A economia afunda em ritmo cada vez mais rápido, as ruínas se acumulam pelo caminho

Publicado em 01/04/2016 06:54
por Vinicius Torres Freire, na FOLHA DE S. PAULO

Governo morto ainda vive

Por VINICIUS TORRES FREIRE

Quem "fecha os olhos para a defesa de valores como a democracia, a liberdade, a governabilidade" deixa de "defender o interesse nacional".

Poderia ser uma frase de Dilma Rousseff em um dos comícios em que prega o desmonte do cadafalso do impeachment. Mas isso era o que dizia ontem Renan Calheiros, presidente do Senado, cardeal do PMDB.

Durante março inteiro, Calheiros dizia sibilinamente que "preferia" não ter de presidir o julgamento da deposição da presidente. Ontem, Calheiros levantou o pau da barraca que parte de seu partido chutara na dita e propagandeada "superterça" de desembarque do governo.

Foi ainda um dia em que o governo conseguiu levar outro tanto de gente manifestante para as ruas, justo no 31 de Março de sinistra memória de um golpe de fato. Um dia em que o juiz Sergio Moro levou imensa bronca no Supremo.

O governo estertora e estrebucha, mas não está morto o bastante, digamos. A cena, porém, é horrível. Pode até causar algum revertério na animação dos povos dos mercados, que no mês de março voltaram às compras na feira de papéis baratos em ritmo que não se via fazia mais de uma década.

Também ontem, o governo de Dilma Rousseff corria na xepa, na tentativa de adquirir apoios, por cabeça e em pequenas baciadas, no PP, no PR e no PSD. Apertou as mãos do PMDB do Pará, de Jader Barbalho. Cortava cabeças de PMDBs de oposição em lugares como Conab (Companhia Nacional de Abastecimento) e Dnocs (Departamento Nacional de Obras Contra as Secas).

Conab e Dnocs são duas instituições tombadas como patrimônio universal da fisiologia, moeda sempiterna do barganhão, assim como a Funasa e o Dnit (Departamento Nacional de Infraestrutura de Transportes).
É fácil perceber os efeitos desse loteamento desavergonhado, que gente ainda mais baixa que a do ministério anterior ocupe postos centrais da administração.

No curto prazo, não importa: pode dar esperança de sobrevida ao governo e ao cadáver do presidencialismo de aquisição, sempre mais podre e, no entanto, vivíssimo, até que nos empesteie de modo terminal, do que estamos perto.

Decerto é difícil interpretar a dança de Calheiros e mesmo de aliados seus no Senado.

"A partir de hoje, nesta reunião histórica, o PMDB se retira da base do governo da presidente Dilma. E ninguém no país está autorizado a exercer qualquer cargo federal em nome do partido", dissera na terça Romero Jucá, vice do partido.

"Não acredito que o PMDB, seja qual for o cenário, vá liderar uma corrente de oposição no Parlamento", dizia Calheiros, dois dias depois: ontem, quando ainda havia seis ministros do PMDB no governo. Quanto à cerimônia do adeus farsesco de terça-feira, o presidente do Senado a qualificou de "precipitada" e "pouco inteligente".

A possível morte, o eventual enterro de Dilma 2 e o possível nascimento de Temer 1 serão mais complicados do que se previa. De menos incerto sabe-se que a economia afunda em ritmo cada vez mais rápido, vide a receita federal de impostos, o crédito, o consumo, o salário e o emprego; que juros e inflação permanecerão altos pelo menos até passada a metade do ano. As ruínas se acumulam pelo caminho de quem ficar ou vier.

 

Passai, radicais do pouco!

Por REINALDO AZEVEDO

Adoraria estar a travar outro debate com o PT, distante de uma delegacia de polícia. Sou crítico da turma há muito tempo. Criei o termo "petralha" quando a legenda estava no poder em Santo André, antes ainda de Celso Daniel ser assassinado.

Mas nem eu imaginava que os "companheiros" pudessem chegar tão longe na profissionalização do assalto aos cofres públicos. Eu preferiria estar aqui a debater com petistas, por exemplo, se precisamos mesmo de uma Petrobras majoritariamente estatal.

Na minha fantasia, a empresa não é um valhacouto. Ao contrário. É exemplarmente administrada por burocratas imbuídos da missão de demonstrar a superioridade gerencial do Estado e de provar quão falaciosa é a ideia de que é o lucro que conduz à excelência técnica. Essa Petrobras poderia melhorar o meu combate porque me obrigaria a enfrentar argumentos difíceis.

Em vez disso, tenho de me haver com vagabundos, desclassificados e chicaneiros. O maior mal que o PT faz a seus adversários é lhes fornecer motivos de rejeição tão tristemente mundanos.

O petismo nos impede de debater economia política e nos remete para a briga de rua. O partido empobrece a retórica. Não me refiro àqueles discursos pastosos dos que falam para esconder o que pensam. Trato aqui da retórica virtuosa, que pode alcançar um lugar inédito do pensamento à medida que é obrigada a se desenvolver para enfrentar a qualidade do outro.

Se não forem nossos adversários a nos melhorar, quem o fará? Os amigos tendem, felizmente, a nos conduzir por caminhos docemente viciosos. A amizade, como o amor de Guimarães Rosa, há de ser um descanso na loucura. Gostamos das pessoas, às vezes, porque são um pouco tortas, né?

É dos adversários, nas questões de natureza pública, que cobramos a retidão. É o certo. A sua razão de ser é nos levar a desenvolver armas retóricas de precisão para atingir com mais eficiência os nossos alvos, as nossas pretensões. Confessem: às vezes gostamos de pensar que aqueles que combatemos são um pouco melhores do que são só para que não nos sintamos também miseráveis.

Olhem a que fomos reduzidos. O artigo assinado pelo ator Wagner Moura, naFolha desta quarta (30), teve ao menos uma virtude: expôs, até com certa candura, a moral degenerada de amplos setores da esquerda. O rapaz admite que o PT se ampara num esquema criminoso, mas considera, com argumentação jurídica canhestra, que impeachment é golpe.

Segundo o autor, o que está em curso, na verdade, é um surto moralista dos que não aceitam o resgate da dívida social que o PT teria empreendido. O corolário da tese do sr. Moura é que só esquerdistas teriam o direito de combater os roubos do PT.

Repete, agora no terreno do assalto puro e simples, a argumentação de seguidas gerações de intelectuais de esquerda que se negavam, no século passado, a reconhecer os crimes do stalinismo porque isso corresponderia a agredir as ditas esperanças da classe operária, de que o Partido Comunista seria monopolista.

Eu lhes dedico um trecho do "Ultimatum", de Álvaro de Campos (Fernando Pessoa), escrito em 1917, no ano da revolução bolchevique: "Passai, radicais do Pouco, incultos do Avanço, que tendes a ignorância por coluna da audácia (...) [passai] socialistas a invocar a sua qualidade de trabalhadores para quererem deixar de trabalhar! Rotineiros da revolução, passai!".

 

Dilma é par de Collor

Por ROGERIO GENTILE, DE SÃO PAULO - 

Sob o risco de deixar Brasília pela porta dos fundos da história, Dilma se comparou a Jango ao dizer que é vítima de um golpe e pedir a reedição de uma nova campanha da legalidade. Mesmo sem desmerecer o sagrado direito de espernear da presidente, não há como não discordar da analogia. Collor é o seu verdadeiro par.

Assim como o predecessor, Dilma comanda uma gestão desmoralizada pela corrupção. O eleito em 1989 teve no irmão (Pedro Collor) o algoz que o delatou. A atual presidente foi alvejada pelo líder do seu governo. Se tudo o que Delcídio afirmou é verdade, a petista sabia que havia um esquema de superfaturamento na compra da refinaria de Pasadena.

Dilma, da mesma forma que Collor, também perdeu o controle da base parlamentar na esteira da derrocada de sua popularidade. Cerca de um mês antes de sair do cargo, 68% dos brasileiros avaliavam Collor como "ruim ou péssimo" e 75% pediam impeachment. Dilma é "ruim ou péssima" para 69% e 68% defendem o impedimento. Vale notar que, naquela época, assim como agora, parcela importante da sociedade se dizia contra a medida: 18% declaravam não concordar e advogados conceituados diziam que não havia crime de responsabilidade. Hoje, 27% rejeitam o impeachment.

O então presidente, assim como Dilma, afirmava que o processo era um golpe que "feria regras básicas da democracia". Collor usava a expressão "sindicato do golpe" e comparava os adversários a "porcos". Dilma não chegou a tanto, ao menos em público, mas chama o movimento atual de "conjuração que ameaça a estabilidade democrática".

No caso Collor, a própria "cadeia da legalidade" foi invocada. Aliado do governo, Brizola disse que estavam tentando "garrotear" as instituições. Lula, na oposição, respondeu: "Quero é colocar a ilegalidade na cadeia". Os atores mudaram, alguns trocaram de papel. Mas a história é essencialmente a mesma.

 

Um elenco de golpistas

Por RUY CASTRO, DO RIO DE JANEIRO - 

Já vivi vários golpes de Estado e todos me pegaram de surpresa. Nada demais nisto, nunca participei de qualquer governo, nem podia saber que havia um golpe em curso. O incrível é que esses golpes pegaram de surpresa também os governos que derrubaram. Claro -ou não seriam golpes.

O golpe que vem sendo denunciado pelo governo Dilma é diferente. Dá-se à luz do dia, tramado por 73% da população, que desaprova o dito governo, sob as barbas do Senado Federal, da Câmara dos Deputados, de membros do STF, da Procuradoria Geral, do Ministério Público, da Polícia Federal, da OAB e de outras instituições da República, que nada fazem para impedi-lo, e obedece a um complexo ritual de trâmites, todos com data marcada com meses de antecedência. E, contrariando a natureza dos golpes, em que os golpistas atuam embuçados e na sombra, neste eles vêm à boca de cena e se identificam publicamente.

Na terça última (29), inúmeras categorias profissionais ocuparam as páginas dos jornais dizendo que gostariam de ver a presidente pelas costas. E se assinaram: fabricantes de sorvete, chocolate, biscoitos, balas, doces e derivados; plantadores de milho, cana e amendoim e produtores de óleos e azeites, leite, soja e macarrão. Sindicatos das indústrias de tintas e vernizes, cerâmicas e olarias, parafusos, porcas, rebites e similares, de artefatos de metais ferrosos e não ferrosos, de curtimento de couros e peles e de extração de mármores, calcários e pedreiras.

Industriais da cerâmica de louça e porcelana, da recauchutagem de pneus e retífica de motores e do beneficiamento de fibras vegetais e descaroçamento de algodão. Alfaiates, gráficos, farmacêuticos, misturadores de adubos, criadores de suínos e controladores de pragas urbanas. Etc. etc. etc.

Nunca se viu um elenco tão variado de golpistas.

 

Liquidação no Planalto, EDITORIAL DA FOLHA

O grau de abjeção em que se projetou a Presidência da República pode ser mensurado pelo que Dilma Rousseff (PT) tem feito com o Ministério da Saúde.

O país, como todos sabem, enfrenta graves epidemias virais: zika, dengue, chikungunya, gripe H1N1. Apesar disso, a pasta chave, com seu orçamento de R$ 118 bilhões, está em oferta como prenda na quermesse política de Brasília.

Não que o ministro atual, guindado à posição no surto anterior de negociações imorais (ainda na ilusão de afastar o PMDB das tentações do impeachment), se notabilizasse por eficiência ou sabedoria. As declarações impróprias de Marcelo Castro (PMDB-PI) têm produzido estupefação e manchetes.

Pois bem, ele agora corre o risco de enfim ser exonerado. Não, porém, por incompetência e omissão, nem por lotear o segundo escalão entre asseclas. Castro sairia para abrir espaço ao Partido Progressista, de Paulo Maluf.

Os desesperados operadores de Dilma não parecem incomodar-se com o fato de, na quarta (30), a Procuradoria-Geral da República ter denunciado, de uma só tacada, sete políticos do PP sob a acusação de corrupção e ocultação de bens.

Na balança fraudulenta do Planalto, pesa pouco que a agremiação seja a campeã em membros investigados na Lava Jato. Importa mais que prometa arrebanhar 49 votos na Câmara contra o impedimento da presidente.

A traficância de gabinetes na Esplanada traria outros 40 sufrágios do Partido da República e mais 31 do Partido Social Democrático -que não se percam pelos nomes. E 27 votos, pela mesma via espúria, de uma penca de agremiações nanicas (PTN, Pros, PHS, PT do B, PSL), mais que nunca merecedoras do diminutivo.

Tal a base de lama renovada em que tenta firmar os pés uma presidente cuja capacidade de indignar-se com falcatruas se mostra a cada dia mais seletiva. Não se tem notícia da mandatária que estreou prometendo faxinas ministeriais -que sirva de lição a quem acreditou em mais essa ficção marqueteira.

O governo federal trabalha hoje apenas para sobreviver, e não para tentar dar fôlego a um país afundado em grave recessão. O Planalto se transformou num bunker devotado a maquinar táticas fracassadas no nascimento.

Dilma Rousseff só abre as portas do Palácio do Planalto para transformá-lo em palanque. Despiu-se dos escrúpulos remanescentes para converter a Presidência da República em aríete contra o derradeiro moinho de vento petista, vociferando a palavra de ordem "não vai ter golpe" sob aplausos da claque restante.

Sem o menor pudor, Dilma Rousseff rifa o que lhe restou de governo para salvar a própria pele. A única coisa que comanda no presente é a liquidação do Planalto.

Fonte: Folha de S. Paulo

NOTÍCIAS RELACIONADAS

Cerca de 80 países chegam a acordo sobre comércio eletrônico, mas sem apoio dos EUA
Brasil terá bandeira verde para tarifa de energia em agosto, diz Aneel
Wall Street termina em alta com apoio de dados de inflação e ações de tecnologia
Ibovespa avança mais de 1% impulsionado por Vale e quase zera perda na semana; Usiminas desaba
Dólar acumula alta de quase 1% na semana em que real foi pressionado pelo iene
Podcast Foco no Agronegócio | Olho no mercado | Macroeconomia | Julho 2024