Dilma empossa Lula ministro e critica "gritaria dos golpistas"
Por Lisandra Paraguassu
BRASÍLIA (Reuters) - Em uma cerimônia que virou um ato de protesto a favor do governo, a presidente Dilma Rousseff deu posse nesta quinta-feira ao ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva na Casa Civil com um duro discurso em que classificou de "agressão à democracia" a divulgação de uma conversa telefônica dela com Lula e afirmou que a "gritaria dos golpistas" não vai retirá-la do caminho. “Os golpes começam assim”, alertou.
Pouco depois, uma decisão liminar do juiz da 4ª Vara Federal do Distrito Federal Itagiba Catta Preta, suspendeu a nomeação, mas o Palácio do Planalto ainda verifica se a decisão tem valor jurídico. A liminar foi publicada às 11h37, quando Lula já tinha assinado o termo de posse e sua nomeação havia sido publicada em edição extra do Diário Oficial, na quarta-feira, dando foro privilegiado ao ex-presidente.
A cerimônia, que reuniu centenas de apoiadores do governo no Salão Nobre do Palácio do Planalto, a maioria vindo de movimentos sociais, teve um tom de comício, enquanto do lado de fora, cerca de mil apoiadores do governo se concentravam em frente ao Palácio. Próximos, cerca de 2 mil manifestantes contrários tentavam chegar ao Planalto. Os dois grupos foram separados pela cavalaria da Polícia Militar do Distrito Federal.
Dilma usou a cerimônia para defender o governo e a posse de Lula. Acusou, mesmo sem citar nomes, o juiz Sérgio Moro de tentar “ultrapassar o Estado Democrático de Direito de cruzar a fronteira que nos é tão cara, a fronteira com o Estado de exceção”.
“Estamos sim diante de um fato grave, uma agressão não a minha pessoa, mas à cidadania, à democracia e a nossa Constituição", disse a presidente em seu discurso.
“Convulsionar a sociedade brasileira em cima de inverdades, de métodos escusos, de práticas criticáveis viola princípios e garantias constitucionais, viola os direitos dos cidadãos e abre precedentes gravíssimos. Os golpes começam assim."
Lula foi empossado como ministro em meio ao acirramento do já tenso clima político, após a divulgação na quarta-feira de conversa telefônica em que Dilma afirma ao ex-presidente que estava enviando um emissário para lhe entregar o termo de posse de ministro para ser usado "em caso de necessidade".
O diálogo levou à interpretação de que Dilma estaria entregando o documento a Lula para que ele se protegesse de uma eventual ação da operação Lava Jato, já que sua entrada no ministério lhe dá foro privilegiado junto ao Supremo Tribunal Federal (STF).
A divulgação do áudio levou milhares de pessoas às ruas de várias cidades do país na noite de quarta-feira e a deputados de oposição bradarem pela renúncia da presidente no plenário da Câmara.
Na cerimônia desta manhã, Dilma mostrou o que seria o termo de posse enviado a Lula, sem a assinatura da presidente, que seria usado apenas caso o ex-presidente não pudesse comparecer ao Palácio do Planalto nesta manhã, segundo o governo.
Presente à cerimônia, Lula assinou outro termo de posse, acompanhado pela presidente. Em seu discurso, Dilma afirmou que guardaria o termo assinado só por Lula, que foi levado a ele na quinta-feira no aeroporto, para apresentar como prova judicial.
"Repudio total e integralmente todas as versões contra esse fato", afirmou Dilma. "Estaremos avaliando com precisão as condições deste grampo que envolve a Presidência da República. Nós queremos saber quem o autorizou, por que o autorizou e por que foi divulgado quando ele não continha nada, nada, eu repito, que possa levantar qualquer suspeita sobre seu caráter republicano."
Do lado de fora do Planalto houve confrontos entre manifestantes contra e a favor do governo pouco antes da posse de Lula, e um deputado da oposição, Major Olímpio (SD-SP), foi expulso da cerimônia ao interromper fala de Dilma com gritos de "vergonha".
Dentro do Planalto, no entanto, os convidados tentaram reviver o clima de comício que sempre marcou as aparições públicas de Lula.
O ex-presidente foi recebido aos gritos de “Lula, guerreiro do povo brasileiro” e o antigo “olê, olê, olê, olá, Lula, Lula”, que marcou todas as suas campanhas à Presidência. Para não parecer que Dilma estava ofuscada, os presentes entoaram um “Dilma, guerreira da mulher brasileira”.
As palmas e gritos foram mais fortes quando Dilma foi mais dura em seu discurso.
“O Brasil não pode se tornar submisso a uma conjuração que invade as prerrogativas da presidente da República. Não porque a presidente da República seja diferente dos demais brasileiros e brasileiras, mas porque se se fere prerrogativas da presidente, o que farão com as prerrogativas do cidadão?”, disse Dilma.
Ao mesmo tempo, Dilma pediu união em torno de uma tentativa de trazer o país de volta à normalidade. Mas criticou as "armadilhas" jogadas por aqueles que desde sua reeleição "não fizeram outra coisa que tentar paralisar o meu governo, me impedir de governar ou me tirar o mandato de forma golpista”.
“Nós estendemos a mão para todos aqueles que, repito, querem o bem do Brasil. Não exigimos nada a não ser o diálogo e a ação concertada", disse.
"Nós temos que superar os ódios e a atuação daqueles que não têm razão, não estão do lado da verdade e não terão força política para provocar o caos e a convulsão social. A gritaria dos golpistas não vai me tirar do rumo e não vai colocar o nosso povo de joelhos.”
A presidente exaltou a entrada de Lula em seu governo, apontando a "grandeza dos estadistas" do ex-presidente, a quem chamou de o maior líder político do país.
"A disposição do querido companheiro Lula de fazer parte do meu governo mostra como estão e sempre estiveram enganados aqueles que sempre nos últimos 5 anos e alguns meses apostaram na nossa separação", afirmou. "Nós sempre estivemos juntos pois temos em comum algo extremamente importante, que é a consciência de um projeto para o Brasil."
"Eu conto com a experiência do ex-presidente Lula, conto com a identidade, com a identidade que ele tem com esse país, com o povo desse país", acrescentou Dilma. "Conto com sua incomparável capacidade de olhar nos olhos do nosso povo e de entender esse povo, de querer o melhor para esse povo e também de ser entendido e por ele amado."
A expectativa dentro do governo é que Lula use sua reconhecida capacidade política num esforço de convencimento junto a parlamentares da base governista, especialmente no PMDB, para manterem seu apoio a Dilma e votarem contra o impeachment da presidente.
Tão difícil como a batalha do impeachment, outra tarefa de Lula seria dar uma sacudida no governo que ajude a impulsionar de algum modo a economia do país, mergulhada numa profunda recessão.
Depois da posse, Lula e Dilma se reuniram ainda no Palácio do Planalto. Depois, foram almoçar no Palácio da Alvorada, acompanhados também pelo ex-ministro da Casa Civil --agora ministro-chefe do Gabinete Pessoal da Presidência, Jaques Wagner, que não chegou de Salvador a tempo da cerimônia de posse.
A transmissão de cargo deve acontecer na próxima terça-feira. Não se sabe ainda a agenda do ex-presidente no resto da semana. Lula deverá começar a trabalhar no Planalto na próxima segunda-feira.
(Reportagem adicional de Leonardo Goy, Marcela Ayres e Anthony Boadle, em Brasília, e Pedro Fonseca, no Rio de Janeiro)