Em VEJA: Protestos sem precedentes contra Dilma e PT não indicam que líder pode emergir da crise

Publicado em 13/03/2016 21:11
Milhões de brasileiros foram às ruas contra o atual governo e o ex-presidente Lula. Mas opositores não parecem ter capitalizado a indignação popular

O Brasil assistiu neste domingo, 13 de março de 2016, as maiores manifestações de rua de sua história. Mais de três milhões de pessoas vestiram verde e amarelo não apenas nas capitais e grandes cidades, mas também em municípios do interior do país. Na cidade de São Paulo, melhor termômetro do engajamento dos brasileiros nos protestos, imagens aéreas mostraram os 23 quarteirões da Avenida Paulista completamente tomados. Segundo a Polícia Militar, 1,4 milhão compareceram; segundo o instituto Datafolha, foram 500.000: os dois números indicam que o ato teve uma adesão expressivamente maior do que aquele realizado em março do ano passado, que até agora era a maior mobilização popular do país.

A tônica das manifestações foi o repúdio ao governo Dilma Rousseff, ao Partido dos Trabalhadores e seu principal líder, Luiz Inácio Lula da Silva, e à corrupção endêmica desvendada pela Operação Lava Jato da Polícia Federal.

A bandeira do impeachment foi empunhada por milhares de pessoas em todas as regiões. A presidente Dilma Rousseff passou o dia encastelada no Palácio da Alvorada - só se pronunciou à noite, por meio de uma nota lacônica à imprensa. Pouco antes, a presidente se reuniu com o ministro da Casa Civil, Jaques Wagner, e a cúpula de ministros de seu governo. Participam do encontro o ministros Edinho Silva (Comunicação Social), Ricardo Berzoini (Secretaria de Governo), José Eduardo Cardozo (Advocacia-Geral da União) e Aldo Rebelo (Defesa). O entorno do Palácio da Alvorada ficou bloqueado durante todo o domingo, com segurança ostensiva ao seu redor.

Lula e o PT foram igualmente castigados. Ao já tradicional boneco do Pixuleco, somaram-se cartazes, memes, máscaras, alguns pedalinhos e até uma espécie de carro alegórico representando o tríplex no Guarujá - tudo isso mostrando a corrozão inapelável da imagem do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva. O grito de ordem contra o PT pôs o partido como grande responsável pelos dias difíceis que o país atravessa.

Se o governo e seu partido foram bombardeados, não se pode dizer que alguma força política possa capitalizar de imediato a indignação demonstrada nas ruas. Em São Paulo, os tucanos Aécio Neves e Geraldo Alckmin - ambos aspirantes a disputar as eleições presidencias pelo PSDB - foram hostilizados e nem chegaram a discursar, depois de uma breve passagem pela Paulista. No Rio de Janeiro, deputado fluminense Eduardo Cunha (PMDB), atual presidente da Câmara e agora oficialmente réu por corrupção, foi um dos principais alvos dos cartazes. Em Maceió, o presidente do Senado, Renan Calheiros (PMDB), igualmente enrolado na Lava Jato, também foi lembrado em faixas. Não houve políticos poupados.

Num ano de eleições municipais, em que os congressistas se tornam mais sensíveis à voz dos eleitores nas suas bases, a força dos protestos neste domingo pode aumentar a pressão para que o processo de impeachment da presidente Dilma Rousseff, que já tramita na Câmara e aguarda apenas uma decisão sobre rito do Supremo Tribunal Federal (STF), ganhe velocidade para avançar. O que não significa que aqueles que estão na linha de sucessão no caso do impedimento da presidente Dilma Rousseff saiam desse domingo legitimados com firmeza para essa tarefa.

O único personagem universalmente louvado foi o juiz federal Sérgio Moro, responsável pelas investigações da Lava Jato. Em Brasilia, manifestantes criaram o "Super Moro", um boneco com roupas semelhantes às do Super-Homem. À tarde, Moro divulgou nota em que se disse tocado pelo apoio ao "trabalho institucional robusto que envolve a Polícia Federal, o Ministério Público Federal e todas as instâncias do Poder Judiciário", e pediu que "as autoridades eleitas e os partidos ouçam a voz das ruas e igualmente se comprometam com o combate à corrupção, reforçando nossas instituições e cortando, sem exceção, na própria carne".

 

A coragem necessária

De que vale a legitimidade do mandato quando não se tem apoio e eficácia? (por GERALDO SAMOR)

 

Presidente Dilma:

Das ruas da Savassi em Belo Horizonte às lojinhas de Ipanema, da rua Brás em Belém ao comércio nos Jardins, o único negócio que prospera no País é a fabricação das placas ALUGA-SE e VENDE-SE.

No mercado de trabalho, 1,5 milhão de vagas desapareceram nos últimos 12 meses, e os jovens que deixam a universidade ou cursos técnicos terão cada vez mais dificuldade de encontrar emprego.

Os empresários dividem-se hoje entre os desolados e os desesperados, o real se aviltou frente ao dólar, o PIB atravessa uma recessão inédita, e o Governo mal tem dinheiro para pagar as contas.

E, acredite, as coisas ainda vão piorar.

Nos próximos meses, a crise econômica e os desdobramentos imponderáveis da Lava Jato vão minar ainda mais a governabilidade. Na sociedade, há consenso de que seu governo — agora iniciando seu sexto ano — é o engenheiro da depressão na economia, da ressurreição da inflação e da epidemia do desemprego. Um governo que quebrou a Petrobras, pôs a perder anos de estabilidade, enfraqueceu o Tesouro e a capacidade do brasileiro de honrar suas prestações — e de sonhar. Sem falar na privatização do Estado para fins partidários (esta sim, a única que a senhora permitiu).

O seu é um governo sem poder, sem ideias, com um fetiche pelo Estado grande e incapaz de entender o funcionamento básico da economia: incentivos, risco e livre iniciativa.

É um governo que, não propondo nada de novo, insiste em reeditar ideias que o tempo e a experiência já aposentaram por invalidez.

É um governo que perde o tempo do Brasil — um tempo que o Brasil não tem a perder.

É neste ambiente — em meio ao clamor das ruas, ao empobrecimento geral e a investigações criminais — que as instituições do país, do TSE ao TCU, do Congresso ao STF, decidirão se a senhora pode (ou deve) ser removida do cargo mais alto da Nação, seja pela impugnação de sua eleição ou por um processo de impeachment.

Adiante-se a eles, Presidente, e renuncie.

Se a senhora tiver algum apreço pelas conquistas sociais das quais seu partido tanto se orgulha (e que já estão ameaçadas), a senhora deveria renunciar.

Se a senhora tiver visão política para além dos poucos anos de mandato que lhe restam, e se colocar o País à frente de interesses pessoais e partidários, a senhora vai renunciar.

É verdade que a senhora ganhou a eleição. Mas também é verdade que metade dos brasileiros, por entenderem pouco de economia, não atentaram para a bomba-relógio armada em seu primeiro mandato. Foram enganados. Também é verdade que sua campanha acusou adversários de pretender fazer um ajuste doloroso que, hoje, seu próprio Governo é obrigado a fazer pela força das circunstâncias. E, finalmente, há indícios cada vez mais fortes de que sua campanha foi maculada por dinheiro oriundo de esquemas de corrupção.

Tudo indica que a senhora não se locupletou com o cargo, não enriqueceu ao longo da vida pública nem sentiu necessidade de abrir contas inexplicáveis na Suíça. Mas nem sua honestidade (uma obrigação, antes de mais nada) nem sua ‘vontade de acertar’ a eximem de responsabilidade pelo drama econômico que enfrentamos agora.

A palavra ‘renúncia’ pode ser sinônimo de desistência, derrota. Mas também pode ser ‘abrir mão’ de algo em nome de um bem maior. Sua renúncia — antes que o processo de impeachment fatalmente tome fôlego, alimentado pela crise e pelos fatos da Lava Jato — seria sua maior demonstração de força pessoal e política, revelando uma Presidente que pensa no País antes de pensar em si.

Mostre que isso é verdade, Presidente, e condicione sua renúncia à aprovação (célere!) de uma profunda reforma política, que acabe com o voto obrigatório, diminua o tamanho do Congresso e imponha limites aos mandatos, acabando com a política como profissão. Mais: condicione sua saída à aprovação pelo Congresso das 10 medidas contra a corrupção e a impunidade propostas pelo Ministerio Público Federal.

Presidente, a economia não vai simplesmente ‘mal’. Empresários septuagenários têm dito que esta é a pior crise da qual se lembram, e por uma questão simples: antes de ser econômica, esta é uma cavalar crise de confiança.

Cabe à senhora julgar se seu Governo tem condições de dar ao País a estabilidade e a confiança para que voltem o investimento e os empregos, e a força política necessária para fazer reformas tão impopulares quanto essenciais para que o Brasil evite a falência. (Reformas nas quais a senhora não acredita, aliás.) De que vale a legitimidade do mandato se ao ator político faltam apoio e eficácia?

Cabe à senhora decidir se é melhor um ‘fim horrível’ — que pode ser também um recomeço — ou um horror sem fim.

Na semana passada a senhora invocou a tortura que sofreu na ditadura, algo que não costuma fazer gratuitamente. Aquele foi um tempo sombrio, de vergonha e infâmia para o Estado brasileiro, e todos os relatos são de que, submetida à barbárie, a senhora demonstrou coragem.

Felizmente, não estamos em 1964. O Brasil hoje é um país muito mais democrático, complexo e plural. Suas instituições estão sadias e em pleno funcionamento, ao contrário do Estado de exceção em que Sobral Pinto precisava da lei de proteção aos animais para defender prisioneiros políticos.

A coragem necessária nos dias de hoje é de uma outra natureza. Não se entrincheire, presidente. Não veja os eventos de hoje como uma ‘conspiração das elites’. Essa narrativa é tão intelectualmente pobre e vergonhosamente fantasiosa quanto as ideias por trás da Nova Matriz Econômica. Reconheça que o momento nacional é maior do que a senhora, que o País está mudando para melhor, que a sociedade civil está mais viva e vigilante, e que somos — todos — ao mesmo tempo partícipes e reféns deste turbilhão.

Bata no peito, faça o mea culpa e permita que o País siga em frente. A história lhe homenageará por este gesto.

Nosso longo pesadelo nacional pode estar perto do fim se, no seu coração, residir alguma lasca de humildade, temperança e espírito republicano.

 

O que interessa: é o maior da história, também segundo o Datafolha (por REINALDO AZEVEDO)

É claro que vai ser um quiproquó essa história da quantidade de pessoas na Avenida Paulista. Eu não tenho intenção de bater boca com o Datafolha. Leio agora que, numa avaliação ainda parcial, o instituto fala em 450 mil pessoas — o que teria superado um recorde anterior, então, de 400 mil pessoas no Vale do Anhangabaú, em 16 de agosto de 1984.

Bem, é aí que eu enrosco. Eu acompanhei aquilo tudo direitinho porque pertencia a um dos comitês. Se havia 400 mil no Anhangabaú, não há como haver apenas 450 mil na Paulista e região. Da área ocupada à massa compacta, sustento: não há como! Ou aquela contagem estava errada ou esta. A Polícia Militar teve de fechar o acesso à Paulista.

O instituto adverte que a contagem é ainda parcial. Mais: no dia 15 de Março, o Datafolha estimou 210 mil pessoas. Hoje, então, haveria mais do que do dobro de pessoas? Quando menos, mesmo se admitindo apenas os 450 mil de hoje, não se subestimou aquele manifestação?

Mas vamos deixar isso de lado por enquanto. O instituto admite que São Paulo assiste à maior manifestação política de sua história. E isso quer dizer que, no conjunto, temos um novo marco:  o 13 de março.

E era esse o recado que tinha de ser dado.

 

Políticos foram muito menos hostilizados do que se noticiou. Mas ainda que tivessem… E daí? É do jogo democrático (REINALDO AZEVEDO)

O governador de São Paulo, Geraldo Alckmin (PSDB), e o senador tucano Aécio Neves (MG) iriam discursar no carro do Movimento Brasil Livre. Acabaram desistindo. A chegada dos dois, até pelo excesso de pessoas que os acompanhavam, foi um pouco tumultuada. Mais a logística da operação de seus assessores do que a disposição de vaiar políticos acabou criando certa animosidade à beira do palco. Eles nem chegaram a subir.

Ali no empurra-empurra, acabaram ouvindo algumas ofensas e desistiram. Mas esteve longe de ser uma grande manifestação de repulsa como podem sugerir um texto ou outro.

Foi o que bastou para petralhas e imprensa apressadinha descerem o malho. Os primeiros ficaram satisfeitos porque isso provaria, então, que todos estão no mesmo barco. Os outros porque alimentam certo discurso contra a política que oscila da ignorância à má-fé. Ruim em qualquer caso.

E que se note: parlamentares já tinham discursado no carro de som do MBL, sempre aplaudidos. Cito alguns: deputados Mendonça Filho (PMDB-PE), Bruno Araújo (PSDB-PE), Darcísio Perondi (PMDB-RS), Ônix Lorenzoni (DEM-RS), Carlos Marun (PMDB-RS), Bruno Covas (PSDB-SP), Raul Jundmann (PPS-PE), Roberto Freire (PPS-SP) e Pauderney Avelino (DEM-AM). Falou também o senador Ronaldo Caiado (DEM-GO).

Assim, é falsa essa história de que o povo que vai à Paulista não quer saber de político nenhum. Sem os contratempos da chegada, creio que Alckmin e Aécio também teriam sido aplaudidos. Mas prestem atenção! Vou continuar este texto fazendo de conta que, de fato, foram todos vaiados. Essa questão me interessa.

Seria próprio do jogo político. E é claro que eu acharia um erro. Eu vi Ulysses Guimarães ser vaiado em comícios das Diretas — acreditem. E ele até havia ganhado a alcunha, à época, de Senhor Diretas. Quem vaiava? Militantes petistas e de extrema esquerda, que dispensavam o mesmo tratamento a Tancredo Neves.

Ainda que tivesse havido uma baita vaia generalizada desta vez, é perfeitamente compreensível que as pessoas demonstrem certo enfaro da política tradicional. Esse sentimento não existe só no Brasil. De algum modo, está no mundo inteiro e assume as faces mais diversas.

Um paspalho histriônico como Danald Trump não deixa de ser uma expressão muito pouco virtuosa dessa esfera de sensações. Poucos se dão conta, mas, em parte, ele repete o discurso que levou Barack Obama à Casa Branca: fala contra a burocracia de Washington, os políticos tradicionais, essa gente que está sempre metida em negociações obscuras… E olhem que os EUA são um convento das freiras dos pés descalços perto do Brasil.

A hostilidade aos políticos — não existe democracia sem eles, mas também não existe democracia só com eles — é própria desse regime. No Brasil, em parte, os petistas são duplamente responsáveis por isso. Por quê? O PT surgiu no mercado das ideias demonizado os partidos tradicionais, considerando-os a todos ilegítimos. Só ele encarnaria o jeito certo de fazer as coisas.

No poder, o partido montou uma máquina cleptocrata como nunca se viu. Ora, se eles se apresentavam como alterativa e fizeram o que fizeram, cria-se uma trilha fácil que conduz à conclusão de que política não tem jeito mesmo e será sempre assim.

Bem, aqui e mundo afora, esse discurso precisa ser assimilado e superado. Há de ser assimilado porque, de fato, a democracia tem de se conectar mais ativamente com movimentos da sociedade civil para se oxigenar. As atuais oposições já perceberam que só a militância congressual não da conta da realidade. Urge estabelecer canais de diálogo com movimentos como o MBL. E não só em momentos como o vivido neste glorioso dia 13.

Mas esse discurso contra a política também precisa ser superado. Para que não se entenda a conquista e a gestão do poder como o espaço da intransigência, em que nada se negocia, e tudo se impõe segundo a lei do mais forte.

Afinal, meus caros, o petismo conduziu o país a uma crise inédita agindo justamente assim. Eles vão nos brindar com a maior recessão da história e com o sistema mais corrupto jamais visto como? Não ouvindo ninguém, hostilizando a diferença, demonizando a divergência, xingando primeiro para pensar depois.

Eu lamento muito que alguns jornalistas entrem nessa. É um desserviço à democracia e uma manifestação supina de ignorância. É preciso mudar a política, não destruir a política. Com ela, cuidamos das nossas diferenças. Sem ela, lutamos com armas. Com ela, fazem-se derrotados e vitoriosos temporários e circunstancias; sem ela, produzem-se cadáveres aos montes. Qual caminho nós vamos escolher?

É muito importante que não se confunda a rejeição ao modo petista de fazer política com a rejeição à própria política. Pessoalmente, acho descabidas eventuais manifestações de hostilidade a Alckmin e Aécio, mas não acho ruim, do ponto de vista didático, que tenham acontecido. Elas estão deixando claro às atuais oposições que é preciso mudar o jeito de fazer política e que é preciso ampliar a interlocução.

O MBL e os outros movimentos todos têm de se manter independentes, sim! Mas é preciso que se reconheça que eles construíram um lugar próprio na política e que já não há democracia sem eles.

Fonte: veja.com.br

NOTÍCIAS RELACIONADAS

Ações europeias se recuperam com impulso de papéis de tecnologia e antes de dados de inflação
Dólar ultrapassa R$6,00 pela 1ª vez na história com reação do mercado à reforma do IR
Ibovespa recua com mercado torcendo o nariz para anúncio de pacote fiscal
Israel intensifica bombardeio no centro de Gaza; ataques matam 17 pessoas
Estoque de crédito no Brasil sobe 0,7% em outubro, diz BC
Alta do IGP-M desacelera a 1,30% em novembro mas fica acima do esperado
undefined