Na FOLHA (exclusivo): Meirelles define 3 prioridades na Fazenda para governo Temer

Publicado em 07/05/2016 04:38
por VALDO CRUZ, na FOLHA DE S. PAULO, edição deste sábado

Classificado pela equipe de Michel Temer como um dos "principais esteios" de um futuro governo do vice-presidente, Henrique Meirelles definiu com o peemedebista os três eixos das primeiras medidas econômicas a serem tomadas à frente da Fazenda:

1) um projeto fixando um teto para o crescimento dos gastos públicos, com o fim de boa parte das vinculações de receitas, 2) uma reforma da Previdência e 3) a racionalização do sistema tributário.

Em reuniões com assessores do vice, realizadas durante esta semana, o ex-presidente do BC disse que o lema do governo Temer na economia vai ser "vamos devagar, mas estamos com pressa".

Traduzindo: o desequilíbrio das contas públicas impede que a situação seja revertida de imediato, mas as medidas para resolver o problema terão de ser aprovadas no curto prazo, de preferência todas neste ano.

"Precisamos sinalizar que daqui a dois anos poderemos ter superavit primário de novo, mas isso não significa deixar para depois a aprovação. Tem de acontecer agora", disse Meirelles a assessores de Temer. O vice assume a Presidência se o Senado abrir o processo de impeachment de Dilma, na próxima semana.

Em paralelo, o senador Romero Jucá (PMDB-RR), cotado para o Ministério do Planejamento, adotará ações em dois sentidos: animação econômica, com projetos para estimular o investimento, e gestão e governança, com corte de gastos e melhoria do funcionamento da máquina.

Meirelles e Jucá disseram a Temer que essas iniciativas serão montadas para recuperar a credibilidade da política econômica, reduzir o risco do país e garantir a volta do crescimento ainda em 2016.

Nas palavras do provável novo ministro da Fazenda, o governo Temer vai criar condições para que a dívida pública caia no médio prazo. "O importante é dar aos investidores não a previsão, mas a segurança e a certeza de que o endividamento será reduzido e o risco do país vai diminuir", disse Meirelles a interlocutores do vice.

REVISÃO DA META

Confirmado o afastamento de Dilma, Temer pretende nos primeiros dias aprovar no Congresso a revisão da meta fiscal deste ano, autorizando um deficit de R$ 96,7 bilhões.

"Esta é a realidade que a Dilma está nos deixando, um rombo enorme nas contas públicas, que teremos de reverter no médio prazo", tem dito Jucá. Outra missão de curtíssimo prazo será aprovar a DRU (mecanismo que desvincula 30% das principais receitas da União).

Em seguida, o governo irá se dedicar ao projeto que fixa um teto para os gastos públicos. A ideia é que, além do limite, eles não subam mais do que o crescimento do PIB.

A reforma da Previdência deve ser apresentada no curto prazo, votada depois das eleições municipais, por etapas, aprovando algumas ainda neste ano.

Um assessor de Temer diz que aumentos de impostos não serão propostos nos primeiros dias e toda medida nessa área será discutida antes com o Congresso.

 

Sem reformas, Brasil poderá ser rebaixado novamente, diz Fitch

A transição de governo, caso o Senado vote pelo afastamento de Dilma Rousseff, será "pacífica e suave" e pode representar uma "oportunidade" de melhorar a performance econômica do país, mas não renderá a Michel Temer um cheque em branco.

Essa é a avaliação da Shelly Shetty, diretora sênior de ratings soberanos da Fitch, agência de classificação de risco que rebaixou na quinta (5) a nota de crédito brasileira de "BB+" para "BB", com perspectiva negativa –ou seja, a classificação brasileira pode sofrer nova redução nos próximos meses.

Para Shetty, ainda mais importante do que Temer formar "um bom gabinete econômico", é assegurar um Congresso coeso o bastante para aprovar reformas necessárias para a reestruturação de um país ameaçado por recessão profunda e prolongada. A agência estima que o PIB brasileira vai encolher 3,8% neste ano e vai crescer 0,5% no ano que vem.

"Claramente, uma coalização se formou no Congresso a favor do impeachment. Mas pode ou não se formar a favor das reformas."

Segundo a diretora da Fitch, o país pode sofrer um novo rebaixamento nos próximos meses caso a eventual nova administração falhe em promover reformas essenciais para estabilizar os gastos públicos do país, como a previdenciária.

MEIRELLES

Questionada sobre que sinais a escolha de Henrique Meirelles (mais cotado para dirigir a Fazenda sob Temer) transmitiria, Shetty afirma que a agência não pode comentar potenciais ministros.

Ressalta que "candidatos [à equipe econômica de Temer] já se engajaram no mercado antes e navegaram o Brasil por tempos difíceis no passado". Meirelles comandou o Banco Central nos anos Lula (2003-2010).

Mas insiste: de nada adiantará "um bom gabinete" se o chefe de Estado não tiver apoio do Congresso para aprovar reformas.

Em outubro de 2015, a diretora da Fitch disse à Folha que o impeachment de Dilma só representaria um risco para a classificação do Brasil caso prejudicasse a continuidade do ajuste fiscal.

A economia, contudo, teria derretido com velocidade acima do esperado, o que colaborou para que a Fitch se juntasse a Standard & Poor's e Moody's e colocasse o país dois degraus abaixo do grau de investimento (que reúne os países considerados menos arriscados de dar calote).

Na decisão da Fitch pesam temas como a recessão, a crise política e o aumento da dívida pública (que pode chegar a 80% do PIB em 2017).

A tempestade derivada da Operação Lava Jato também afeta a avaliação da agência. Novas investigações podem ter desfechos "imprevisíveis" para o quadro político –vide o afastamento do deputado Eduardo Cunha (PMDB-RJ) da Câmara a dias da votação que selará o destino de Dilma.

Segundo Shetty, a agência em geral demora de 12 a 24 meses para reavaliar a classificação de risco de um país.

"É muito difícil dizer quanto tempo vai demorar para o Brasil [voltar ao primeiro escalão]."

O Brasil começou a ser avaliado pela Fitch em 1994 e só obteve o selo de "bom pagador" 14 anos depois, em maio de 2008.

 

Ruínas como exemplo, editorial

Começam a aparecer melhorias mínimas em algumas medidas de confiança do consumidor quanto ao futuro próximo. Certos indicadores de expectativas empresariais, embora consolidados em níveis baixos, deixaram de piorar.

Economistas do setor privado revisam projeções de crescimento para o ano que vem. Em vez de estagnação, os primeiros laivos de otimismo indicam expansão de pouco mais de 1%, embora a mediana das estimativas recolhidas semanalmente pelo Banco Central esteja ainda em 0,4%.

Os números, a rigor, não importam tanto. Prognósticos para daqui a um ano costumam ser imprecisos mesmo em circunstâncias normais; são ainda mais precários na ausência de verdadeira política econômica e na incerteza quanto aos planos do Executivo.

De todo modo, é impossível negar uma discreta renovação da esperança —decerto estimulada pela iminente mudança de governo—, e a melhora de ânimos tende a ser fator importante no início de um longo caminho de recuperação.

Longo e penoso: a economia brasileira terá encolhido cerca de 8% de 2014 até o final deste ano.

É crucial, assim, que o futuro governo não dissipe esse capital tão volátil: confiança, crédito.

O anúncio informal do possível ministério de Michel Temer (PMDB), porém, suscita dúvidas não só a respeito da habilitação técnica de setores da nova administração mas também, e sobretudo, acerca de sua estabilidade política e, por que não, judicial. Há implicados em escândalos; partidos associados têm mau histórico ético e administrativo.

O governo Temer precisará dar explicações imediatas sobre seu plano de reformas. Terá de demonstrar capacidade de logo reerguer as instituições responsáveis por políticas públicas essenciais. Daí virão as primeiras medidas com vistas a atenuar a recessão e, assim, confirmar e reforçar a modesta melhora de ânimos.

Há muito a fazer na área de concessões de infraestrutura e de privatizações; em relação à Petrobras e ao setor elétrico; no campo do entulho burocrático que emperra investimentos e no da simplificação tributária, para citar poucos casos.

São algumas tarefas essenciais que apenas pessoal tecnicamente qualificado e com autonomia operacional pode levar a bom termo, mas a barganha política dificulta a formação de equipes adequadas.

A degradação do governo de Dilma Rousseff é exemplo presente do resultado do loteamento irrestrito —que se deu, aliás, entre muitos dos partidos que ora integram a coalizão de Michel Temer. Não se pode dizer que esse seja um alerta: as ruínas estão evidentes.

 

Coragem para mudar, (por RONALDO CAIADO)

Mais que de transição, é de emergência o futuro governo de Michel Temer. Herdará um país em frangalhos, com tudo por fazer e refazer: na economia, na política e na autoestima do Brasil.

Não há tempo a perder e não há espaço para errar. O país já esperou, sofreu e errou demais. A força capaz de nutri-lo –e é essencial que não se perca isso de vista– não virá das cúpulas partidárias nem dos arranjos, por mais engenhosos, de bastidores ou do atendimento a interesses corporativos.

Virá das ruas, da fonte e origem de todo esse processo, que levou ao fim a Era PT. É esta a peculiaridade deste momento histórico: não foram os partidos que moveram a população, mas o contrário. Foi o clamor das multidões que levou os partidos a agir.

Temer, embora detentor de prestígio no campo jurídico e de densa bagagem política, chega ao poder sem o lastro de uma eleição nele focada. Foi eleito como vice; teve, portanto, votos, mas por tabela. Terá de compensar buscando interpretar as multidões que apearam a presidente.

Tancredo Neves viveu, em outra circunstância, essa realidade. Capitalizou a frustração das Diretas Já e arrastou ao colégio eleitoral a expectativa popular. Itamar Franco fez o mesmo: governou para a sociedade, e não para os partidos. Esse gesto deu-lhe a força moral de que carecia para cumprir a missão.

Cabe ao futuro presidente dar sinais claros de que não fará dessa ocasião singular mera reprodução do modelo que acaba de ruir. Não pode fazer do Estado e de seus cargos moeda de troca política, buscando nessa prática, variante do mensalão, a fonte da governabilidade. Não funciona, como constatou tardiamente a presidente Dilma Rousseff.

Deve, isso sim, pautar-se em dois exemplos que nos vêm da Argentina: o presidente Mauricio Macri e o papa Francisco.

O primeiro enfrenta, sem hesitar, o populismo institucional dos Kirchner, adotando medidas amargas, corajosas e necessárias à reconstrução do país; o segundo, ciente da eficácia e da força do exemplo –e a política move-se também em torno de símbolos–, abdicou de luxos pessoais e adotou hábitos simples, que o identificam com a realidade sofrida em que vive o povo.

E o que querem os milhões que foram às ruas? Um Estado mais eficiente e enxuto, mais transparente. Um Estado em que a sociedade se veja refletida. Deve, portanto, cortar mordomias, a começar pelas de seu próprio cargo. Menos promessas e mais ação, eis, em síntese, a receita.

Nada de comitivas gigantescas em viagens ao exterior ou de cargos inúteis em profusão; trocar o caríssimo Airbus por um jato da Embraer. Numa palavra, aproximar-se do povo, reduzir o abismo que o separa dos governantes; munir-se de autoridade moral para pedir sacrifícios a uma sociedade que já contabiliza mais de 11 milhões de desempregados.

Os primeiros sinais não são alentadores. Temer, ao que parece, recuou do anúncio de que cortaria à metade os ministérios –e já discute com os partidos o seu loteamento. Repete aí o PT.

São hoje 32 ministérios. Oscar Niemeyer projetou a Esplanada com 17 prédios; Juscelino, que a inaugurou, governou com 12 ministros. E há ainda os milhares de cargos em comissão, criados não para atender o público, mas à militância.

É preciso sinalizar desde o início que se inaugura de fato uma nova etapa, com mudança radical de rumo. Para tanto, é preciso coragem, ousadia. Temer precisa deixar claro que não postula reeleição, que fala para a história, e não para os partidos.

Coragem, presidente. Se a demonstrar, terá o povo a seu lado –e, tendo-o, nada será capaz de ameaçá-lo.

 

O estado das coisas, por IGOR GIELOW

BRASÍLIA - O estado das coisas na desgovernada nave-mãe da República fez desta sexta (6) um dia quase normal. Perto da montanha-russa das notícias, o fato de que avança decisivamente o impeachment da presidente Dilma Rousseff virou notícia corriqueira, resolvida a tempo de um almoço decente.

Assim como ficou banal a ladainha dita pela sombra que dá expediente no Planalto até a semana que vem, apelando a construções shakespearianas sobre um Michel Temer "usurpando o poder". Está acabando a homonímia para o choro petista.

Não deixa de ser sociologicamente interessante ver essa apatia após os orgasmos espaçados e diversos que as ruas proporcionaram ao país desde 2013. Arriscando um Lacan de botequim, a sensação é de fastio: ninguém aguenta mais a dieta da crise.

Mesmo a defenestração de Eduardo Cunha, político que consegue ser mais impopular que Dilma, já não alcançou mais do que a masturbação em bits e terabytes das redes sociais. Onde estava o "exército de Stédile", que não tomou as ruas em júbilo?

É nessa modorra coalhada de armadilhas que se move o futuro governo interino de Temer. Em uma semana evaporaram as expectativas de uma racionalização da máquina ou de nomeações midiáticas, para não citar a óbvia semelhança entre o atual e o futuro ministério —um monte de nulidades indicadas para áreas teoricamente nobres do governo.

O cardápio é magro, basicamente econômico e agora sujeito a uma trovoada inesperada na Câmara.

Henrique Meirelles vai ganhando ares de superministro, o que é uma desgraça para a nova gerência dada a quantidade de adversários que o conhecem bem. Se um anteparo é bom para Temer, a possibilidade de ele ser abalroado no começo do jogo dissipa tal vantagem. Bom para Serra, caso ele permaneça em campo.

Como já escrevi aqui, a baixa expectativa ainda favorece Temer. Resta saber por quanto tempo.

 

O PT flerta com o autoengano

Por BERNARDO MELLO FRANCO

O PT deve ser apeado do Planalto daqui a três dias, com o afastamento da presidente Dilma Rousseff. A votação no Senado encerrará um ciclo de 13 anos no poder, e o partido será despachado na manhã seguinte para a oposição.

Os petistas deveriam aproveitar o momento para pedir desculpas pelos descaminhos que aceleraram sua queda. Parecem mais preocupados com outras tarefas, como atacar o futuro governo Temer e tentar se descolar da presidente que sai de cena.

No dia 1º, Lula alegou uma rouquidão para deixar a sucessora sozinha no palanque do Anhangabaú. Seus aliados têm alternado ataques públicos ao vice a queixas reservadas contra a presidente, a quem atribuem toda a culpa pelo impeachment.

Tratar Dilma como o único problema é escolher a via do autoengano. Ela pode ser a principal responsável pelos erros na política econômica, mas tem pouco a ver com a maré de escândalos que criou o ambiente para a derrubada do governo.

O cerco judicial ao PT voltou a se fechar na última semana. Na terça-feira, a Procuradoria-Geral da República denunciou Lula por tentativa de obstrução da Justiça. Na sexta, o governador de Minas Gerais, Fernando Pimentel, foi acusado de corrupção e lavagem de dinheiro para financiar a campanha de 2014.

Ele pode perder o cargo nos próximos dias. Se o Superior Tribunal de Justiça receber a denúncia, deverá ser afastado até o julgamento da ação penal. Por ironia, o vice-governador é um velho político do PMDB.

Ninguém espera que os petistas se imolem em praça pública, mas é improvável que a sigla sobreviva sem mudar as práticas e oferecer uma autocrítica convincente aos eleitores.

Quando o mensalão veio à tona, o ex-ministro Tarso Genro disse que o PT precisava se "refundar" e romper com a "cultura tolerante com a corrupção". O partido ignorou a cobrança e reforçou os laços com as empreiteiras. Deu nisso. 

 

 

 

 

Fonte: Folha de S. Paulo

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