Geddel: Dilma deixou rombo de R$ 200 bilhões (por JOSIAS DE SOUZA)

Publicado em 19/05/2016 05:20
E MAIS: Batalhas duras (editorial da FOLHA)

O ministro Geddel Vieira Lima (Secretaria de Governo) informou que a herança do governo Dilma Rousseff inclui um rombo orçamentário de cerca de R$ 200 bilhões. “É um número absolutamente assustador”, disse Geddel em entrevista ao blog, na noite desta quarta-feira (18). A gestão petista estimara para 2016 um déficit de R$ 96 bilhões. “Não corresponde à realidade”, disse o ministro.

“O governo atual terá muitas dificuldades e terá que pedir muitos sacrifícios para controlar e levar o país numa situação melhor até 2018”, acrescentou Geddel. Os apoiadores do governo no Congresso limpam a pauta de votações à espera do projeto de revisão da meta fiscal que o Planalto enviará na próxima semana. O prazo para votar a proposta expira no domingo (29).

Segundo Geddel, o governo realiza um inventário do legado de Dilma. Afora o déficit vitaminado, ele mencionou algumas irregularidades já detectadas. Disse, por exemplo, que o PT explorava politicamente a distribuição de chaves do programa Minha Casa, Minha Vida, sob a responsabilidade do Ministério das Cidades. Mencionou também a existência de funcionários fantasmas na Secretaria de Governo, que era comandada pelo petista Ricardo Berzoini antes da sua chegada.

“O PT estava aqui, na Secretaria, utilizando-se de cerca de mil cargos para aparelhar a sua militância política”. Esses militantes não trabalhavam?, indagou o repórter. E Geddel: “Não trabalhavam. Estamos trabalhando na identificação desses processos.” O auxiliar de Temer não chama a herança de Dilma de maldita porque “não seria original”. Prefere dizer que “é uma herança de graves consequências para o país.”

Após a conclusão do levantamento, Michel Temer pretende revelar os dados num pronunciamento em rede nacional ou em entrevistas. Geddel afirma que o trabalho é dificultado pela ausência de informações nos arquivos oficiais. “Todos estão absolutamente abismados com as notícias que estão recebendo desse inventário, que está sendo feito apesar de todas as dificuldades, de não terem deixado dados, de não terem feito transição, de não terem deixado nada registrado em computadores. Uma coisa que eu chamaria de impatriótica.”

Perguntou-se ao ministro se houve o sumiço deliberado de dados. “Eu tenho que ter cautela para lhe dizer isso, mas as notícias que nós estamos tendo nesse primeiro momento são muito ruins”, respondeu Geddel. Referindo-se à sua pasta, ele afirmou: “Não ficou registro absolutamente de nada —do pagamento de emendas [de parlamentares], da transferência de recursos… Tanto que nós estamos pedindo aos ministros que suspendam pagamentos e empenhos feitos nos últimos dias, para que possamos revisitá-los.”

Geddel acrescentou: “Há uma série inacreditável de atos e nomeações, de coisas absolutamente desprovidas de senso de responsabilidade que foram praticadas nas últimas duas semanas. Estamos examinando aquilo que não se transformou num ato jurídico perfeito ainda, para eventualmente cancelá-los, para que a máquina governamental volte a andar com um mínimo de transparência, […] não tão aparelhada como vinha sendo.”

Instado a comentar a situação precária do presidente interino da Câmara, Waldir Maranhão (PP-MA), Geddel disse que não há nada que o governo possa fazer. “ “Não há vacância de cargo, não há instrumento nem legitimidade para que ele deixe de ser o vice-presidente da Câmara. A vida como ela é. O meu papel é fazer as votações acontecerem. E nós vamos fazer da forma que seja possível, não, talvez, da forma ideal.”

Sobre o movimento liderado por DEM, PPS e PSB para substituir Maranhão, Geddel adota um tom pragmático: “Sou um homem experimentado. Existe um discurso, é natural. E existe uma prática. A prática não permite que eu tome uma atitude que não seja construir através do diálogo uma saída para que o governo possa ter seus projetos tramitando na Câmara com rapidez e que a sociedade tenha resultados. Eu não tenho direito, como homem de govenro, de ficar fazendo discurso. Eu tenho que apresentar resultados à sociedade. Essa é a orientação que eu tenho do presidente Temer.”

No Senado, já se fala em rombo de R$ 200 bilhões nas contas públicas

Em reunião com líderes do Senado, o presidente interino Michel Temer disse que a proposta de revisão da meta fiscal deve passar do deficit de R$ 96 bilhões, calculado pela equipe da presidente afastada Dilma Rousseff, para cerca de R$ 150 bilhões.

O presidente do Senado, Renan Calheiros (PMDB-AL), afirmou, porém, que Romero Jucá (Planejamento) já calcula que o rombo pode chegar a R$ 160 bilhões. Outros senadores presentes no encontro dizem que a conta pode passar de R$ 200 bilhões.

Esse cálculo seria uma estimativa. Jucá disse que a negociação das dívidas dos Estados com a União e a crise da Eletrobras (leia na pá. A21) interferem no resultado final.

A mudança deve ser enviada ao Congresso na segunda-feira (23). O acordo entre Temer e Renan, prevê convocar sessão na terça (24) –se a revisão da meta não for aprovada ate domingo (29), o governo seria obrigado a bloquear gastos, o que poderia afetar serviços públicos.

"Se não aprovar, daqui a pouco quem estará cometendo pedalada fiscal sou eu", disse Temer segundo senadores presentes ao encontro.

Temer quer expor 'herança maldita' do governo Dilma ao público (na FOLHA)

Na tentativa de fazer um contraponto à gestão de Dilma Rousseff (PT), o presidente interino, Michel Temer (PMDB), pretende fazer um esclarecimento público para mostrar o que a equipe do peemedebista chama de "inventário de problemas" herdados do governo anterior.

A ideia avaliada é apresentar a real dimensão do rombo fiscal do país, o quadro de dificuldade econômica de pastas e secretarias e elencar gastos e despesas sem receita feitos no apagar das luzes do governo petista.

Os dados completos, encomendados a todos os ministérios, devem ser entregues a Temer até o final da semana.

Ao revelar o que aliados do presidente interino apelidaram de "herança maldita", a intenção é criar uma espécie de vacina pública tanto às críticas da gestão anterior de que o peemedebista fará retrocessos em vitrines eleitorais petistas como às eventuais cobranças ao governo interino por uma recuperação rápida da economia.

O termo era "herança maldita" era o mesmo usado pelo PT para se referir ao governo Fernando Henrique Cardoso (PSDB).

O formato do discurso ainda não está definido. Pode ser um pronunciamento, uma entrevista ou a divulgação de um relatório, mas a intenção é criticar as chamadas "pegadinhas fiscais" criadas pela gestão anterior.

O caso mais crítico, na visão da gestão Temer, é o rombo fiscal deixado pela petista. Na lista também está a autorização sem recursos para a construção de moradias e para a nomeação de conselheiros na área educacional, o empenho até maio de toda verba de publicidade programada para o ano e os atrasos no pagamento a consulados e no auxílio a diplomatas.

A proposta de fazer um discurso foi discutida nesta quarta-feira (18) em reunião entre o peemedebista e líderes da base aliada no Senado.

Ele pretende mostrar que o rombo das contas públicas deixado pela presidente afastada é muito maior do que o previsto inicialmente. A equipe de Dilma deixou previsão de deficit de R$ 96,7 bilhões em 2016, mas a estimativa feita pela equipe de Temer é superior a R$ 150 bilhões.

A assessoria da presidente afastada informou que a "desconstrução de políticas sociais, o atropelo à lei e ao estado democrático de direito, e a falta de legitimidade do governo provisório são a verdadeira herança maldita".

HERANÇA PETISTA

Com a alegação de que faltam recursos, o ministro Bruno Araújo (Cidades)revogou autorização para contratação de até 11.250 unidades do Minha Casa, Minha Vida.

O ministro tucano também cancelou a publicação de novas regras feita pela gestão anterior, que serão analisadas pelo novo governo, e anunciou que relançará o segmento do programa federal voltado a entidades.

O Ministério da Educação, comandando por Mendonça Filho (DEM), também avalia reverter duas medidas feitas poucos dias antes da saída da petista: a nomeação de 12 pessoas para o Conselho Nacional de Educação e a alteração no sistema de avaliação da educação básica. O novo ministro pode interromper também outras iniciativas por falta de recursos.

A equipe do presidente interino também decidiu fazer reavaliação em todos oscontratos de publicidade. Temer solicitou a todos os ministérios envio de seus planos de mídia, que sofrerão pente-fino com a intenção de cortar ou suspender patrocínios que não sejam estratégicos ou não estejam ligados a campanhas de interesse nacional. 

PT presume que o Brasil é uma nação de bobos, por JOSIAS DE SOUZA (UOL)

O diretório nacional do PT aprovou nesta terça-feira (17) sua primeira análise sobre a conjuntura que resultou na destituição de Dilma. O documento tem dez folhas. Elas revelam que sucede com o PT um fenômeno curioso. O partido se considera uma coisa. Mas sua reputação informa que virou outra coisa. O PT ainda se acha a legenda mais maravilhosa do Brasil. O Brasil é que não sabe.

Para a grossa maioria dos brasileiros, não há nada mais saudável no momento do que a Lava Jato. Para o PT, a operação que quebrou as pernas da oligarquia política e empresarial corrupta não passa de um puxadinho do “golpe”. Vale a pena ler um trecho da peça petista:

“A Operação Lava Jato desempenha papel crucial na escalada golpista. Alicerçada sobre justo sentimento anticorrupção do povo brasileiro, configurou-se paulatinamente em instrumento político para a guerra de desgaste contra dirigentes e governantes petistas, atuando de forma cada vez mais seletiva quanto a seus alvos, além de marcada por violações ao Estado Democrático de Direito.”

O texto prossegue: a operação “tem funcionado como mecanismo de contrapropaganda para mobilização das camadas médias, em associação com os monopólios da comunicação. Revela, por fim, o alinhamento de diversos grupos do aparato repressivo estatal – delegados, procuradores e juízes – com o campo reacionário, associados direta ou indiretamente às manobras do impeachment.”

Todo brasileiro dotado de dois neurônios já se deu conta de que o PT no poder roubou e deixou que roubassem. Mas, no enredo petista, o partido é uma espécie de mocinho ingênuo que foi capturado pelos bandidos. Diz o texto do PT: “Acabamos reféns de acordos táticos, imperiosos para o manejo do Estado, mas que resultaram num baixo e pouco enraizamento das forças progressistas, ao mesmo tempo em que ampliaram, no arco de alianças, o poder de fogo de setores mais à direita.”

Nessa versão, os assaltantes infectaram o PT como quem transmite uma gripe: “…fomos contaminados pelo financiamento empresarial de campanhas, estrutura celular de como as classes dominantes se articulam com o Estado, formando suas próprias bancadas corporativas e controlando governos. Preservada essa condição mesmo após nossa vitória eleitoral de 2002, terminamos envolvidos em práticas dos partidos políticos tradicionais, o que claramente afetou negativamente nossa imagem e abriu flancos para ataques de aparatos judiciais controlados pela direita.”

Noutros tempos, o petismo se vangloriava de ter equipado os aparatos de controle do Estado. Agora, o PT parece atribuir o sucesso da força tarefa da Lava Jato a um descuido histórico: “Fomos descuidados com a necessidade de reformar o Estado, o que implicaria impedir a sabotagem conservadora nas estruturas de mando da Polícia Federal e do Ministério Público Federal…”

Na economia, anotou o PT, a crise internacional empurrou Dilma para “uma encruzilhada: acelerar o programa distributivista, como havia sido defendido na campanha da reeleição presidencial, ou aceitar a agenda do grande capital, adotando medidas de austeridade sobre o setor público, os direitos sociais e a demanda, mais uma vez na perspectiva de retomada dos investimentos privados.” Dilma optou pela agenda do “grande capital”, concluiu o PT.

Deu-se, em verdade, outra coisa. A ruína econômica foi um produto nacional, não um bicho-papão que veio de fora. Reeleita, Dilma tinha diante de si uma crise que negara na campanha e três ministros da Fazenda: um demitido, mas mantido no cargo (Guido Mantega); um sugerido por Lula, mas refugado por ela (Henrique Meirelles); e outro que, convidado, não aceitou (Luiz Carlos Trabuco). Madame acabou contentando-se com Joaquim Levy, um colega de Trabuco no Bradesco, que havia assessorado o comitê eleitoral do adversário Aécio Neves.

Para o PT, Levy levou o governo ao inferno. “O ajuste fiscal, além de intensificar a tendência recessiva, foi destrutivo sobre a base social petista, gerando confusão e desânimo nos trabalhadores, na juventude e na intelectualidade progressista, entre os quais se disseminou a sensação, estimulada pelos monopólios da comunicação, de estelionato eleitoral. A popularidade da presidenta rapidamente despencou…”

Nesse ponto, o texto do PT contém uma mentira, uma meia-verdade e um fato inquestionável. A mentira é o ajuste fiscal. Nunca foi feito. Dilma e seus supostos aliados no Congresso não deixaram. A meia-verdade é a classificação do estelionato como mera “sensação”. Não se estava diante de um indício de fraude eleitoral, mas de uma certeza. O fato concreto foi o derretimento da popularidade da presidente. Não há popularidade sem prosperidade.

O PT informa que, entre outros objetivos, trabalhará para “deter o golpe” contra Dilma e “defender o presidente Lula dos ataques midiáticos e judiciais que contra ele se levantam.” Na lenda petista, está em curso uma trama para condenar Dilma sem crime e promover “a interdição de Lula como alternativa viável nas eleições de 2018.”

No mundo real, o Senado se prepara para tranformar Dilma em protagonista do segundo caso de impeachment da história do Brasil e o procurador-geral da República Rodrigo Janot  aguarda uma posição do STF sobre a denúncia que formulou dias atrás contra Lula no petrolão. “Essa organização criminosa jamais poderia ter funcionado por tantos anos e de uma forma tão ampla e agressiva no âmbito do governo federal sem que o ex-presidente Lula dela participasse'', disse Janot.

O PT foi seletivo no seu documento. Não disse palavra sobre o mensalão nem sobre sua reincidência no petrolão. Nenhuma menção à cúpula petista que passou pela Papuda ou aos Dirceus, Vaccaris e Santanas que estão atrás das grades em Curitiba. O problema com as encrencas varridas para baixo do tapete é que o partido continua a viver em cima do tapete. E a Lava Jato ensina que o acobertado nem sempre fica quieto.

É tudo muito ruim. Mas o pior crime do PT talvez seja a presunção de que o Brasil ainda é uma nação de bobos.

Batalhas duras (editorial da FOLHA)

Hesitações, recuos e tropeços marcaram não só a montagem do gabinete do governo Michel Temer (PMDB) como também as primeiras manifestações de alguns de seus ministros, mas a crítica geral não se aplica quando se trata especificamente da equipe econômica.

O time escalado para enfrentar a preocupante crise compõe-se de nomes de notória competência e, ao menos por enquanto, alinhados em relação ao diagnóstico dos problemas do país e das medidas mais urgentes para resolvê-los.

O ministro da Fazenda, Henrique Meirelles, surpreendeu ao abordar logo de início temas espinhosos. Definiu como prioridades colocar um freio sustentável nas despesas públicas, encaminhar uma reforma da Previdênciacom uma regra de idade mínima e período de transição razoável e deixar o Banco Central cuidar da inflação.

Meirelles ainda mencionou outro ponto controverso: uma reforma trabalhista, possivelmente para que acordos coletivos prevaleçam sobre a legislação, desde que garantidos os direitos fundamentais.

A chegada de técnicos respeitados ao segundo escalão, como Mansueto Almeida e Marcelo Caetano, traz algum alento. Eles conhecem os temas em pauta e têm experiência no setor público.

Quanto ao BC, a nomeação de Ilan Goldfajn é positiva. Seu nome não sinaliza guinada na gestão da política monetária, mas a simples troca encerra uma gestão percebida como subserviente demais ao Planalto. De resto, espera-se que a redução da inflação e o aperto no Orçamento em breve possibilitem queda substancial da taxa Selic.

Os principais desafios, de todo modo, estão nas contas públicas. Será preciso levar o Congresso a aprovar as necessárias medidas impopulares quanto antes, num período agitado por causa da Olimpíada e das eleições municipais.

Em uma das frentes mais importantes, a da Previdência, ao menos já se iniciou um debate com as centrais sindicais. As possíveis fontes de conflito, no entanto, vão muito além dessa questão.

A negociação sobre dívidas de Estados e municípios ainda vai começar. Não há definição sobre o tamanho do rombo no Orçamento –a última estimativa aponta para um deficit de R$ 120 bilhões.

Por fim, dificilmente o país escapará de aumentos de impostos, ainda que por um período curto e bem definido, para além dos cortes que o Executivo precisa promover.

Seriam batalhas duras mesmo para um governo que, por hipótese, tivesse sido eleito com tais bandeiras. Para o presidente interino Michel Temer o desafio resulta ainda maior —e talvez se torne insuperável caso os integrantes de sua administração continuem desperdiçando o escasso capital político em polêmicas desnecessárias.

O tamanho da encrenca

Por ALEXANDRE SCHWARTSMAN

As contas públicas se encontram em estado grave, fruto de anos de descaso, e a solução para o problema envolve uma equação política complicada. Não está claro que o novo governo consiga resolvê-la, embora suas chances sejam bem melhores do que as da administração anterior.

Para dar uma ideia do tamanho da encrenca, no ano passado o governo federal gastou quase R$ 1,2 trilhão (é "trilhão" mesmo), quase um quinto de tudo o que foi produzido no país, o PIB, em 2015. O conjunto dos Estados gastou R$ 536 bilhões, quase um décimo do PIB.

Sem contar, portanto, os mais de 5.500 municípios, a despesa não financeira do setor público "comeu" pouco menos de 30% do PIB, montante que deve se manter aproximadamente constante em 2016. Muito gasto, mas pouco investimento, que, entre Estados e União, não passou de 2% do PIB, irrisório diante das necessidades do país.

Não é só o tamanho do gasto que preocupa; também seu ritmo de crescimento tem superado persistentemente o do produto. Entre 2012 e 2015, descontada a inflação, os gastos federais cresceram 5% ao ano, enquanto no caso dos Estados a expansão foi algo mais modesta, na casa de 2% ao ano. Já o PIB...

Essa dinâmica perversa se origina principalmente do dispêndio obrigatório do governo, que subiu 6% ao ano no caso do governo federal e 3% ao ano para o conjunto dos Estados. Os motivos são vários: regras de reajustes de Previdência e funcionalismo, ausência de idade mínima para aposentadoria, vinculações orçamentárias, limites mínimos para certas despesas, para mencionar apenas alguns.

Isto se traduz num Orçamento público no Brasil extraordinariamente amarrado. No caso federal, de cada R$ 100 de gasto, o governo pode dispor livremente de pouco menos de R$ 10; o resto é mandatório.

Boa parte disso resulta de disposições constitucionais, algumas datando ainda de 1988, outras de períodos mais recentes. De uma forma ou outra, contudo, significam que, sem mudança de regras, as despesas seguirão crescendo em ritmo superior ao do PIB, impossibilitando na prática qualquer ajuste fiscal e, portanto, o controle do endividamento público.

A conclusão inescapável é que a principal tarefa da nova administração envolve convencer o Congresso a mudar a Constituição para adequar o ritmo de crescimento das despesas à expansão do PIB, escapando da armadilha em que fomos colocados pela política econômica anterior.

No entanto, o que parece óbvio para nós, tecnocratas, envolve custos significativos para qualquer político, que certamente terá imensas dificuldades para explicar a seu eleitor ter apoiado medidas que postergaram seu acesso à aposentadoria ou que reduziram o montante de recursos direcionado à saúde ou à educação.

Houve, é bom que se diga, momentos em que o país conseguiu se mobilizar para levar adiante reformas significativas, esforço que se estendeu por vários mandatos, de Collor a Lula, e que foi imprudentemente negligenciado nos últimos dez anos.

Não é claro, porém, que a atual configuração das forças políticas se alinhe no sentido de avançar sobre esses temas; pelo contrário, o Brasil permanece dividido, se não hostil, à mensagem reformista. Apesar de bons nomes na equipe econômica, simplesmente não consigo ficar otimista com o que nos espera.

Plano Temer, ainda em obras

Por VINICIUS TORRES FREIRE

A maioria dos economistas de Michel Temer é excelente, coisa e tal, cumprimentos quase gerais, mas não vai restar muito das excelências caso o Congresso decida triturar os projetos de mudanças, quase todo o mundo também sabe.

Há, no entanto, risco de que reformas já cheguem meio moídas ao Parlamento e de que outras não vinguem nem dentro do Planalto. Além do mais, há mais divergências domésticas. Entre as mais importantes:

1. Começou um debate até a respeito do modo de fazer a conta do deficit deste ano, por enquanto uma ligeira rusga, tradicional entre Fazenda e Planejamento;

2. No partido impichista e mesmo dentro do governo, há divergências sobre aumento de impostos. A querela é antiga e sabida, mas começa a piorar agora que o pessoal foi nomeado para pilotar um barco à deriva, com um buraco no casco muito maior do que o imaginado, o rombo nas contas do governo;

3. As centrais sindicais encontram-se na sexta (20) a fim de definir estratégia para matar no berço a reforma da Previdência. Centrais temeristas, petistas e antigovernistas em geral estão dizendo "tamo junto".

Em um governo que não tem nem uma semana, discordâncias seriam normais. Mas vivemos tempos anormais.

Henrique Meirelles, ministro da Fazenda, e seu pessoal pretendem fazer o rescaldo da ruína, expor todos os podres e dizer que o deficit primário deste ano pode ser de até R$ 150 bilhões ou quase 2,5% do PIB (trata-se da diferença entre receita e despesa, afora pagamentos dos juros da dívida pública). A meta deixada por Dilma Rousseff era de deficit de até R$ 97 bilhões, totalmente furada.

De resto, Meirelles quer acabar com aquela bagunça malandra de fixar uma meta que pode ser abatida por essa ou aquela despesa, ou por tal e qual frustração de receita. Tratava-se de um banda informal para o saldo de receitas e despesas do governo passado, falsificação que não engana ninguém informado e serve a fraudes da contabilidade.

Além de limpar a gaveta de surpresas e evitar revisões vexaminosas e perturbadoras da meta fiscal do ano, o reconhecimento realista, conservador ou total do desastre ainda deixaria margem para uma eventual comemoração de um sucesso reverso, caso o buraco pareça enfim um pouco menor no final do ano. Mas há integrantes do Ministério do Planejamento que ainda pretendem manter uma meta flexível ou a banda informal.

O assunto é urgente; o governo pretende fechar as contas até sexta-feira, dia 20. Até a semana que vem, é preciso haver meta nova aprovada no Congresso. De outro modo, é provável que o governo tenha de cortar despesas até a paralisia da máquina pública, enquanto não tenha autorização de fazer o deficit monstro com duas cabeças.

Isso quanto a urgências urgentíssimas. No entanto, os fantasmas de crises nos anos vindouros aparecerão daqui a pouco caso o governo não consiga mostrar que tem antídotos contra assombrações: um plano de reforma da Previdência e, dado o tamanho do rombo, projetos de aumentos de impostos.

Decerto existem obras menores de revisão de gastos, consertos, remendos e outra melhorias que, aos poucos, podem arrumar as contas. Mas isso leva tempo. Temer não tem tempo.

Fonte: UOL + Folha de S. Paulo

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