Na FOLHA: Antecipação de eleição presidencial ganha respaldo entre senadores

Publicado em 05/04/2016 08:07
na edição desta terça-feira da FOLHA DE S. PAULO

Um bloco de nove senadores de PSB, PPS e Rede se articula para defender a realização de novas eleições presidenciais neste ano.

Nesta quarta (4), a ideia ganhou apoio de um peemedebista, o senador Valdir Raupp (RO). "Não seria uma renúncia. Não seria um impeachment, mas, sim, antecipar as eleições presidenciais que aconteceriam agora em outubro próximo, concomitantemente com as eleições municipais", disse o senador em discurso na tribuna.

Segundo Raupp, sua proposta ainda não envolve a apresentação formal de uma emenda à Constituição. "Não é uma proposta formal. Não é uma PEC [Proposta de Emenda à Constituição] mas poderá, diante de um entendimento, futuramente, ser lançada não por mim, mas por um conjunto de senadores ou parlamentares do Senado e da Câmara", disse.

Ele afirmou que ainda não levou o tema para debate no PMDB.

Governadores foram contatados e sinalizaram apoio à estratégia de antecipar o pleito. Sua viabilidade, contudo, é colocada em dúvida, porque não vai contar, de imediato, com o apoio de lideranças do PMDB mais ligadas ao vice-presidente, Michel Temer, principal beneficiário no caso de impeachment.

Apesar da reação da presidente ao editorial da Folha, de que "jamais renunciará", assessores da petista avaliam que, caso vença a batalha do impeachment, ela deveria avaliar a hipótese de propor a convocação de eleições presidenciais neste ano.

Segundo a Folha apurou, auxiliares da petista não só defendem a ideia como estão estimulando líderes do partido e de outras siglas a encamparem a tese de nova eleição presidencial como solução para a crise política.

O presidente da Câmara, Eduardo Cunha (PMDB-RJ), criticou a ideia. "Que eleições se vai fazer agora? Eu acho que é uma utopia. Não dá para aprovar e implementar uma emenda que cerceia direitos. Temos que parar de enganar a população lançando ideias utópicas que não vão ter resultado prático", afirmou Cunha.

Defensores da proposta argumentam que ela pode acabar se viabilizando caso se confirmem informações de que novas delações atingiriam não só a presidente Dilma, mas também o grupo de Temer e do PSDB, estimulando todos a buscar uma saída consensual para a crise.

Os senadores de PSB, PPS e Rede vão se reunir nesta terça (05) em um almoço para discutir a questão. Eles propõem a aprovação de uma emenda constitucional que viabilize a realização do pleito no segundo semestre.

Segundo um dos organizadores do bloco, há um temor entre eles de que a situação econômica e política do país se deteriore ainda mais após o processo de impeachment. Neste domingo, a Folha defendeu, em editorial, a renúncia de Dilma e Temer como solução para a crise.

A reação contrária da presidente, segundo petistas, não significa que ela seja totalmente refratária à ideia.

Hoje, disse um interlocutor de Dilma à Folha, ela já estaria propensa a debater o tema, o que não ocorreu da primeira vez que a ideia foi discutida dentro do governo, há cerca de dois meses. Oficialmente, a equipe da presidente nega que ela possa apoiar esta tese.

 

Saco de gatos contra impeachment

Por VINICIUS TORRES FREIRE

Nesta noite da política brasileira, há um grande saco de gatos pardos. Lá dentro, bichanos discutem a possibilidade de um acordão que evite o impeachment de Dilma Rousseff, ainda que a presidente seja sacrificada ou reduzida a figura decorativa.

Faz um mês, discutia-se um parlamentarismo de ocasião. Desde a semana passada, vaza do entorno de Lula e jorra das cercanias de Renan Calheiros a hipótese de uma eleição presidencial de emergência ou conveniência, convindo não se sabe bem ao quê.

A alternativa talvez seja uma solução para os possíveis efeitos devastadores das novas delações premiadas sobre a chapa Dilma-Temer.

Calheiros e seu círculo íntimo dizem que nenhuma hipótese de saída da crise deve ser descartada ("Onde fica a saída?", perguntou Alice ao gato que ria. "Depende de para onde você quer ir", respondeu o gato). O presidente do Senado ajudou a inflar a bola da nova eleição logo depois de desmoralizar o desembarque do PMDB liderado por Michel Temer.

Dilma Rousseff, por sua vez, rebateu a proposta de eleições de modo sarcástico, mas o chute saiu meio torto, para o lado, como se a presidente não rejeitasse inteiramente a ideia. Se entrassem no jogo os mandatos parlamentares, ela aceitaria conversar, disse ontem, meio fazendo troça. Calheiros, porém, aventou a possibilidade de que as eleições sejam gerais, de vereador a presidente.

Recorde-se ainda que, nas conversas de março entre PMDB e PSDB, senadores dos dois partidos diziam que várias possibilidades do que fazer com Dilma Rousseff ainda estavam "sobre a mesa". A conversa desandou um tanto, como se sabe, até porque foi atropelada pelos efeitos da caçada judicial a Lula. Mas havia gato pardo aí.

Por ora, não importa muito se a ideia é legal ou politicamente factível; se é golpe, contragolpe ou neogolpe. Também ainda não é um plano. Mas nota-se que há um grupo de gatos pardos e gordos que joga com a possibilidade de um acordão que abra uma porta no beco sem saída que é Dilma Rousseff, que resulte em acerto entre parte do PT e Lula com o PMDB e que, de quebra, afrouxe a corda da Lava Jato.

Por outro lado, o senador Romero Jucá, bateu ontem em Calheiros. Jucá vai assumir a presidência do PMDB no lugar do licenciado Temer. "Vai para a guerra" no lugar de Temer, que não deve "ficar exposto", diz um pessoal do PMDB: vai bater em Lula, em Dilma e fazer o partido desembarcar de fato. No entorno de Temer se diz que "não há hipótese" de apoiar eleições gerais nem de acordo com Lula-Dilma.

Ontem, Jucá pregou a derrubada do governo, que tratou de idiota que se afoga no raso. "O governo pegou uma bacia grande, encheu de água, ficou de joelho, botou a cabeça dentro e está morrendo afogado. Se o Brasil se levantar, o Brasil sobrevive. E é isso que o PMDB pretende fazer", disse Jucá.

Mesmo entre temeristas, diz-se que um terço dos deputados do PMDB ainda está com o governo. A tradicional indecisão, a possibilidade de pagar depois de entregue a mercadoria e o medo de perder essas talvez duas dúzias de votos para o impeachment levaram Dilma a adiar o fechamento do negócio com o PP, por exemplo, já avançado e capaz de solapar o impeachment.

O jogo e a jogatina ainda não acabaram. 

 

Para Renan, antecipação de eleições gerais é alternativa para o país

O presidente do Senado, Renan Calheiros (PMDB-AL), afirmou nesta terça-feira (5) "ver com bons olhos" a ideia de antecipar as eleições para outubro deste ano como forma de resolver a crise política do país.

Para o peemedebista, o novo pleito deve englobar todos os cargos eletivos: presidente da República, governadores, senadores e deputados. As eleições desse ano já contemplam prefeitos e vereadores.

"Se a política não arbitrar saídas para o Brasil, nós não podemos fechar nenhuma porta, deixar de discutir nenhuma alternativa, nem essa de eleição geral ou fazer uma revisão do sistema de governo e identificarmos o que há de melhor no parlamentarismo e no presidencialismo", afirmou.

A ideia de se antecipar as eleições presidenciais começou a ganhar força recentemente. Um bloco de nove senadores do PSB, PPS e Rede já iniciaram uma articulação para levar a tese adiante. Eles se reúnem nesta terça para fechar uma posição em bloco e avaliar como a proposta pode ser levada ao Congresso.

Nesta segunda, o senador Valdir Raupp (PMDB-RO) também defendeu a questão em um pronunciamento no plenário do Senado. "Não seria uma renúncia. Não seria um impeachment, mas, sim, antecipar as eleições presidenciais que aconteceriam agora em outubro próximo, concomitantemente com as eleições municipais", disse o senador no discurso.

A ideia, no entanto, não tem respaldo do PMDB. Segundo parlamentares do partido, a questão não deve ser levada adiante porque, além de questões legais, como a mudança de regras eleitorais a menos de um ano das eleições, também não haverá respaldo da classe política para tal.

A presidente Dilma Rousseff fez uma provocação aos parlamentares que defendem a ideia nesta terça. Em entrevista a jornalistas, a petista disse que concorda discutir a questão desde que deputados e senadores também aceitem participar de um processo eleitoral antecipado. "Convence a Câmara e o Senado de abrirem mão de seus mandatos. Aí, vem conversar comigo", disse a presidente.

Para Renan, a antecipação das eleições só deve acontecer se for geral, englobando todos os cargos eletivos no país. "Acho que antecipação de eleição presidencial é uma outra coisa. A tese que está sendo defendida é uma tese mais ampla e pode significar uma resposta da política para o Brasil que continua a demonstrar muita ansiedade", disse.

Questionado se acredita na possibilidade de o Congresso aprovar uma mudança na Constituição que viabilize a antecipação das eleições, Renan disse não saber se isso pode acontecer. "Se vai ser aprovada ou não, nós não sabemos, mas acho que temos que guardá-la como alternativa", disse. 

 

Sem saída, editorial da FOLHA

É fácil ver o quanto o governo Dilma Rousseff (PT) tem-se esforçado, nos últimos dias, para tentar evitar o impeachment. Difícil, contudo, é conceber o que a presidente pretende fazer caso permaneça no Palácio do Planalto.

O Ministério da Saúde, por exemplo, virou simples moeda para comprar apoio no Congresso, como se a pasta fosse desimportante e como se o país não enfrentasse epidemias virais graves –zika, dengue, chikungunya e gripe H1N1.

Tendo em mente apenas o objetivo de salvar a presidente, palacianos também rifam o Ministério da Educação, uma cenoura em tese capaz de atrair o PP –agremiação, não custa lembrar, campeã em aparições na Operação Lava Jato.

Pouco importa que o peemedebista Marcelo Castro (Saúde) e o petista Aloizio Mercadante (Educação) não se confundam com sumidades em suas áreas. Se perderem os cargos que ora ocupam, não terá sido pela falta de bons serviços à nação, e sim como consequência de um loteamento político que afeta mesmo as pastas mais relevantes.

A ausência de escrúpulos, naturalmente, não se manifesta somente no primeiro andar da administração. No segundo e no terceiro escalão, sobram cargos para o governo distribuir a futuros aliados.

Consta que articuladores do PT têm oferecido vagas nos Estados a que pertencem deputados federais de menor visibilidade, sejam integrantes do chamado "baixo clero", sejam parlamentares baseados nos grotões do país.

Dá-se preferência àqueles do Norte e do Nordeste, onde a presidente teve melhor desempenho eleitoral. Imagina-se que congressistas mais distantes das grandes cidades sentirão menos pressão pelo impeachment –movimentos anti-Dilma têm patrulhado políticos que não se juntam à oposição.

A manobra inclui a participação do ex-presidente Lula. No sábado (2), ele se reuniu em Fortaleza com dez integrantes de siglas como Pros, PTN e PDT. O petista também almoçou com governadores do Nordeste e, uma semana antes, encontrou-se com deputados de Alagoas, Pernambuco e Pará.

Pelas contas do governo, trata-se de conquistar cerca de 40 congressistas para chegar a 172 e com isso impedir que a oposição alcance os 342 votos necessários para encaminhar o processo de impeachment ao Senado. Em torno de 150 deputados se dizem indecisos.

O mais provável é que a taxa de indecisão se mantenha elevada até o momento da votação. Ao longo dos próximos dias, portanto, o Planalto fará de tudo para selar novas alianças, aviltando-se mais e mais. Caso sobreviva ao impeachment, o governo Dilma Rousseff sairá desse processo ainda menor.

 

Ruídos preocupantes, editorial da FOLHA

Na edição desta quarta-feira

O governo Dilma Rousseff (PT) há muito não prima pela sintonia entre seus dirigentes. Quando se trata de definir os rumos da economia, então, predomina uma dissonância paralisante, característica amplificada neste momento em que o único interesse do Planalto é garantir a própria sobrevivência.

De um lado, o governo acena com a promessa de maior responsabilidade administrativa. Caso Dilma sobreviva ao impeachment, seria preparada nova edição da "Carta ao Povo Brasileiro", que Lula divulgou em 2002 com vistas a tranquilizar os mercados.

A receita, com menor apelo dramático, continuou sendo utilizada nos últimos anos, sempre que o PT precisou conter temores de que estaria prestes a patrocinar uma guinada populista. O efeito dessa estratégia, porém, mostra-se declinante –e não só porque o Planalto abusou das mentiras.

É que os sinais recentes apontam para outra direção. A divulgação de que estaria em estudo na Petrobras uma redução de preços de gasolina provocouqueda de 9% no preço das ações. O presidente da estatal, Aldemir Bendine, negou a mudança, admitindo apenas um debate interno sobre maneiras de mitigar a queda das vendas, que chega a 10% neste ano.

Uma discussão dessa natureza até poderia ser oportuna se a situação fosse de normalidade, mas mal começou o esforço de reconstrução da estatal após o desastre provocado pelo PT e seus aliados.

A conta dos desmandos, infelizmente, recairá sobre o consumidor por bastante tempo, na forma de preços internos de combustíveis mais altos do que os praticados no mercado internacional. Nada poderia provocar mais danos à Petrobras, neste momento, do que se revelar mais uma vez suscetível a pressões populistas.

Esse não é o único motivo de alerta. O acordo do Executivo para renegociar a dívida dos Estados e municípios em termos generosos, algo em si inoportuno, pelo menos previa contrapartidas. Eis que o PT agora pretende abandoná-las a fim de agradar governadores.

Por fim, a modificação proposta na execução do Orçamento pelo ministro da Fazenda, Nelson Barbosa, sob o pomposo nome de Regime Especial de Contingenciamento, na prática se traduz como carta branca para o Poder Executivo descumprir metas de economia nas contas públicas.

É indisfarçável que o governo Dilma Rousseff quer encontrar maneiras de gastar mais.

A desafinação da orquestra e a imperícia da condutora já cobraram demais do país. A se confirmarem os ensaios populistas, há riscos de ruptura ainda maior no tecido econômico.

 

O golpe sem o impeachment, editorial do ESTADÃO

É inevitável a sombria perspectiva de um governo ainda pior que o desgoverno de hoje, na hipótese de que o impeachment de Dilma seja barrado na Câmara dos Deputados, que se tornou necessário considerar porque o Planalto está assumindo “compromissos com o rebotalho do Congresso, abrindo-lhe espaços nobres no Ministério e aviltando de forma inédita o exercício da Presidência”, conforme destacado em editorial publicado no domingo neste espaço. E, pelas notícias que vêm do submundo brasiliense, não são cargos apenas que são mercadejados. Também o dinheiro vivo compra ausências (por R$ 400 mil) ou votos (por R$ 1 milhão) que favoreçam Dilma. São importâncias calculadas, bem a propósito, para caber em cuecas ou peças semelhantes, como disso bem sabem notórios próceres do governo petista. Menos insultaria o político corrupto; mais tornaria o negócio arriscado.

A agravar essa perspectiva negativa, em especial no que diz respeito ao aviltamento do exercício da Presidência da República, está o fato de que uma reviravolta que garanta o mandato de Dilma implicará inevitavelmente o fortalecimento político de Luiz Inácio Lula da Silva e a provável confirmação de sua nomeação para o Ministério, que ele próprio acredita que acontecerá em breve.

Diante dessa possibilidade, a questão que se coloca é a seguinte: quem será efetivamente o chefe do governo? Dilma ou Lula? Não que faça muita diferença para o País, porque, do ponto de vista econômico, a ingovernabilidade tem raízes profundas no voluntarismo estatista do PT e isso não mudará. E, do ponto de vista político, este governo impopular continuará refém do fisiologismo escancarado no qual o baixo clero parlamentar foi acostumado a se esbaldar pela falta de escrúpulos do lulopetismo. Uma coisa é obter 172 votos e/ou ausências suficientes para barrar o impeachment. Outra coisa é garantir maioria de votos, mesmo que simples, para aprovar as iniciativas do Executivo. Trocando em miúdos, com o PT no poder, a economia não será saneada e a política continuará a esbórnia que tem sido. Ou seja, a moralidade não se restaurará.

Lula é visto pelo PT como a salvação da lavoura. E, se o impeachment não for aprovado, a influência do chefão no aliciamento de votos terá sido decisiva. Com esse crédito, ele será uma espécie de primeiro-ministro, detentor efetivo do poder, até porque é mais fácil acreditar em Papai Noel do que na hipótese de que Dilma, apesar de toda sua soberba e arrogância, tente com sucesso subordinar Lula a seu comando. E o próprio ex-presidente não faz segredo disso. Na visita que fez a Fortaleza no fim de semana, cansou-se de proclamar que vai virar ministro para “tomar as rédeas” do governo. É exatamente isso o que desejam, e não disfarçam, o PT e todas as entidades sindicais e sociais que são extensões do lulopetismo.

A se confirmar esse drible em Dilma – honi soit qui mal y pense – estará consumado o golpe que há meses ela teme e denuncia pois, em última análise, estará sendo deposta de facto, por meio, digamos, de um “arranjo doméstico”. E ninguém no PT e arredores moverá uma palha para protestar contra o golpe da usurpação do poder de quem foi consagrada nas urnas com mais de 54 milhões de votos populares. Lula e o PT, triunfantes mercadores de ilusões, estarão dando uma debochada banana para os dois terços de brasileiros que querem ver pelas costas Dilma Rousseff e tudo o que ela significa.

Com Lula no comando do governo e Dilma se dividindo entre o saudável pedalar matinal nas cercanias do Palácio da Alvorada e uma intensa agenda de inaugurações festivamente desimportantes Brasil afora, o País estará condenado a piorar – mas acreditando que melhora.

Populista irredimível, Lula acredita ter salvado com as próprias mãos o Brasil da crise mundial de 2008, sem se dar conta de que a “nova matriz econômica” em que embarcou crente de que estava abrindo as portas do Paraíso era a súmula do desastre. Anos de voluntarismo intervencionista paralisaram o País e surrupiaram a confiança dos brasileiros, interrompendo a produção de riquezas, única base sustentável para o verdadeiro desenvolvimento econômico e social. A Nação não aguenta mais do mesmo.

 

Após lavar as mãos, Dilma fará sumir sabonete, por JOSIAS DE SOUZA

(UOL)

Ao terceirizar a Lula a operação de salvamento do seu mandato, Dilma compôs uma versão particular do mito de Fausto. Hipotecou a alma ao Tinhoso por um prazo estipulado. Em troca da perspectiva de continuar usufruindo da sensação de poder pelos dois anos e nove meses que lhe restam de mandato, a pseudo-presidente paga adiantado o alto preço da desmoralização.

Nesta sua fase, digamos, desinibida o governo democrático e popular de madame escandalizaria o ex-deputado Roberto Cardoso Alves, que formulou no governo Sarney a doutrina político-teológia baseada no princípio franciscano do “é dando que se recebe”.

O Planalto acena com a hipótese de dar ao PP, partido com 32 filiados enrolados na Lava Jato, a pasta da Educação. E negocia com o mensaleiro Valdemar Costa Neto, em prisão domiciliar, a entrega ao PR da pasta da Agricultura ou equivalente.

Não é só: escancaram-se para as duas legendas as portas de acesso às diretorias, vice-presidências e presidências de instituições como Banco do Brasil, Caixa Econômica e Banco do Nordeste. O PSD do ministro Gilberto Kassab (SP) vai na rabeira, recolhendo as sobras.

No instante em que confiou a gerência do balcão a Lula, Dilma lavou as mãos. Ao permitir que o ex-presidente, agora na pele de ex-quase-talvez-quem-sabe-futuro-ministro, ofereça aos ratos os queijos finos do organograma estatal, Dilma parece decidida a fazer sumir o sabonete.

Lula e os demais operadores do governo executam seus papeis com tamanha competência e probidade que Dilma merece ser condenada à perda do mandato. Perdeu-se ao longo dos 13 anos de poder petista um elemento essencial na política: o recato.

 

Herança dilapidada

por HÉLIO SCHARTSMAN, DA FOLHA DE SÃO PAULO - 

Uma das leis de ferro da política é aquela que assevera que governos que não tenham sustentação acabam caindo. A queda pode materializar-se de diversos modos. Há desde os golpes de Estado clássicos, com tanques nas ruas e tudo, até insurreições populares, como vimos na Argentina em 2001, passando por acordões de elites, assassinatos políticos e mesmo soluções institucionais, como o impeachment ou a destituição judicial.

No limite, o governo pode até cair sem cair, que é o que ocorre quando uma administração já não tem condição nenhuma de gerir o país, mas a sociedade não encontra uma maneira de resolver o impasse, de modo que as forças da inércia prevalecem. É claro que um governo que não governa deixa de ser um governo.

O cardápio só traz pratos indigestos. A dupla renúncia (de Dilma e Temer), como quer a Folha, seria dos menos intragáveis, mas me parece uma possibilidade extremamente remota. Exigiria um nível de desprendimento que não vejo nos personagens envolvidos. Em seguida, numa escala que combina palatabilidade com probabilidade, vem o impeachment.

Ele tem a vantagem de ser uma saída prevista pela Constituição e muito mais civilizada que o assassinato, mas com a desvantagem de entregar o poder ao PMDB, um partido que está tão metido quanto o PT nos malfeitos que deflagraram a crise. O ponto é que, a essa altura, a situação econômica é tão ruim que mesmo uma mudança incerta parece preferível à certeza de manter o "statu quo".

Meio a contragosto –prefiro sempre ver mandatos chegarem à sua conclusão–, começo a achar que o impeachment é uma solução aceitável. Dilma teve a chance de fazer um bom governo –ela própria disse ter recebido uma herança bendita e teve apoio de todos os setores–, mas fracassou. Deve assumir seus erros. Seu direito de concluir o mandato não é maior que o direito de milhões de brasileiros a um governo funcional.

 

Reconstrução

Por BENJAMIN STEINBRUCH

O país passa por um momento de importantes definições políticas. Se haverá ou não troca de governo, essa é uma decisão que vai caber ao Congresso Nacional e ao Supremo Tribunal Federal.

Sem entrar no mérito da monumental batalha política travada neste momento, observo que, qualquer que venha a ser o grupo vencedor, este precisará enfrentar com determinação nossos dois principais problemas imediatos, que são a recessão e o desemprego.

Não vai bastar a busca do equilíbrio fiscal, peça-chave do atual discurso neoliberal. Cuidar das contas públicas é tarefa básica, importante e obrigatória para todo administrador, mas só isso não leva ao crescimento da economia.

Um dos erros do governo Dilma em seu primeiro ano do segundo mandato foi o foco único no ajuste fiscal, sem preocupação maior com o emprego e com o ritmo da economia, que desacelerou rapidamente e entrou em uma recessão agora difícil de ser debelada.

Os mais jovens podem não acreditar, mas o Brasil vai sair da atual crise política e, quando isso ocorrer, seja qual for o governo, precisará rapidamente tomar medidas antirrecessão. E elas são óbvias: corte de juros básicos, que permanecem inexplicavelmente em 14,25% ao ano, taxa que envergonha o país; estímulo ao crédito para consumo e investimentos –nenhuma economia anda sem isso; e incentivo a atividades com alto índice de geração de emprego, principalmente a construção civil e a infraestrutura.

Além disso, esse governo pós-crise terá de pôr em andamento medidas de efeito a médio e longo prazo, aquelas reformas há tanto tempo reclamadas pela sociedade.

A reforma tributária, por exemplo, poderá diminuir a carga de impostos, o que exigirá reforma administrativa para cortar gastos públicos correntes com a pesada máquina governamental. O governo se tornaria, então, mais regulador e menos empreendedor, deixando a tarefa de empreender para o setor privado.

Na área trabalhista, a reforma seria na linha da flexibilização da legislação, com a adoção de jornadas variáveis, negociações diretas entre empregado e empregador, trabalho em casa e outras medidas modernizantes. Hoje, infindáveis custos, obrigações e burocracias levam muitas empresas a ter medo de contratar empregados.

Garantidos os direitos adquiridos, a reforma previdenciária terá de caminhar no sentido de obrigar as pessoas a se aposentar mais tarde, acompanhando o aumento da expectativa de vida da população.

A política, gostemos ou não, clama por um novo sistema eleitoral que melhore a representatividade e promova a renovação dos quadros. E talvez o país tenha de avaliar seriamente a adoção do parlamentarismo. A crise atual deixou claro que o presidencialismo é incapaz de apagar incêndios políticos sem traumas nacionais.

De qualquer forma, a normalização do quadro político, quando vier, dará início a uma fase na qual será recomendável lembrar que governos não são ilhas e devem aproveitar pessoas e programas bem-sucedidos no passado recente.

A estabilização da era FHC, por exemplo, deve servir de inspiração para um combate à inflação que vá além da inaceitável política de juros na lua. Os avanços no setor social da era Lula/Dilma também devem ter continuidade.

O país vive um momento de radicalizações, mas seria uma lástima se boas experiências recentes fossem jogadas no lixo por puro preconceito ideológico ou partidário.

Fonte: Folha de S. Paulo + ESTADÃO

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