Economia brasileira dá sinais de lenta recuperação sob Temer, mas com riscos

Publicado em 12/05/2016 07:46

Por Silvio Cascione

BRASÍLIA (Reuters) - A economia brasileira começa a dar sinais de ter passado pelo pior momento da mais profunda recessão em décadas, num momento em que o vice-presidente Michel Temer se prepara para assumir o poder com uma agenda pró-mercado e um amplo apoio para acabar com uma crise política que paralisa o governo há meses.

As expectativas do mercado para a queda do Produto Interno Bruto (PIB) em 2016 melhoraram na semana passada pela primeira vez em mais de um ano, em meio ao otimismo de que Temer foque menos em subsídios e priorize reformas para restaurar a confiança dos agentes econômicos no país.

Mas o Brasil ainda está muito longe de uma recuperação sólida, e o desemprego continua crescendo com força a cada mês. Ainda assim, há sinais de que a recessão começa a se estabilizar de fato, indicando que a recuperação pode estar a caminho, ainda que com muitas fragilidades.

Com a queda de 7 por cento do PIB desde o começo de 2014, muitas empresas reduziram os estoques, ficando melhor posicionadas para voltar a crescer.

Os custos trabalhistas reduziram com o aumento do desemprego, facilitando a queda da inflação. A taxa de câmbio está mais desvalorizada, reduzindo a competição estrangeira e dando esperança à indústria.

A confiança continua muito baixa, perto de mínimas recordes. Mas agora ela parou de cair entre consumidores e empresários.

"O (iminente) governo de Michel Temer tem uma oportunidade de ouro para promover uma recuperação da economia", disse o economista-chefe para a América Latina do BNP Paribas, Marcelo Carvalho. Ele melhorou sua projeção de crescimento do PIB em 2017, de zero para alta de 2,0 por cento.

O PIB do Brasil deve encolher cerca de 4 por cento em 2016 pelo segundo ano consecutivo, no que seria a pior recessão em mais de um século para o país. A crise ocorreu após uma década de prosperidade que tirou quase 30 milhões de pessoas da pobreza, segundo dados do Banco Mundial.

Em fevereiro, pesquisa da Reuters mostrou que o PIB brasileiro somente deverá recuperar o tamanho que tinha antes da crise a partir de 2019. 

Temer (PMDB) pretende colocar em pauta rapidamente uma agenda pró-mercado assim que, provavelmente, a presidente Dilma Rousseff for afastada pelo Senado na quarta-feira. O novo governo deve propor mudanças na Previdência e no sistema tributário, além de buscar a privatização de estatais, segundo um assessor de Temer.

"Temer não vai ter medo de lidar com problemas estruturais", disse o assessor, que pediu para não ser identificado.

A expectativa de que Temer terá sucesso é central nas projeções de Carvalho, do BNP Paribas. Ele também espera sequência expressiva de cortes nos juros básicos pelo Banco Central, que poderia levar a Selic a menos de 10 por cento em comparação com os atuais 14,25 por cento .

A maioria de seus colegas é menos otimista, já que muitas das propostas de Temer deverão ser impopulares e precisarão do apoio de um Congresso fragmentado. A mediana das expectativas de crescimento do PIB em 2017 na pesquisa Focus do BC é de 0,5 por cento, pouco acima dos 0,3 por cento de um mês atrás.

DESAFIOS ENORMES

O rebaixamento da nota de classificação de risco do Brasil pela agência Fitch na semana passada serviu como lembrete das dificuldades diante de Temer, sobretudo no campo fiscal, onde grandes déficits primários surgiram a partir de 2014.

"Os desafios continuam enormes, independentemente de quem esteja no poder", disse o vice-presidente financeiro da Cetip SA Mercados Organizados, Willy Jordan.

O maior problema, ainda longe de solução, é o orçamento. Temer corre o risco de paralisação do governo em questão de semanas se não alterar a meta de superávit primário de 2016 para permitir um déficit enorme, previsto em 1,6 por cento antes do pagamento de juros da dívida.

As alternativas para tapar o déficit --reduzir os gastos ou aumentar impostos-- afetam a demanda na economia num primeiro momento e poderiam limitar o crescimento do PIB, apesar dos efeitos potencialmente positivos no longo prazo.

O futuro ministro da Fazenda de Temer, o ex-presidente do BC Henrique Meirelles, tem afirmado que é primordial reequilibrar o orçamento, mas que a recuperação será lenta.

O desemprego também deve continuar subindo. Com os consumidores perdendo seus empregos e com muitas empresas passando por processos de reestruturação, os bancos estão se preparando para mais inadimplência nos próximos meses. O aumento dos calotes deve limitar o consumo e o crescimento do crédito mesmo com cortes dos juros pelo BC.

Durante conversas com investidores para discutir os resultados do primeiro trimestre, bancos como Itaú Unibanco , Banco Bradesco e Banco Santander Brasil afirmaram que devem continuar sentindo o impacto da recessão neste e no próximo ano.

Também existe o risco de piora no mercado internacional, que poderia atrapalhar os planos do BC de reduzir a Selic. A melhora nos mercados emergentes no começo do ano pode se reverter caso o Federal Reserve suba os juros dos Estados Unidos neste ano, segundo o economista-chefe da Gradual Investimentos, André Perfeito.

"Na ponta do lápis vejo mais contras que prós até o final do ano. Uma hora o mercado vai perceber isso," disse Perfeito.

Um último risco, mas também importante, tem relação com as investigações contra corrupção em setores importantes da economia, como construção e petróleo. Grandes empresas envolvidas na Operação Lava Jato ainda estão proibidas de fazer negócios com a Petrobras , por exemplo.

Com tantos problemas, o crescimento potencial do PIB brasileiro diminuiu muito e agora está em cerca de 1,5 por cento ao ano, muito baixo para um país de renda média como o Brasil, calcula o economista do banco Nomura, João Pedro Ribeiro.

Ou seja, o pior pode até ter passado, mas não deve haver uma lua de mel para Temer. "Uma recuperação rápida está longe de poder ser tomada como um dado," disse Ribeiro.

(Reportagem adicional de Alonso Soto e Guillermo Parra-Bernal)

Ao assumir Fazenda para tentar salvar economia, Meirelles deixa evidente ambição política

Por Patrícia Duarte

SÃO PAULO (Reuters) - Henrique Meirelles está voltando a Brasília, agora como ministro da Fazenda, novamente com a tarefa de ajudar a colocar a atividade nos eixos e recuperar a confiança de agentes econômicos, mas deixando ainda mais evidente seu perfil político em busca de espaços.

Essencialmente conservador quando o assunto é economia, Meirelles assumirá o ministério do presidente interino Michel Temer, do PMDB. Esse foi o segundo partido ao qual se filiou. O primeiro foi o PSDB, legenda pela qual elegeu-se deputado federal por Goiás em 2002.

Mas foi seduzido pelo desafio de assumir o Banco Central em 2003, num momento em que os mercados financeiros reagiam muito mal ao fato de o petista Luiz Inácio Lula da Silva ter vencido a eleição presidencial. Meirelles abriu mão de assumir sua cadeira na Câmara e, claro, deixou de ser tucano.

Na primeira reunião do Comitê de Política Monetária (Copom) sob seu comando, em janeiro de 2003, elevou a taxa básica de juro Selic em 0,5 ponto percentual, para 25,50 por cento e, nas seguintes, a levou a 26,50 por cento --teto da taxa básica de juros em seu mandato que durou oito anos e o tornou o presidente do BC mais longevo da história brasileira.

A ortodoxia na condução da política monetária sempre rendeu duras críticas de muitos petistas. Não era raro ir a audiências públicas no Congresso e ser bombardeado por parlamentares da base governista e elogiado pela oposição.

Nos primeiros anos à frente do BC, contou com a blindagem política do então ministro da Fazenda, Antonio Palocci. Após a saída de Palocci no início de 2006, e tendo como pano de fundo a inflação mais controlada e a economia em expansão, Meirelles conseguiu se aproximar mais de Lula.

Mas recebeu de presente a oposição de Guido Mantega, escolhido para substituir Palocci na Fazenda, e com quem trocou críticas pelos anos seguintes.

POLÍTICA NO SANGUE

Neto e sobrinho de políticos goianos, Meirelles nasceu em Anápolis (GO) em 31 de agosto de 1945, formou-se em engenharia e estudou administração na Universidade de Harvard, nos Estados Unidos.

Passou muitos anos no mundo corporativo, entrando na década de 1970 no BankBoston, onde construiu uma carreira bem-sucedida nos EUA, chegando a presidente mundial do banco. Mas só no início dos anos 2000 decidiu entrar de fato na vida política brasileira, filiando-se ao PSDB.

Meirelles é muito admirado pelos mercados financeiros por sua ortodoxia. À frente do BC, ele entregou por três anos a inflação abaixo do centro da meta oficial e adotou uma política que elevou as reservas internacionais em 250 bilhões de dólares.

Para não dizer que sua imagem nunca foi arranhada diante de investidores, no fim do segundo mandato do presidente Lula, Meirelles filiou-se ao PMDB, não antes de namorar bastante com o PP. Diziam, nos bastidores, que sua meta pessoal era mudar seu endereço de trabalho para o Palácio do Planalto, como vice-presidente da então candidata Dilma Rousseff.

Nesse período, travou uma disputa surda no partido com Temer, que acabou escolhido para compor a chapa nas duas eleições de Dilma.

Muitos no mercado consideraram estranho ter um presidente do BC, que não tem independência formal no Brasil, filiado a um partido político. Hoje, Meirelles está no PSD.

Com o acirramento da crise econômica nos últimos dois anos, sobretudo no campo fiscal, Meirelles negociou também com Lula para voltar ao governo do PT. No fim do ano passado, chegou a fechar com o ex-presidente e até com Dilma sua ida para o Ministério da Fazenda no lugar de Joaquim Levy.

Mas os planos não saíram do papel. De um lado, Dilma nunca gostou de Meirelles, e de outro, o ex-presidente do BC perdeu o ânimo de participar de um governo cada vez mais atingido pelas investigações da operação Lava Jato.

Nelson Barbosa acabou assumindo a Fazenda e Meirelles passou a negociar também com Temer.

Meirelles ajudou o Brasil na década passada a dar saltos importantes, como chegar ao grau de investimento concedido por agências de classificação de risco e passar pela crise financeira de 2008/09 sem grandes arranhões, onde pela primeira vez adotou uma política anticíclica via juros para estimular a economia.

Vaidoso, o novo ministro é também bastante duro e exigente quando o assunto é trabalho, com posições fortes.

Meirelles vinha presidindo o Conselho de Administração da J&F Investimentos, holding que controla a empresa de alimentos JBS, e participava do Conselho da Azul Linhas Aéreas.

 

Fonte: Reuters

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