Lula vai à guerra, mas está cada dia mais fraco (por SERGIO MALBERGIER)

Publicado em 10/03/2016 18:04
Na FOLHA DE S. PAULO

 

Por mais que a máquina tenha se esforçado, está claro que a reação popular ao depoimento de Lula à Lava Jato ficou muito aquém do esperado pelos petistas. Talvez por isso Lula tenha pedido para ser algemado. Comporia melhor o papel de "vítima".

As manifestações em apoio ao ex-presidente foram mínimas, se tanto. Intelectuais e artistas, só os poucos de sempre, menos alguns. Chico Buarque não diz nada faz tempo. E o escritor Marcelo Rubens Paiva, esquerdista histórico e de valor, escreveu texto histórico cobrando explicações de Lula sobre seu patrimônio: "É tudo muito estranho e indigno a um ex-presidente da República. Ele deveria ter recusado tais mimos", escreveu Paiva. Outros, dentro do armário, devem estar pensando o mesmo.

Diante desse quadro terminal e da total inoperância de Dilma, que não consegue sequer nomear um ministro da Justiça, Lula foi a Brasília assumir o comando das tropas e dos recursos disponíveis à batalha final. Sua primeira foto foi com Renan Calheiros, segurando a Constituição brasileira. Uma imagem que vale mil palavras.

Lula quer assumir de vez o governo e de lá comandar a contrarrevolução. Ele colocou Dilma para cuidar do Brasil, mas não é bobo de deixar Dilma cuidar da sua defesa.

E Lula foi direto para a cabeça da Lava Jato, o juiz Sergio Moro. Dentro do pior espírito lulopetista, que um dia perseguiu Joaquim Barbosa pelas ruas de Brasília, a mãe do juiz, a professora Odete Moro, foi hostilizada ao receber homenagem de boa cidadã no Paraná. O Sindicato dos Advogados de São Paulo, um aparelho sindical do PT, pediu ao Conselho Nacional de Justiça a abertura de processo disciplinar contra Moro. Outras ações de constrangimento virão, cada vez mais pesadas. Mas não passarão.

Sem ter o que dizer diante da avalanche de confissões, provas e condenações de corruptos e corruptores, Dilma e o PT fingiam apoiar as investigações e insinuavam que as permitiam. A máscara caiu. Agora ou é a Lava Jato ou é Lula, Dilma, PT, Renan Calheiros, Eduardo Cunha, Collor —o Antigo Regime brasileiro.

E é muito mais do que isso. Hoje o que é ruim para Dilma e Lula é bom para o Brasil e vice-versa. Quem mostra isso é o mercado, que sempre se antecipa e é termômetro tão bom ou melhor que qualquer outro para medir o país. Qualquer evento que contribua para o fim deste desgoverno valoriza as empresas brasileiras na Bolsa e a moeda brasileira _ou seja, valoriza o Brasil. Para um banco americano, a Bovespa pode passar dos 70 mil pontos com uma queda ordeira de Dilma, uma valorização de 50%. Essa dinâmica está consolidada e nada parece capaz de mudá-la.

A perspectiva de mais mil dias de governo Dilma, portanto, é sombria. E parece cada vez menos provável. Ao contrário do que diz a máquina lulopetista, Lula saiu pequeno da condução coercitiva da semana passada e ontem foi indiciado pelo Ministério Público de São Paulo junto com a mulher e um dos filhos.

A Lava Jato, como diz Moro, só anda para frente. As pesquisas de opinião mostram que a grande maioria dos brasileiros quer caminhar com ela.

A esquerda brasileira precisa aderir a essa marcha. Que não é de golpistas, de extremistas, de elitistas ou de qualquer outra classificação preconceituosa e malandra que queiram dar. Dois terços da população brasileira apoiam o impeachment, o que significa que a imensa maioria dos brasileiros de baixa renda apoiam o impeachment.

A esquerda devia ir para a Paulista e outras vias do país no domingo para descobrir a verdade antes que a verdade passe por cima deles.

 

Planalto teme ação no STF se Lula virar ministro da Casa Civil (MONICA BERGAMO)

 

 Setores do PT e do governo seguem insistindo na ideia de que o ex-presidente Lula seja nomeado ministro para ganhar foro privilegiado, o que impediria que ele seguisse sendo investigado na Operação Lava Jato em Curitiba.

Lula continuaria sendo investigado pela força-tarefa, só que em Brasília, sob a condução do procurador-geral da República, Rodrigo Janot, e do ministro do STF (Supremo Tribunal Federal) Teori Zavascki.

Na terça, a coluna antecipou que parlamentares do partido passaram a defender a ida dele para o ministério.

No último desenho imaginado, Lula iria para a Casa Civil e Jaques Wagner seria deslocado para o Ministério da Justiça.

A possibilidade, no entanto, passou a ser vista como extremamente arriscada no Palácio do Planalto.

Dilma já foi inclusive alertada para a possibilidade de a iniciativa ser questionada no STF (Supremo Tribunal Federal) numa ação acusando a presidente de desvio de poder.

Ou seja, ela estaria nomeando Lula apenas para ajudá-lo a impedir as investigações.

O ex-presidente sempre resistiu à ideia de virar ministro. Mas a pressão sobre ele aumentou depois que o petista foi conduzido coercitivamente, na semana passada, para prestar depoimento à Lava Jato.

 

Impeachment depende da rua (ROGÉRIO GENTILLE)

O PT chamou a população para defender Lula nas ruas e agora corre o risco de ouvir como resposta no próximo domingo o mesmo "não" que derrubou Fernando Collor em 1992.

Acusado naquela época de ter contas pagas por terceiros, Collor fez um discurso exaltado no dia 13 de agosto daquele ano. Dizendo-se presidente dos descamisados, falou em "golpe", reclamou que a "central única dos conspiradores" pretendia promover o "terceiro turno das eleições" e conclamou a população a vestir as cores da bandeira nacional.

O efeito foi o de um bumerangue. Três dias depois, enquanto Collor reunia cerca de 300 apoiadores em frente à Casa da Dinda, o país presenciou uma onda de manifestações em favor do impeachment na qual o preto foi adotado como símbolo e as gargantas pediam "cadeia". Collor durou só mais 44 dias no cargo.

Lula não é um outsider como era o seu adversário de 1989. Tem na retaguarda um partido estruturado, ainda que combalido, uma central sindical e alguns movimentos sociais. Mas o fato de não conseguir formular uma resposta minimamente convincente para os presentes que recebeu de empreiteiras torna sua posição muito frágil. Como convencer alguém a defender o direito do Lula de ser paparicado pela Odebrecht?

Tanto assim que, na própria sexta, a despeito de o PT ter tentado mobilizar sua militância contra a condução coercitiva de Lula, pouca gente foi para rua. Houve alguns protestos, uma ou outra confusão, um ex-deputado mostrando a cueca, mas o máximo que o partido conseguiu foi lotar a quadra de um sindicato. É pouco para o Lula que já foi considerado o presidente mais popular da história.

A manifestação de domingo, dependendo da sua amplitude e vigor, pode significar o respaldo que a Câmara aguarda para o pedido de impedimento de Dilma. Como disse Michel Temer a aliados meses atrás, não é o Congresso quem aprova o impeachment. "É a rua."

 

O mundo não está contra Dilma (VINICIUS TORRES FREIRE)

"Os mercados" estão animados com a probabilidade maior de queda da presidente, diz o lugar-comum da quinzena. É quase certo que estejam animados, óbvio, pois os donos do dinheiro, seus operadores e porta-vozes querem que Dilma Rousseff evapore.

Muito mais difícil é dizer que os preços nos mercados financeiros subiram porque a aposta na deposição de Dilma Rousseff se tornou em tese mais certeira. Isso tem relevância para pensar o que pode acontecer com o dólar ou com o preço de ações, a quem interessar possa.

Como um ou outro observador já notou, as altas aconteceram em vários mercados, emergentes ou não. Trata-se de festa um tanto suspeita e, de resto, em parte devida à reversão de excessos especulativos de janeiro. O mundo continua um lugar perigoso, reconhecem bons analistas do esporte financeiro.

Quanto ao caso brasileiro, alguém poderá dizer que, sem a expectativa aumentada de queda da presidente, o real, as ações e os títulos brasileiros não teriam gás para acompanhar a onda de alegria na praça mundial. Talvez.

Mas a hipótese não parece muito provável, a julgar pelas andanças históricas dos preços de ativos brasileiros e emergentes. Além disso, administradores de dinheiro que lidam com Brasil e emergentes, gente lá de fora, dizem que não foi bem esse o caso –no mínimo, está longe de ter sido o fator principal.

Considere-se, por exemplo, as variações do preço do dólar no Brasil e em alguns países que, em geral, reagem de modo assemelhado às mumunhas da finança mundial.

Desde meados de fevereiro, data do início do "rally" brasileiro, a baixa do dólar no Brasil foi semelhante à registrada no México e na Colômbia. Outras moedas primas, o peso chileno e o dólar australiano, subiram menos, mas andaram juntas também. A tendência foi parecida.

O que está havendo? Trocando em miúdos grossos, diminuiu temporariamente o pânico com um estouro na China, que faz das tripas coração para conter desaceleração maior da economia e desvalorização de sua moeda. Houve recuperação do preço de commodities.

O preço do petróleo, por exemplo, subiu uns 50% desde janeiro, para US$ 40. O valor de moedas de emergentes em geral anda de mãos dadas com o preço de commodities.

Por que o petróleo subiu? Um tanto por reversão das especulações baixistas. Porque Rússia e Arábia Saudita, entre outros menos cotados, meio que combinaram de evitar excesso ainda maior de oferta. Porque a produção cai nos EUA. Porque se especula que o excesso de oferta deva acabar lá pelo final do ano.

Há ousados que dizem ainda que teriam amainado tendências de mais de dois anos: a fuga de capitais de emergentes devida à recuperação da economia americana e a grande correção, para baixo, do preço das commodities, devida ao baixo crescimento mundial, da China em particular. Baixas maiores seriam menos prováveis.

São apenas chutes mais ou menos informados, estimativas etc. Há muita gente que acredita em apenas dois meses de calmaria, quando então vai se chutar a bola das finanças para se sabe lá onde.

Seja como for, "não estamos sós". A finança mundial induziu uma alta por aqui também. Pode-se dizer, de modo sarcástico, que o mundo não está contra Dilma Rousseff. 

 

Entre o ruim e o pior (BERNARDO MELLO FRANCO)

BRASÍLIA - O avanço da Lava Jato e a volta do fantasma do impeachment fizeram o PT ressuscitar um antigo plano. O partido quer transformar o ex-presidente Lula em ministro do governo Dilma Rousseff.

A ideia ganhou até porta-voz no Planalto. "Qual time não gostaria de colocar o Pelé em campo?", perguntou ontem o ministro Ricardo Berzoini, que despacha um andar acima do gabinete da presidente.

Não é bem disso que se trata. Lula não seria nomeado para brilhar nos gramados de Brasília, e sim para se livrar do juiz de Curitiba. Como ministro, ele recuperaria o foro privilegiado e só poderia ser julgado pelo Supremo Tribunal Federal.

Em princípio, a ideia não seria boa para o ex-presidente. Lula passaria a imagem de que está com medo de ser preso a qualquer momento por Sergio Moro. Sua nomeação soaria como manobra para driblar a Justiça.

O ex-presidente teria outros problemas. Depois de ensaiar um afastamento de Dilma, ele se ligaria de vez ao futuro político da presidente. Como ela não dá sinais de recuperação, isso poderia significar um adeus ao plano Lula-2018.

Nomear o antecessor também é mau negócio para Dilma. A presidente já foi forçada a fazer todo tipo de concessão para se manter no poder. Abaixou a cabeça para o mercado, aguentou as humilhações do correntista suíço e teve que entregar até o orçamento da Saúde ao PMDB.

Se transformar Lula em ministro, Dilma assumirá de vez o papel de rainha da Inglaterra -ou de presidente decorativa, para usar uma expressão cara ao vice Michel Temer. O esvaziamento da autoridade dela será imediato e definitivo.

Se a ideia é ruim para ambas as partes, por que ainda não foi descartada? Simples: porque a alternativa parece ainda pior.

Uma eventual prisão de Lula é o cenário mais temido por ele próprio, por motivos óbvios, e por Dilma, que perderia seu único general na batalha contra o impeachment. 

 

Lula lá, Dilma cá (FERNANDO CANZIAN)

Lula e a presidente Dilma Rousseff parecem ter tomado rumos difíceis de conciliar.

O líder máximo do PT e seu partido sentem cheiro de cadeia e de uma implosão final com os rumos delineados pela Operação Lava Jato.

Isolado e assustado, o ex-presidente atiça a militância em sua defesa. Enquanto sindicatos, centrais e outros movimentos sociais prometem ir às ruas para apoiá-lo.

Os movimentos prometem levar junto a cobrança por uma radical mudança na atual política de ajustes na economia, que cortou verbas e programas públicos que sustentam suas bandeiras.

Nesse cenário, é como se Lula, o PT e esses movimentos tenham de queimar todo o estoque de pólvora que ainda lhes resta. Enquanto Dilma fará de tudo para preservar o navio.

A presidente parece estar em outra. Nesta quarta-feira (9), defendeu abertamente os atuais ajustes e cortes em meio a alguns sinais, ainda que muito frágeis, de que o pior da crise talvez esteja passando.

A inflação começa a dar sinais de esfriamento, o varejo caiu menos e os estoques industriais diminuíram, o que demandará mais produção. Em São Paulo e no Nordeste, a indústria voltou a crescer em janeiro.

O PIB/2016 deve encolher algo próximo aos 3,8% de 2015. O grosso virá do carregamento do resultado negativo do ano passado. E pode ficar nisso caso a economia reduza a velocidade da piora e encontre alguma base para se recuperar.

Para tirar alguma força política dos movimentos sociais, portanto, Lula terá de encampar o discurso contra o ajuste no exato momento em que seus efeitos, ainda que timidamente, dão as caras.

De seu lado, Dilma torcerá para que esse mesmo ajuste tenha cada vez mais efeitos sobre a inflação e estanque o desemprego. Seu governo, e não Lula, dependem disso.

Os problemas do ex-presidente são de outra natureza.

 

Vai haver golpe? (CLÓVIS ROSSI)

Se por golpe se entender o afastamento da presidente da República pelos meios constitucionais há, sim, uma enorme possibilidade de que haja golpe no Brasil, mais cedo que tarde. O fato, cada vez mais evidente, é que o que os argentinos adoram chamar de "poderes fácticos" abandonaram Dilma Rousseff (ou nunca a adotaram).

"Poderes fácticos" são, antes e acima de tudo, os agentes de mercado, financeiro ou produtivo.

Mas são também a mídia (televisão mais que qualquer outro meio), o mundo político, menos influente do que se pensa, e as instituições da sociedade organizada, ainda menos influentes, até porque são pouco organizadas. As que se dizem contra o "golpe" são também contra a política de Dilma.

Os agentes de mercado adoraram o governo Lula porque, como sempre diz o ex-presidente, jamais ganharam tanto dinheiro como com ele (de maneira lícita, pela expansão da economia e do crédito, e da maneira que se está vendo a cada passo da Lava Jato). O maná secou com Dilma. Raro é o setor que não esteja enfrentando crise.

Cansou-se até o setor financeiro, que continua produzindo lucros extraordinários, como diria Lula. O sufoco da chamada economia real não é bom para os negócios da banca.

Da mídia ou, ao menos, da organização mais poderosa, a Rede Globo, basta comparar dois momentos: no dia seguinte à sua primeira eleição, Luiz Inácio Lula da Silva prestou-se a ser enfeite no "Jornal Nacional" até ser entrevistado ao vivo.

Era o pedágio que achava necessário pagar para sacramentar a aceitação pelo establishment desse "merda desse operário", para citar sempre Lula.

Agora, o "Jornal Nacional" está diariamente prenhe de informações —do mau estado da economia à catarata de escândalos— que tiram o fôlego de qualquer telespectador.

A Globo, ao contrário do que aconteceu inúmeras vezes no passado, está fazendo jornalismo, mas, não fosse o cansaço com Dilma, talvez tivesse algo mais de condescendência, como teve, no princípio, com Fernando Collor de Mello.

Sobre a Folha —aliás, o único dos grandes jornais que foi desde o início impiedoso com Collor (com total razão)— basta lembrar editorial de capa de setembro: nele, passava-se uma lista de medidas que Dilma deveria adotar e terminava dizendo que, se não o fizesse, "não lhe restará, caso se dobre sob o peso da crise, senão abandonar suas responsabilidades presidenciais e, eventualmente, o cargo que ocupa".

Como se sabe, Dilma não fez nada. A paralisia absoluta de seu governo é assombrosa. Até o PT, o seu partido, ensaia abandoná-la e anuncia um programa econômico alternativo ao da presidente que elegeu. É insólito para dizer o mínimo.

Um partido aliado, caso do PDT, apresentou um novo-velho filiado, Ciro Gomes, já com discurso de campanha presidencial, quase dois anos antes da eleição.

Sobraram alguns poucos grupos, dependentes do governo.

Sou contra o impeachment e contra a cassação da chapa até que apareça o chamado batom na cueca, o que, acho, ainda não aconteceu. Mas admito ser minoritário.

 

Fonte: Folha de S. Paulo

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