TORPE E INDIGNO (editorial do ESTADÃO) sobre Lula

Publicado em 19/03/2016 10:59
Água de morro abaixo; isolamento; e Dilma decidiu inflar Lula (por Dora Kramer, Eliane Cantanhede e Elio Gaspari)

 

Torpe e indigno, editorial do ESTADÃO

Qual é o verdadeiro Lula? Aquele que, sem saber que estava sendo ouvido, afirma que o STF e o STJ estão “totalmente acovardados”; cobra gratidão do procurador-geral da República pelo fato de ter sido nomeado pelo governo petista; classifica de “palhaçada” a denúncia de que é alvo por parte do Ministério Público; manda policiais e procuradores enfiar em lugar impublicável as investigações que o envolvem; ou aquele que, em “carta aberta” obviamente escrita por gente alfabetizada, tenta corrigir o devastador efeito negativo da divulgação de suas conversas telefônicas legitimamente gravadas e divulgadas – não “vazadas” – pela Operação Lava Jato?

Afirma Lula, no texto que assinou – e que devem ter lido para ele –, que como presidente da República sempre respeitou o Poder Judiciário e apela ao recurso demagógico de se fazer de vítima que tem sua intimidade “violentada por vazamentos ilegais” e apela à falsa condição de pobrezinho, pessoa humilde e bem-intencionada: “Não tive acesso a grandes estudos formais. Não sou doutor, letrado, jurisconsulto. Mas sei, como todo ser humano, distinguir o certo do errado; o justo do injusto”. Lula não diz a verdade. Ele, de fato, sabe o que é certo e o que é errado. Mas nunca quis saber como se distingue uma coisa da outra. Para ele, certo é tudo aquilo que faz e lhe dá prazer e proveito. Errado é o que não lhe apraz ou pode prejudicar.

Tem sido sempre assim. Reeleito presidente, passou a demonstrar completo desrespeito pelo Judiciário, ofendendo gravemente o STF com a afirmação de que o processo do mensalão era uma farsa que ele trataria de desmontar depois que deixasse o poder. Mas então o petrolão já estava funcionando a pleno vapor e acabou com a fanfarronice do chefão petista.

O perfil moral do ex-presidente foi descrito, em palavras duras, pelo decano da Suprema Corte, ministro Celso de Mello, ao repudiar, sem citar nomes, as “ofensas” e “grosserias” de que os ministros togados foram alvo por parte do ex-presidente: “Esse insulto ao Judiciário, além de absolutamente inaceitável e passível da mais veemente repulsa por parte dessa Corte Suprema, traduz, no presente contexto da profunda crise moral que envolve os altos padrões da República, a reação torpe e indigna, típica de mentes autocráticas e arrogantes que não conseguem esconder, até mesmo em razão do primarismo de seu gesto leviano e irresponsável, o temor pela prevalência da lei e o receio pela atuação firme, justa, impessoal e isenta de juízes livres e independentes”. Várias entidades representativas de juízes, do Ministério Público e dos policiais também repudiaram a tentativa de desqualificar o trabalho da força-tarefa da Lava Jato e do juiz Sergio Moro.

A verdade é que Lula, hábil manipulador e especialista em dizer o que as pessoas querem ouvir, subiu na vida no papel de líder populista, pragmático no pior sentido do termo, sem nenhum compromisso sério senão com a crescente volúpia pelo poder. Inculto, mas espertalhão, Lula deu um nó nos intelectuais esquerdistas que se iludiram com a possibilidade de manipulá-lo e, com indiscutível apoio popular, fingiu converter-se à política econômica que vinha produzindo resultados e se elegeu à Presidência da República para amoldar a seu feitio o “novo regime”: uma ação entre amigos com sotaque nitidamente sindical.

Enquanto a economia permitiu, o governo Lula mergulhou fundo em programas sociais indiscutivelmente meritórios, mas insustentáveis quando o panorama mundial se tornou adverso e a incompetência de Dilma Rousseff impediu as necessárias correções. Hoje, com o governo se desintegrando politicamente, inflação e desemprego crescentes e sem recursos para investir em programas estruturantes, os brasileiros caíram na real. Já não têm ilusões e isso os faz lutar por seus próprios direitos e interesses, o que significa pôr-se do lado oposto do governo responsável por suas frustrações.

Lula, porém, parece acreditar que ainda conseguirá sobreviver ao desastre político, econômico e moral que montou. Mas isso ficou muito mais difícil a partir do instante em que as autoridades começaram a revelar à Nação, com detalhes, os esquemas de corrupção que vêm sustentando o lulopetismo. E, nesse processo, ficou exposta a verdadeira face de Lula, esse populista irresponsável que procura dissimular sua verdadeira condição de abastado burguês para manter a pose de líder popular que compartilha o destino dos pobres.

 

 Água de morro abaixo, POR DORA KRAMER (no ESTADÃO)

Aos escândalos de corrupção e ações de má gestão acrescentam-se dois fatores que tornam o governo insustentável: o repúdio das ruas e o comportamento indecoroso dos mais poderosos entre seus integrantes. Neste último quesito, o homem que presidiu o País por oito anos e volta agora para presidi-lo de fato, deu o empurrão que faltava.

O palavreado chulo usado nas conversas telefônicas dele com amigos e correligionários choca, mas não surpreende. É apenas algo mais grosseiro, obsceno, arrogante e sexista que o linguajar usado em público, inclusive enquanto presidente da República. Aquele que se mostra por inteiro nas gravações da Polícia Federal é o mesmo de sempre. Desde o tempo em que presidia o Sindicato dos Metalúrgicos de São Bernardo do Campo e ainda assinava Luiz “Ignácio” e sem a incorporação do apelido ao sobrenome. 

A ausência de decoro não se expressa apenas na falta de civilidade idiomática, mas também no modo de agir. E aqui falamos da presidente Dilma Rousseff e sua deliberação ação para proteger Lula da prisão. Suas negativas não resistem à recomendação para que ele assinasse o termo de posse na Casa Civil antecipadamente e o usasse em “caso de necessidade”. Dilma alegou que se tratava de uma precaução para o caso de o ministro nomeado não poder comparecer à cerimônia de posse.

Se fosse verdade, a presidente é quem usaria o documento. A aludida “necessidade” seria dela; de formalizar a posse do ministro. No entanto, Dilma transfere o uso à conveniência de Lula. Óbvio: para o caso de o juiz Sérgio Moro acatar o pedido de prisão preventiva feita pelo Ministério Público de São Paulo. Ademais, não consta que o mesmo não tenha sido pedido a Jaques Wagner, que assumiria a chefia de gabinete da Presidência estando ausente da posse. O ex-chefe da Casa Civil naquele dia fazia aniversário e estava em Salvador.

Evidenciada a fraude, queira o bom senso que o Palácio do Planalto não tenha feito uso de documento falso ao exibir o termo de posse assinado apenas pelo ministro nomeado. Sem a assinatura da presidente o papel não teria validade. Se a ideia era deixar a parte burocrática em ordem, a firma de Dilma deveria necessariamente constar da documentação.

É também a respeito desse tipo de atitude - que, diga-se, não é nova - que se insurge parcela significativa da sociedade, contra a qual a presidente Dilma se colocou na quinta-feira ao qualificar os protestos como “gritaria de golpistas”. Abandonou o tom conciliador e os apelos à moderação, preferindo aderir à provocação. Apresenta-se, desse modo, em estado de completa submissão ao antecessor que transformou em sucessor “in pectore”, transferindo a ele as decisões de governo e aderindo à tática de confrontação proposta por ele.

Preferiu dar um “não” às ruas que, em contrapartida, exigem um “sim” à sua renúncia.

 

No ESTADÃO: 

Isolamento, por ELIANE CANTANHEDE

O Brasil, senhoras e senhores contra ou a favor do governo, deu um show de democracia numa semana tão bombástica. No domingo, 1,4 milhão de pessoas pintaram a Paulista de verde e amarelo para gritar “Fora Lula, fora Dilma, fora PT”. Na sexta, 80 mil adotaram o vermelho para rechaçar o impeachment e berrar o oposto: “Fica Lula, fica Dilma, fica PT”. Não houve confronto, pancadaria, medo. Houve, sim, um espetáculo de cidadania, além de uma oportunidade para comparações.

Os “coxinhas” de domingo, com seus pais, filhos, vizinhos e colegas de trabalho, pareciam ir ao parque exigir um País melhor e mais digno. Os “mortadela” de sexta, cansados de guerra em manifestações, mudaram de lado: os mesmos que, corajosamente, iam às ruas para cobrar justiça e combater a corrupção, agora vão para malhar o juiz Sérgio Moro, símbolo exatamente de justiça e de combate à corrupção. E ninguém se esgoelou contra o desemprego!

Foi a eles que o ex-presidente e quase, futuro ou ex-ministro (é para não entender mesmo...) Lula se dirigiu com a camisa e a cara vermelhas, voltando no tempo. Com o mesmo carisma e tom que o transformaram no maior líder de massa da história recente, Lula ignorou o País indo ladeira abaixo com Dilma e a indústria, as lojas, os serviços despencando. Ignorou também o assalto à Petrobrás, a promiscuidade com as empreiteiras, as múltiplas empresas dos filhos nos seus próprios anos. Falou dos ganhos de seis, sete anos atrás, perdidos no espaço.

Se as imagens foram lindas e incandescentes tanto no domingo quanto na sexta, foram diferentes dimensões: 23 quarteirões da Paulista no domingo, com as mais variadas pessoas e nenhuma bandeira de partido, e onze na sexta, com militantes ou convocados pelo PT, PC do B, CUT, MST, UNE. Em décadas anteriores, muitos daqueles de domingo eram liderados por estes, da sexta, contra a ditadura, a favor das Diretas-Já, pelo impeachment de Collor. Hoje, os de vermelho fecham-se em torno deles próprios.

Isso se repetiu pelo País todo e casa com o ambiente de Brasília, onde Dilma e Lula trancam-se em palácio com os aliados incondicionais, largam pelo caminho os conquistados pelo “Lulinha Paz e Amor” e os anos de crédito, consumo e alegria e irritam os demais. O procurador-geral, Rodrigo Janot, frisou que deve o cargo à sua longa carreira. O decano do Supremo, Celso de Mello, considerou um “insulto” Lula chamar o tribunal de “acovardado” nos grampos e Gilmar Mendes virou herói das redes sociais ao suspender a nomeação de Lula para o ministério e jogá-lo de novo no colo de Moro.

A OAB – autora do pedido de impeachment de Collor – decidiu por 26 a 2 apoiar o de Dilma e a CNI prega que “é imprescindível restabelecer a governabilidade”. Só faltou a Receita Federal estranhar a carteirada de Lula para o ministro Nelson Barbosa (que é quem se sai melhor das fitas...) estancar as investigações no Instituto Lula.

Para fechar a semana, o novo ministro da Justiça, Eugênio Aragão, que era do MR-8, passou pelo Santo Daime e virou ministro porque o antecessor foi derrubado pelo STF e José Eduardo Cardozo se negava a meter a mão na PF, declara ao repórter Leandro Colon que “se sentir cheiro de vazamento (das investigações), a equipe da PF será trocada, toda”. Pronto, incendiaram de vez a PF. Ficou faltando alguma instituição?

É nesse ambiente que a Comissão do Impeachment começou a contar prazo na sexta, com quórum até nas segundas e sextas e os partidos aliados ao Planalto anunciando uma defecção por dia. Ah! Paulo Maluf estava na posse de Lula e está na comissão, mas onde estavam os outros aliados de Dilma nas manifestações de sexta-feira, afora o PC do B? Bem longe das ruas, fazendo cálculos de vantagens e desvantagens (para eles, claro) entre Dilma Rousseff e Michel Temer.

 

Dilma decidiu inflar Lula, POR ELIO GASPARI

Resta saber qual, o do Pixuleco das ruas ou o regente que voltaria a Brasília livrando-se de Sérgio Moro

Dizer que o 13 de março foi a maior manifestação política da história do país é pouco. Ao contrário dos grandes comícios das Diretas, as manifestações de domingo não tiveram participação relevante de governos estaduais, muito menos transporte gratuito. Isso para não mencionar o vexame dos tucanos que tentaram surfar a cena, foram para a Avenida Paulista e ouviram o ronco da rua.

Em 1984, o palanque do Comício da Sé tinha 120 metros quadrados e foi montado pela Paulistur. No do Rio, os palanques foram dois, um só para VIPs, mais um pódio e passarela para os artistas que se acomodavam num prédio próximo. Sinal dos tempos: em 1984, receando vaias da militância petista, o governador de São Paulo, Franco Montoro, chegou ao proscênio ao lado de Lula. (A cena foi coordenada pelo advogado Márcio Thomaz Bastos.) Passou o tempo, e Lula, onipresente nas ruas com seus bonecos infláveis, foi convidado pela doutora Dilma para voltar a Brasília como regente do ocaso do governo e do PT.

O que houve no dia 13 foi povo na rua repudiando o governo e uma oligarquia ferida pela Lava-Jato. A prova disso esteve na beatificação do juiz Sérgio Moro. O paralelo com as Diretas resume-se a uma questão numérica, mas difere nos desdobramentos.

Nos dois casos, a iniciativa caduca se não conseguir dois terços dos votos dos deputados. Em 1984 caducou, pois, apesar de ter conseguido 298 votos, faltaram-lhe 22. Hoje 171 votos dos 518 deputados seriam suficientes para arquivar o pedido.

Admita-se que, num improvável gesto de ousadia dos oligarcas, o impeachment seja mandado ao arquivo. Em 1984, o arquivamento da emenda fechou a porta. Hoje há outra. É a possibilidade da cassação da chapa Dilma-Temer pelo Tribunal Superior Eleitoral. Os dois processos têm origens diversas. O impedimento está ancorado nas pedaladas fiscais. O TSE julgará a conexão das contas da campanha da doutora com as propinas confessadas por empresários e políticos. A votação do impeachment ocorrerá antes do julgamento. Entre um e outro, poderá ressurgir o grito de Diretas Já, pois, nesse caso, seriam convocadas eleições para até 90 dias depois da sentença.

O ministro Jaques Wagner tem toda a razão quando diz que a Operação Lava-Jato está criminalizando a política. Ele e o PT não perceberam que o juiz Moro está botando na cadeia criminosos que se meteram em transações políticas para atacar a bolsa da Viúva. Quem criminalizou a política foram os criminosos, seguindo um velho hábito da oligarquia. O PT se meteu nesse jogo porque quis.

Jaques Wagner atribui o tamanho do 13 de março à crise econômica. Novamente, tem razão, mas expõe a ruína do governo. Essa crise foi inteiramente fabricada pela doutora Dilma e pelo comissariado. Pode-se dizer que ela não sabia que o PT tinha uma cloaca de pixulecos. (Isso seria o mesmo que dizer que o presidente Medici não sabia das torturas do Doi, onde esteve a Estela-Dilma em 1970.) No caso da crise econômica, a responsabilidade é dela, e só dela.

Os críticos da Lava-Jato repetem com frequência que a Operação Mãos Limpas italiana levou ao poder o teatral Silvio Berlusconi. Se as coisas continuarem dando errado, o PT poderá pensar que Lula é o seu Berlusconi.

Elio Gaspari é jornalista

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Fonte: Estadão + O Globo

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