"A direção de Temer", editorial da FOLHA

Publicado em 13/05/2016 06:34
NA FOLHA DE S. PAULO DESTA SEXTA-FEIRA

Dadas as circunstâncias atípicas, o presidente interino Michel Temer (PMDB) dispunha de espaço pequeno para escapar às platitudes durante seuprimeiro discurso após o afastamento provisório de Dilma Rousseff (PT).

Eram por assim dizer obrigatórias as referências à difícil situação econômica e à necessidade de instituir um governo de salvação nacional, à Operação Lava Jato e ao compromisso de mantê-la sempre protegida, ao processo traumático em curso e à busca pelo constante diálogo com a sociedade.

Procurando ir além do óbvio, mas ainda assim sem oferecer novidades, Temer fez de tudo para se distinguir de Dilma. Da fala concatenada ao tom moderado, dos recados a empresários aos sinais a investidores, das mesuras aos parlamentares à insistência no legalismo, em tudo o interino se distanciava daquela a quem substitui.

Em nenhum tema realçou mais as diferenças, porém, do que quando tratou do papel do Estado. Fato digno de nota, assumiu sem rodeios um discurso liberal, estabelecendo vagos limites para o poder público e enaltecendo a importância das parcerias com o setor privado para que o país volte a crescer.

Em termos práticos, contudo, não indicou como pretende levar tais planos adiante, assim como não destacou medidas objetivas relacionadas com as poucas reformas que enumerou, caso da trabalhista e da previdenciária.

Argumente-se que a cerimônia não comportava riqueza de detalhes. O dia de Temer, entretanto, não se fez apenas do pronunciamento. Havia também um momento concreto: a posse daqueles que integrarão seu primeiro escalão —e o ministério do presidente interino se revelou decepcionante.

À exceção de um ou outro nome de peso, o peemedebista se valeu do mesmo loteamento de cargos que a sociedade tanto criticava na gestão petista. Áreas sensíveis para a população, como educação e saúde, foram usadas como moeda nas negociações fisiológicas.

Não se trata de ignorar as imposições do pragmatismo político; algumas concessões o presidente interino inevitavelmente haveria de fazer. Mesmo no balcão do toma lá dá cá, todavia, era possível encontrar quadros de maior expressão —já que o gabinete de notáveis não passou de balão de ensaio.

Erro ainda mais primário Temer cometeu ao não nomear nenhuma mulherpara seu ministério. Nem tanto por ajudar Dilma em sua narrativa de vítima do machismo, mas pelo retrocesso de décadas que a atitude representa —basta lembrar que o último gabinete composto somente por homens remonta à década de 1970, na ditadura militar.

Durante seu discurso, Michel Temer recorreu a palavras como credibilidade e confiança. Não se pode dizer, ao menos por ora, que sua prática as inspire.

 

Temer, retrô e vintage

POR VINICIUS TORRES FREIRE

O primeiro discurso de presidente de Michel Temer foi uma espécie de último discurso de campanha eleitoral. O presidente apertou a mão de todo o mundo, dos interesses sobressaltados de medo com a queda do PT aos ansiosos com as oportunidades advindas com a ascensão do PMDB e de todas as suas versões genéricas.

No governo ainda há indecisão sobre quem será esfolado, sobre quem vai pagar mais ou menos da conta do ajuste que terá de vir caso o país pretenda evitar outra rodada de degradação na espiral recessiva. Ainda não foram tomadas decisões cruciais (impostos, Previdência, desregulamentações e flexibilizações do trabalho e dos negócios).

Medidas econômicas podem ser divulgadas nesta sexta (12) na Fazenda, mas o DNA do ajuste ainda parece estar sendo estudado.

Na posse, o governo Temer parecia coração de mãe, onde sempre cabe mais um, para usar uma expressão retrô, conveniente para ocasião, pois.

Tomava posse um ministério apenas masculino, sob o lema que inaugurou a velha república conservadora, ordem e progresso, e sob pedidos de bênção divina e religação espiritual da nação. A suavidade do discurso do presidente interino era arranhada apenas pelas mesóclises, "sê-lo-ia", que não frequentavam o Planalto desde Jânio Quadros.

Temer começou por dizer que ninguém tem as "melhores receitas das reformas": "juntos", teremos. O programa ultraliberal que lançou em outubro, "Uma Ponte para o Futuro", apareceu só como uma passarela genérica para privatizações, parcerias público-privadas e a afirmação de que o "Estado não pode tudo fazer".

Mas não haveria desmanche dos programas sociais do PT, que foram elogiados: ficam Bolsa Família, Pronatec, ProUni, Fies, Minha Casa, Minha Vida. As reformas trabalhista e previdenciária não vão afetar direitos adquiridos -Temer, porém, voltou a falar em mudança de lei trabalhista, coisa que parecia largada no governo de transição do Jaburu.

Como será a reforma da Previdência? Para já ou depois? Mexe nos reajustes pelo salário mínimo ou apenas na idade mínima? Mexe mais? Não se sabe.

Na economia, Henrique Meirelles nem ainda fechou equipe. O Ministério do Desenvolvimento foi de fato, mas disfarçadamente, desidratado. Romero Jucá, do agora "Planejamento e Desenvolvimento", leva o BNDES; comércio exterior será sub-repticiamente furtado por Temer e Serra.

Houve a grande e previsível mesura para a Lava Jato, que recebeu galante promessa de proteção do cavalheiro Temer. Também o "mercado", assim chamado, recebeu uma palavra de afeto na promessa de preservação da autonomia do BC.

Houve grande louvação da harmonia dos Poderes e do Congresso. Metade do ministério veio do Parlamento degolador de reformas e governantes. Estados e municípios, por sua vez, teriam até "autonomia verdadeira", pois haverá "revisão do pacto federativo" (grosso modo, isso quer dizer mais autonomia para tributar e se endividar. A ver).

De fato, governadores na pindaíba podem colocar pedras no caminho de Temer no Congresso. Já está decidida vasta renegociação de dívidas, mas os Estados terão de ceder na simplificação do ICMS e em tetos para gastos com salários e aposentadorias.

 

Expectativa sobre governo Temer lembra Itamar Franco

ALESSANDRO JANONI
DIRETOR DE PESQUISAS DO DATAFOLHA

Ao contrário do que possa sugerir, a desconfiança de grande parcela dos brasileiros com Michel Temer pode não ser má notícia para ele. Pelo menos é o que sugere histórico de expectativas de governo feitas pelo Datafolha desde Fernando Collor.

Altos índices de otimismo dificilmente se convertem em elevada aprovação no final do mandato. E a distância entre grandes expectativas e baixa satisfação costuma representar a frustação de parcela importante do eleitorado.

Dos presidentes escolhidos nas urnas, apenas Lula, e só no segundo mandato –com recorde de popularidade de 83%–, conseguiu superar a expectativa de gestão ótima ou boa após sua vitória em 2002. FHC terminou seus dois mandatos com índices de popularidade abaixo da performance esperada.

 

A luta continua (REINALDO AZEVEDO)

O PT está fora do poder. E, acreditem, é para sempre. "E você vai fazer depois disso o quê?", perguntam-me os inconformados, como se a minha profissão fosse ser antipetista; como se eu me definisse pelo "não".

Ocorre, para a eventual decepção dos desafetos, que eu me defino pela "coragem grande de dizer 'sim'", citando trecho de uma música de Caetano Veloso –que se deve escrever apenas "Caetano". O que dizer nessa hora? Como Aquiles e Heitor, a despeito do confronto cruento, estou preparado para admirar meu adversário. Mas esse é eco de uma luta mais ancestral do que a "Ilíada", de um tempo em que cada litigante reconhecia no outro grandeza e legitimidade para ser o que é.

Que coisa curiosa! Se os petistas não tivessem reduzido todas as divergências à luta entre a boa-fé, de que se querem monopolistas, e a má-fé –a vontade do outro–, então viveríamos no que um poeta chamou certa feita de "a cidade exata, aberta e clara", em que as divergências não se fazem de virtudes que se negam.

A propósito: se o entendimento que os petistas têm do marxismo não fosse tão pedestre, a divergência seria uma etapa do aprimoramento do argumento. Mas não há chance, na terra petista, de o "Deus crucificado beijar uma vez mais o enforcado". Os petistas são incapazes de reconhecer que o arcabouço legal que lhes conferiu quatro mandatos é o mesmo que afastou a presidente.

Que pena! E eu vou fazer o quê? Ah, "hipócrita leitor, meu igual, meu semelhante!" Continuarei na minha militância em favor do individualismo radical. Certa feita, há muitos anos, enviei a um amigo que ainda está nesta Folha o soneto "Spleen", de Baudelaire, a título de um credo político: "Sou como o rei sombrio de um país chuvoso".

Não! Não sou melancólico, mas sei que todas as hipóteses de felicidade jamais estarão fora de nós. Quero um governo que não nos roube o direito à subjetividade mais extremada, ao individualismo mais radical, ao egoísmo mais virtuoso. A demagogia coletivista, de esquerda ou de direita, é nauseante.

Ah, esta é a semana em que o PT vai para o diabo. Eu poderia aqui lembrar um dia de 2010 em que um blogueiro petista muito reputado propôs uma pauta à imprensa: quem eram, onde moravam e como viviam os 5% que achavam o governo Lula ruim ou péssimo? Ele sugeriu no texto que eram leitores deste escriba. E seu post vazava aquele desejo incontrolável de aprisioná-los num campo de concentração moral.

A minha vocação para o vitimismo passivo-agressivo ou para exultação na modalidade falsa modéstia é bem pequena. No fim das contas, lastimo tanta bobagem dita nesses anos e tanta resposta igualmente energúmena. Há muita coisa a fazer neste país, meus caros! Há tanto atraso a vencer neste nosso renitente orgulho nacional da pobreza cheia de caráter!

Dilma se foi! Fico feliz porque ela me deixava mais cansado do que bravo. Seguirei tocando a minha vidinha. Reproduzo os primeiros versos de um poema da admirável Adélia Prado: "Eu fiz um livro, mas oh, meu Deus,/ não perdi a poesia./ Hoje depois da festa,/ quando me levantei para fazer café,/ uma densa neblina acinzentava os pastos,/ as casas, as pessoas com embrulho de pão./ O fio indesmanchável da vida tecia seu curso. (...)"

Eu me interesso, de verdade, é por esse fio. A política é só o tributo que pago ao vício.

 

A regra do jogo (HELIO SHWARTSMAN)

Traição e injustiça. Parece um título de romance de Jane Austen, mas são as palavras escolhidas por Dilma Rousseff para descrever os mais recentes lances do processo de impeachment que a afastou da Presidência. Mas será que ela foi realmente vítima de uma traição? E de uma injustiça?

Minha tendência é responder afirmativamente à primeira pergunta e negativamente à segunda. Dilma tem todos os motivos do mundo para sentir-se traída -e por vários personagens. A lista começa com Temer e Cunha, mas inclui parte substancial do exército de políticos que emergiram do pleito de 2014 como aliados da presidente. A coalizão governista reunia nominalmente 60% dos deputados e 72% dos senadores. Vê-los mudar de lado ao sabor dos ventos pode ser pessoalmente dolorido para quem é deixado para trás, mas a traição é o estado natural da política.

É até possível argumentar que, como o primeiro compromisso de um político é para com seus eleitores, ele age virtuosamente quando abandona aliados que já não representam os interesses de sua base. Quem não tem estômago para enfrentar isso nem deveria entrar no jogo.

Quanto à injustiça, o discurso de Dilma é mais capcioso. Ela sustenta que todos os governantes dão suas pedaladas, mas só ela é que paga o pato. Há aí, acredito, uma compreensão equivocada do que seja o impeachment. Sua real dimensão não é jurídica, mas política -e isso está embutido nas regras do jogo desde a Constituição de 1891.

A lei que define os crimes de responsabilidade traz tipos tão abertos e subjetivos que, numa interpretação rigorosa, todos os ocupantes do Planalto violam algum de seus dispositivos, mas o mecanismo de responsabilização só é acionado na hipótese de crise grave. Se a popularidade estiver alta, o presidente pode fazer o diabo e ainda receberá elogios. Se Dilma não percebeu isso, fica mais fácil entender por que ela caiu.

 

O que sobrar (RUY CASTRO)

RIO DE JANEIRO - Lula anunciou que montará um "governo paralelo" para fiscalizar a gestão de Michel Temer. É o que os ingleses chamam de "shadow cabinet" - um ministério informal, agindo à sombra do oficial, para ver se este está trabalhando a favor dos interesses da população. Já leu? Pois esqueça. Lula disse isto todas as vezes em que foi derrotado numa eleição. O "shadow cabinet" é um de seus factoides, destinado apenas a fazer espuma e adoçar seu minguante eleitorado interno.

Se Lula não fiscalizou seu governo, nem o de Dilma, como fiscalizará um governo alheio? Nos 13 anos de PT no poder, houve o aparelhamento e a tomada do Estado, o assalto à Petrobras, o festival de propinas, a farra das montadoras e das empreiteiras, a venda de medidas provisórias, a bacanal fiscal e o rombo nas contas públicas. Tudo isto levou o país para o buraco e, como a Carolina do Chico Buarque, só Lula não viu.

Lula não fiscalizou as manhas e artimanhas de seus amigos José Dirceu,Delúbio Soares, José Genoíno, João Vaccari, Silvinho Pereira, Delcídio do Amaral e demais cartolas do PT, dos marqueteiros João Santana e Mônica Moura, dos empreiteiros Leo Pinheiro e Marcelo Odebrecht, do pecuaristaJosé Carlos Bumlai e de outros que ficam, literalmente, na geladeira.

Aliás, Lula não fiscalizou nem a si mesmo. Deslumbrou-se com os vinhos e jatinhos da elite golpista loura e de olhos azuis, promoveu reformas em sítios e tríplex que não lhe pertenciam e fez palestras milionárias de que não se conhece uma palavra.

E, agora, Lula já não conseguirá fiscalizar seus antigos aliados, que estão presos na Lava Jato e a fim de contar o que sabem para mitigar as sentenças de que não escaparão. Marcelo Odebrecht, por exemplo, quer falar para reduzir os 100 anos de cadeia a que está sujeito e, quem sabe, dividir com Lula o que sobrar. 

Fonte: Folha de S. Paulo

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