BORIS FAUSTO: Momento decisivo (na FOLHA)

Publicado em 15/04/2016 12:11
será necessário não interromper a continuidade da luta contra a corrupção...

Prever o resultado da votação do próximo domingo (17), que selará o destino do pedido de impeachment da presidente Dilma Rousseff, seria temerário. É certo, porém, que estamos diante de um momento decisivo. Sendo aprovado o prosseguimento do pedido, muito dificilmente o Senado deixará de abrir o processo de julgamento, que imporá, de saída, o afastamento da presidente por 180 dias.
Caso o julgamento seja barrado, é duvidosa a possibilidade de que novas iniciativas venham a prosperar.

A esta altura, não me parece ser o caso de esmiuçar a fundamentação legal do pedido de impeachment, nem de insistir na referência à maior crise da nossa história -crise econômica, política e ética-, para a qual só os fundamentalistas do PT e seus aliados fecham os olhos.

Estamos diante de um governo cuja política econômica desembocou no desemprego de quase 10 milhões de pessoas, numa inflação que ronda os dois dígitos e numa contração da economia de 4% no ano de 2015, somada à previsão de nova contração no ano corrente, em índice aproximado ao anterior.

Mais útil será falar dos cenários que se abrirão nas duas hipóteses de desfecho possíveis, mesmo com o risco de se ver contrariado pelos fatos, risco inerente a quem se arrisca a analisar o Brasil volátil de nossos dias.

É mais fácil pintar o cenário da permanência da presidente Dilma no cargo do que o da hipótese inversa. Dilma continuaria a ser uma figura muito impopular, que entregaria a Lula o comando informal do país. Talvez não fosse tudo mais do mesmo -o que já é em si desolador -, mas uma combinação do mesmo com o ainda pior.

Basta lembrar que Lula censurou publicamente a outrora candidata de sua predileção por erros cometidos na política econômica, fazendo-nos temer pela volta de um arremedo da "nova política econômica", como um instrumento populista destinado a iludir o eleitorado, mais uma vez, nas eleições de 2018. As pessoas lúcidas deste país, que são a maioria, não merecem isso.

Analisar a conjuntura que se abriria após o afastamento da presidente Dilma e a posse do vice Michel Temer, convém frisar, é mais complicado. Para começar, o governo se verá a braços com um movimento social organizado, que lhe fará oposição cerrada e irá gerar uma instabilidade social cujo alcance ignoramos.

Há, por outro lado, um fator significativo em favor de Temer, trunfo do qual poderá se valer nos primeiros tempos de um governo de transição. Os ares da esperança iriam soprar e concorreriam para desfazer o pessimismo generalizado que tem sido a marca dos dias atuais. Será preciso aproveitar esse clima favorável no caminho da recuperação econômica que será inevitavelmente longa, considerada a profundeza do poço em que o lulopetismo nos lançou.

Ao mesmo tempo, e nisso a mobilização da cidadania é um fator importante, será necessário não interromper a continuidade da luta contra a corrupção, pois, como é claro, não alcançaremos o melhor dos mundos apenas com o afastamento da presidente.

Optar pelo impeachment, acreditar numa esperança renovada, não significa fechar os olhos à realidade. Muitos dos políticos que apoiam Temer estão sob investigação. O caso do presidente da Câmara, Eduardo Cunha, às voltas com uma emperrada Comissão de Ética, é o mais grave.

Terá o eventual presidente Temer força e coragem para não embarcar numa operação legislativa de leniência ou em outros expedientes, que muitos dos que o apoiam irão certamente cobrar? Só o tempo dirá.

BORIS FAUSTO, 85, historiador, é professor aposentado do departamento de ciência política da USP. É autor de "História do Brasil" (ed. Edusp) e "O Crime do Restaurante Chinês" (ed. Companhia das Letras), entre outros livros

 

 

EDITORIAL DA FOLHA:

Clima de coexistência

No que, para a maioria dos prognósticos, parecem ser os momentos finais de seu governo, a presidente Dilma Rousseff (PT) deu sinais inusitados de descontração —certamente bem-vindos, ainda mais quando se leva em conta a notória aspereza de sua personalidade.

"Se eu perder, serei carta fora do baralho", afirmou a um grupo de jornalistas na quarta-feira (13). Informada de que poderá continuar no Palácio da Alvorada mesmo se a Câmara autorizar a abertura do processo de impeachment —a se desenrolar no Senado—, Dilma saiu-se com um sorriso: "Bom saber, não serei uma sem-teto".

Verdade que as ações políticas de seu governo, nestes dias, estão longe de demonstrar estoicismo ou resignação. Destacam-se antes pelo desespero dos últimos recursos e dos últimos cargos a distribuir para já nem mais se sabe quem.

Gastas as derradeiras pontas de lápis, desfeitas pela milésima vez as contas no balcão da quitanda fisiológica, a presidente procurou transmitir a imagem de que, apesar de sua derrota ser dada como inevitável após as recentes movimentações partidárias, não perdeu o espírito esportivo.

Por menos convincente que seja a atitude, ela reflete um estado de ânimo nem sempre enfatizado nos comentários sobre a crise atual.

A despeito de sua extrema gravidade e dos episódios de radicalização que vez por outra se registraram, a complexa e acalorada polêmica sobre o impeachment tem-se desenvolvido em clima de paz.

Há quem mencione, em caso de vitória da oposição, a possibilidade de que investidores estrangeiros se intimidem diante de mais uma demonstração do pendor para o imprevisível que caracteriza a política brasileira. Nessa linha argumentou o advogado-geral da União, José Eduardo Cardozo, em entrevista a esta Folha.

Além do óbvio interesse que o inspira a fazer declarações do tipo, cabe lembrar o quanto, na verdade, há na conjuntura política a sugerir conclusões de sentido inverso.

Tome-se, como exemplo, o famoso muro que deverá dividir manifestantes contrários e favoráveis ao governo neste domingo, em frente ao Congresso Nacional.

Imagem, sem dúvida, da cisão de opiniões na sociedade, ainda que prevaleça largamente o número dos que querem o impeachment.

Imagem, por outro lado, de coexistência. Não seria espantoso, em qualquer país democrático, que cenas de confronto sério já se tivessem repetido ao longo de uma crise com as proporções da que se desenrola no Brasil.

Lado a lado, prudentemente separadas, mas de forma pacífica, multidões se preparam para ocupar a Esplanada de Brasília, no domingo. É sinal de civilidade. Que a exaltação, o inconformismo e a violência não estraguem o momento da decisão.

 

REINALDO AZEVEDO: Entre o caos e a esperança, ao menos

Por definição, o governo Michel Temer é uma opção melhor do que a eventual continuidade dessa coisa sob o comando formal de Dilma Rousseff. É uma verdade aritmética e política. O vice não será titular com menos de 342 votos na Câmara e 54 no Senado. A petista poderia permanecer no Palácio ainda que com voto nenhum. Basta, para tanto, que o outro lado não atinja o mínimo necessário em cada Casa.

Ou por outra: Temer só será presidente com uma esmagadora maioria episódica, a partir da qual se estabeleceriam caminhos para uma maioria duradoura. Dilma, no entanto, pode continuar agarrada ao osso tendo como esbirro a Armata Brancaleone dos 171 ou se faltar um único voto a seus adversários.

Há um velho adágio latino segundo o qual os deuses, quando querem destruir alguém, começam por lhe tirar o juízo. E é a isso que estamos assistindo. Duvido que mesmo os esquerdistas, por mais lassa que seja a sua moralidade, sintam conforto ao ver Lula negociar a República num quarto de hotel.

A história brasileira não exibe nada semelhante. E se ignora que algo parecido tenha se dado alhures. Especialmente quando o negociador é um homem investigado pela polícia e não exerce cargo nenhum na República.

Por mais que a sem-vergonhice política tenha atingido limites insuspeitados; por mais que nossos critérios para avaliar a ação dos homens públicos tenham cedido ao relativismo; por mais que tenhamos aderido ao pragmatismo como o último deus, um país não pode mimetizar a rotina de um prostíbulo.

E tudo isso pra quê? Como diria o poeta, "pra nada!" As negociações desavergonhadas de Lula, se bem-sucedidas, manterão o país na desordem e ainda implicarão, necessariamente, o rebaixamento do atual padrão de gestão.

Se os moralistas de última hora reclamam da qualidade dos que mudam de lado e aderem ao impeachment, como vejo fazer alguns dos colegas colunistas, peço especial atenção, então, aos relevos de caráter dos que permanecem do lado de lá, aceitando a rotina das trocas.

Não bastasse, vem um recado do quarto de hotel: se o impeachment não for aprovado, Lula, então, assumirá o governo, e haverá uma nova gestão. Ora vejam: é uma gente capaz de chamar de "golpe" a ascensão do vice, que foi eleito, segundo a norma constitucional, e de entregar a Presidência da República a quem não obteve voto nenhum. Lula, aliás, acelerou a morte do governo Dilma. E vai ser impichado junto com ela.

A única possibilidade de haver um golpe branco na República é o impeachment não sair vitorioso –já que não tem como ser derrotado. Nesse caso, Lula continuaria à frente da Presidência, como está hoje, tendo Dilma como um fantoche. Para isso chegamos à democracia? Não creio.

As esquerdas inventam gestas que só existem na sua imaginação perturbada, talhada para justificar crimes. A deposição de Dilma seria só um rearranjo dos potentados econômicos, dispostos, mais uma vez, a espoliar o povo. Nem parece que o PT foi flagrado ora em decúbito dorsal, ora em ventral, com empreiteiros e outros membros das "zelites" menos impopulares no jornalismo.

Senhoras deputadas e senhores deputados, vocês escolherão neste domingo entre as possibilidades da esperança e o risco do caos.

E, no entanto, idiota da objetividade que sou –deixo os voos subjetivos para os colunistas do outro lado–, eu estaria aqui a defender o voto contra o impeachment se Dilma não tivesse cometido crime de responsabilidade. Mas ela cometeu.

Chegou a hora. 

Fonte: Folha de S. Paulo

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