ao Tesouro em parcelas, somando R$ 100 bilhões, além do uso de R$ 2 bilhões do Fundo Soberano. A meta de R$ 170,5 bilhões, o déficit que deverá hoje ser votado pelo Congresso, pode até terminar o ano um pouco melhor, já que não foram considerados nem o recebimento de recursos do BNDES, nem as repatriações de dinheiro do exterior. A flexibilização do setor de óleo e gás com a eliminação de exigência da participação da Petrobras também é notícia alvissareira, que pode trazer um pouco de investimento externo para o setor. A proteção dos recursos do contribuinte prevista na limitação de subsídios e na melhoria da governança de fundos de pensão e estatais também é ponto positivo de destaque.

O que faltou? Faltou menção à reforma profunda de que o BNDES necessita. Pesquisa minha revelou que a redução dos empréstimos subsidiados aos níveis de 2004 poderia reduzir em cerca de 1 ponto percentual a taxa de juros real — parece pouco? Pois é muita coisa. Ajudaria a destravar o investimento, a melhorar a produtividade.

Faltou, também, discorrer sobre a urgência da renegociação das dívidas estaduais com a União. Renegociação que poderia  abrir espaço para a tão necessária homogeneização do ICMS, dando início ao fim da guerra fiscal entre os estados. Tal moeda de troca para finalmente acabar com essa grande dor de cabeça brasileira é algo de que o atual governo dispõe, tamanha a fragilidade das finanças subnacionais.

Mas, o pontapé inicial não foi mau. As medidas adicionais, aguardá-las-emos, não sem algum mal-trato aos ouvidos.

Fonte: Folha de S. Paulo + Estadão

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