Na FOLHA: Andrade diz ter pagado ilegalmente dívida de campanha de Dilma em 2010
A Andrade Gutierrez, segunda maior empreiteira do país, afirma ter pago despesas com fornecedores dacampanha eleitoral de Dilma Rousseff em 2010. O pagamento, ilícito, foi feito por meio de contrato fictício de prestação de serviço.
A revelação foi feita no acordo para a delação premiada de 11 executivos da Andrade, segundo aFolha apurou, e é a primeira citação direta de irregularidade apurada pela Lava Jato que envolve uma campanha da presidente da República.
O fornecedor conhecido até aqui, segundo pessoas que tiveram acesso aos detalhes do acordo no Ministério Público Federal, é a agência de comunicação Pepper –que trabalhou para Dilma em 2010.
O pagamento foi feito, segundo delatores, a pedido direto de um dos coordenadores da campanha do PT.
Para dar um aspecto de regularidade ao pagamento em sua contabilidade, a Andrade produziu um contrato fictício com a Pepper, segundo o relato. O valor, segundo o mesmo relato, superava os R$ 5 milhões à época.
Em 2010, a Andrade Gutierrez fez três doações oficiais para o comitê financeiro da campanha de Dilma, entre agosto e outubro, que somam R$ 5,1 milhões. Já a campanha de Dilma declarou gastos de R$ 6,5 milhões especificamente com a agência Pepper.
De acordo com ministros do TSE (Tribunal Superior Eleitoral), esse tipo de triangulação representa caixa dois. Como se trata da campanha de 2010, na Justiça Eleitoral não haverá implicações diretas em caso de comprovação do crime, como perda do mandato, porque o governo se encerrou em 2014.
Cabem, contudo, ainda ações criminais sobre o episódio.
Procurado pela Folha, o tesoureiro da campanha presidencial de 2010, José de Filippi Júnior, negou irregularidades apontadas pela Andrade Gutierrez. Segundo ele, "tudo foi feito de maneira legal, legítima e não houve fraude".
A Pepper informou que não tem conhecimento da delação da Andrade e que só vai se manifestar no momento e no foro apropriados. A empresa afirmou ainda que fechou contrato com a empreiteira e que entre os serviços prestados estavam o monitoramento de redes sociais e apresentação sobre as ferramentas para diretores da empresa.
MAIS REVELAÇÕES
Além de informações sobre a campanha de 2010, o roteiro acertado com os procuradores inclui ainda revelações sobre irregularidades cometidas nas obras da usina nuclear de Angra 3, da hidrelétrica de Belo Monte, na Petrobras e em três estádios da Copa do Mundo (Arena Amazonas, Maracanã e Mané Garrincha, em Brasília).
Segundo o que os delatores acertaram com o Ministério Público, a propina nesses casos iria para o PT e para o PMDB na forma clássica apurada pela Lava Jato: doações eleitorais legais, mas com a origem dos recursos em acordos irregulares em obras públicas.
O acordo entre a Andrade Gutierrez e o Ministério Público envolve o pagamento, pela construtora, de uma multa de R$ 1 bilhão e determina que 11 executivos que trabalham ou trabalharam na empreiteira contem o que sabiam sobre o pagamento de propina pela empresa.
REAÇÃO NO PLANALTO
As acusações dos executivos da Andrade Gutierrez foram recebidas com preocupação pelo Palácio do Planalto, que considerou mais um fator de desgaste à imagem da presidente e que empurra novamente o governo federal para o centro das investigações da Polícia Federal.
Os auxiliares e assessores da petista reconhecem que as suspeitas serão exploradas pelos partidos de oposição para defender o impeachment da petista, mas avaliam que não terão impacto direto no processo de cassação da chapa presidencial na Justiça Eleitoral, uma vez que ele analisa supostas irregularidades na campanha de 2014, não de 2010.
Do ponto de vista político, a informação emerge em momento de grande fragilidade do governo, que acaba de anunciar a troca do ministro José Eduardo Cardozo (Justiça), um dos coordenadores da campanha de Dilma em 2010, por pressão do PT e do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva. Quem assume a pasta é Wellington César Lima e Silva.
Cardozo, que permanecerá no governo à frente da Advocacia-Geral da União, era escalado para ajudar a blindar o Planalto sempre que a Lava Jato ou outra investigação batia às portas do governo.
Lava Jato apura se Lula recebeu vantagens indevidas durante mandato
Em manifestação enviada ao STF (Supremo Tribunal Federal), os procuradores da força-tarefa da Lava Jato dizem que uma avaliação prévia das provas indica a suspeita de que um apartamento e um sítioligados ao ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva podem ter relação com lavagem de dinheiro.
"No que tange ao PIC [Procedimento Investigatório Criminal] conduzido pelo MPF, as provas em cognição sumária são no sentido de que os fatos sob apuração, além de reproduzirem tipologia criminosa de lavagem de capitais já denunciada no âmbito da Operação Lava Jato, envolvem José Carlos Bumlai, executivos da construtora Odebrecht e executivos da construtora OAS, todos investigados e muitos dos quais já denunciados no esquema de corrupção que assolou a Petrobras", diz o texto.
Os procuradores dizem ainda, no documento enviado ao STF, que apuram se parte de vantagens indevidas que supostamente teriam sido recebidas por Lula foram repassadas "durante seu mandato presidencial".
Bumlai e as construtoras citadas são suspeitos de terem formado uma espécie de consórcio informal para dar de presente a Lula sítio que ele frequenta em Atibaia.
Na última sexta (26), Lula admitiu em mensagem enviada ao STF que Bumlai"ofereceu" a ele a reforma e que ele não tinha conhecimento de que isso ocorreu.
No caso do tríplex do Guarujá, a OAS teria feito uma reforma para Lula no apartamento, o que é negado pelo ex-presidente.
De acordo com a força-tarefa, a investigação tem a finalidade de analisar se ele foi beneficiado por construtoras envolvidas na Lava Jato recebendo vantagens que foram "materializadas, dentre outros, em imóveis em Atibaia (SP) e em Guarujá (SP)".
As afirmações dos procuradores foram enviadas para a ministra Rosa Weber, do STF, relatora de um pedido do ex-presidente para suspender as investigações da força-tarefa e do Ministério Público Estadual de São Paulo saté que o tribunal decida de qual órgão é a prerrogativa para as apurações.
DUAS FRENTES
Ao STF, os advogados do ex-presidente questionam o fato de ele ser investigado em duas frentes e tentam tirar da força-tarefa da Lava Jato a investigação alegando que não há interesse da União.
O ofício do MPF ao STF foi repassado pelo procurador-geral da República, Rodrigo Janot, mas foi assinado pelo coordenador da força-tarefa, procurador da República, Deltan Dallagnol, e outros dez integrantes do grupo.
No texto, os procuradores defendem que as duas operações não têm ligação direta e devem correr normalmente.
Deltan afirmou que durante a apuração sobre se houve prejuízo para cooperados na transferência de empreendimento da Bancoop para a OAS, foi que surgiram indícios de favorecimento ao ex-presidente. A Procuradoria-Geral de Justiça de SP declinou e mandou a apuração para o Ministério Público Federal do DF, que por sua vez encaminhou à PGR.
O procurador ressalta que Janot foi quem enviou a apuração para a força-tarefa entrar no caso.
Lula vai à Justiça para evitar condução coercitiva
POR MONICA BÉRGAMO
O ex-presidente Lula entrou com um HC (habeas corpus) preventivo nesta segunda (29) no TJ-SP (Tribunal de Justiça de São Paulo) para evitar ser conduzido coercitivamente ao Ministério Público Estadual. O petista e sua mulher, dona Marisa, tinham sido citados para prestar esclarecimentos na investigação sobre possível ocultação de patrimônio no caso de um tríplex no Guarujá.
O depoimento estava marcado para a quinta (3). Os advogados do petista, no entanto, enviaram a defesa dele por escrito e informaram que o casal não comparecerá.
Na citação recebida por Lula e Marisa na semana passada, o promotor Cássio Coserino, que comanda a investigação, determinou que o casal deveria depor, "sob pena de condução coercitiva".
Advogados do petista disseram que, como Coserino os considera "investigados", não poderia impor a medida, reservada a vítimas e testemunhas de processos.
Depois do questionamento, o MP admitiu que os dois não são obrigados a depor.
Os defensores de Lula questionam ainda o fato de Coserino não ser "o promotor natural do caso", escolhido por sorteio, e a parcialidade dele. O promotor afirmou à revista "Veja" que denunciaria Lula e Marisa antes mesmo de ouvir o casal.
"O ex-presidente não se importa de prestar esclarecimentos, desde que seja para autoridade competente e imparcial", diz Roberto Teixeira, que representa o petista.
Marcelo Odebrecht dá sinal verde para que diretores façam delação premiada (por MONICA BÉRGAMO)
O empreiteiro Marcelo Odebrecht deu sinal verde para que diretores e ex-executivos da empresa façam delação premiada. Informado de que eles estudam colaborar com a Justiça, não apresentou resistência.
BOCA FECHADA
Marcelo Odebrecht resistiria, no entanto, a ser ele mesmo um delator.
DE MOLHO
Um interlocutor que conviveu com o empresário nos últimos anos diz que, se um dia vier a assinar acordo de delação, ele não será seletivo –ou seja, fará revelação sobre tudo e todos, e não apenas sobre o PT.
DE MOLHO 2
A Odebrecht, como é público, fez contribuições a praticamente todos os partidos políticos do país. Na eleição presidencial, doou oficialmente R$ 8 milhões para a campanha do tucano Aécio Neves. E o dobro para a petista Dilma Rousseff.
NOSSA VOZ
A substituição de José Eduardo Cardozo no Ministério da Justiça gerou estresse entre os ministros Ricardo Berzoini (Secretaria de Governo) e Jaques Wagner (Casa Civil). Berzoini queria consultar o PT sobre a substituição na pasta. Wagner acabou emplacando o seu candidato, o procurador baiano Wellington César.
NOSSA VOZ 2
Dirigentes do PT tentaram emplacar o novo ministro. Entre os candidatos do partido estavam os deputados Paulo Teixeira, de São Paulo, e Wadih Damous, do Rio.
Padrinho às avessas, EDITORIAL DA FOLHA
Luiz Inácio Lula da Silva (PT) não é mais aquele. Quando deixou o governo, em 2010, ostentava 83% de aprovação popular e meros 4% de reprovação; nada menos que 71% dos brasileiros o consideravam o melhor presidente da história do país. Parecia imbatível.
O noticiário dos últimos dias atesta o quanto o cenário mudou. Contaminado pelo desgaste da presidente Dilma Rousseff (PT) e pressionado pelos avanços da Operação Lava Jato, Lula fez sua sucessora saber que a defesa do Planalto está em segundo plano.
O padrinho já não pode proteger sua afilhada porque precisa proteger a si próprio e ao partido que ajudou a fundar 36 anos atrás.
Do ponto de vista do PT, isso implica criticar medidas sensatas que o governo Dilma começa a adotar na área da economia. A proposta de reforma da Previdência e o apoio ao projeto que diminui o peso da Petrobras na exploração do pré-sal são dois exemplos recentes.
De um ângulo pessoal, Lula quer tempo para lidar com as investigações de que é alvo. Suspeita-se que a Odebrecht e a OAS, empreiteiras ligadas ao escândalo de corrupção na Petrobras, tenham buscado beneficiar o ex-presidente por meio de melhorias num sítio em Atibaia e num tríplex no Guarujá, ambos no Estado de São Paulo.
De acordo com pesquisa Datafolha publicada no final de semana, cerca de 60% dos brasileiros dizem acreditar que tenha havido favorecimento –entre os simpatizantes do PT, um terço afirma o mesmo.
A corrosão da imagem do ex-presidente não termina aí. Lula ainda é o mais citado como melhor mandatário da história, mas agora por 37% dos entrevistados –desde 2010, perdeu quase a metade de sua força nesse quesito.
O petista, ademais, não aparece numericamente em primeiro lugar em nenhum dos quatro cenários eleitorais pesquisados com vistas à disputa presidencial de 2018.
Ou seja, ainda que se dispusesse a estender a mão para Dilma Rousseff, dificilmente Lula poderia fazer muita coisa em prol de um governo considerado ruim ou péssimo por 64% da população e ótimo ou bom por apenas 11%.
Dilma e seus aliados, de todo modo, podem ver com bons olhos alguns dados da pesquisa: o índice dos que defendem o impeachment e o dos querem a renúncia da presidente permanecem estáveis, na casa dos 60%.
Aumentou bastante, por outro lado, o já elevado percentual dos que apoiam a renúncia do deputado Eduardo Cunha (PMDB-RJ), presidente da Câmara e adversário declarado de Dilma: se eram 65% em dezembro, agora são 76%.
Segundo na linha de sucessão presidencial, Cunha sem dúvida macula o processo de impeachment a que deu início em dezembro. Por ironia, tornou-se o melhor apoio de quem pretendia derrubar.
Armazém da utopia, por MARIO SERGIO CONTI
A festa de 36 anos de aniversario do Partido dos Trabalhadores teve seu tanto de farsesco, mas não foi inócua. Serviu para mostrar que, acossados pela recessão e pela impopularidade, o partido e Lula ainda têm o que dizer –mesmo que de maneira vaga, em recinto fechado e para poucos.
A direção do partido esperava que quatro mil militantes fossem à balada de sábado, no Rio. Menos de duas mil pessoas se abalaram até o Armazém da Utopia, à beira da Baía da Guanabara. Parte do público foi atraída pela bateria da Portela, contratada por R$ 7 mil, e pelo sambista Diogo Nogueira, cujo cachê não foi dito.
Armazém da Utopia é um nome apropriado. Ressalta as diferenças entre o partido criado numa reunião sisuda no colégio Sion, mas que sonhava, e o show pré-fabricado do sábado, no qual animadores instavam as pessoas a serem apenas plateia, e olhe lá.
O manifesto de fundação afirmava que o PT era a "expressão política de todos os explorados pelo sistema capitalista". Propunha-se a formar "organizações de base" para que "o povo possa construir uma sociedade igualitária, onde não haja explorados nem exploradores".
O partido seguiu o curso realista, tão decantado. Amoldou-se aos usos e costumes da terra. Parte de seus dirigentes se abastardou. A sua passagem pelo poder trouxe, sim, ganhos para o povo pobre. Eles vieram de cambulhada com o populismo e a alienação. A liberação ficou para nunca mais, entulha o armazém de velharias. Sem serventia, a utopia junta pó.
Na apoteose da noitada, Lula não se entregou à saudade da fundação do partido. A nostalgia, como se sabe, é um sentimento nefando. Em política, é sinônimo de não ter o que propor ao presente.
E Lula tinha algo a oferecer à fatigada militância: a saudade com data de vencimento. Por isso, fez um discurso no qual apelou para a memória do seu governo, lembrou aos esquecidos os bons dias dos deserdados naquele passado brumoso.
Falou também do futuro, admitindo ser candidato ao Planalto em 2018. Faz sentido. A última enquete do Datafolha informa que hoje ele estaria no segundo turno, quaisquer que sejam os adversários. Mesmo enxovalhado diuturnamente, parece ter condições de vencer.
Para se manter na porfia, em algum momento terá que romper com Dilma Rousseff. A estratégia da nostalgia com prazo de validade implica circunscrever a bonança a seus dois mandatos. Será preciso admitir que os governos que o sucederam foram, se não uma hecatombe, muito inferiores.
Lula deixou para o ápice da festa o que tinha de mais intrigante a dizer: o fim da política do "Lulinha paz e amor". Expirou assim, de supetão, o afã acomodatício que, em 2002, fizera com que mandasse uma mimosa cartinha aos poderes de fato, prometendo bons modos se viesse a ser eleito.
Não há cabimento em falar de traição; Lula apenas cumpriu carta de boas intenções. Mas agora, ele avisou, virá a política do "pão, pão; queijo, queijo". Foi a sua última frase substancial na festa do partido. Mil perguntas pairaram na noite carioca.
A política de conciliação estava errada? Mudaram os bacanas a quem enviou a missiva? Como e quando partirá para a ação? Irá se aliar com quem, e contra quem? Ou será que, no Armazém da Utopia, se deixou levar pela nostalgia daquilo que o PT um dia manifestou?
Vitória da frigideira, por BERNARDO MELLO FRANCO
BRASÍLIA - A fritura do PT torrou o ministro José Eduardo Cardozo. Ele escapou do óleo quente enquanto contou com a proteção de Dilma Rousseff. Sua queda mostra que a presidente não tem mais força para contrariar o próprio partido.
O petismo tentava derrubar o ministro da Justiça há mais de um ano. Ele era acusado por colegas de sigla de não "controlar" a Polícia Federal. O tom das críticas subia a cada vez que um petista influente entrava na mira da Lava Jato.
Enquanto a operação atingia líderes caídos, como José Dirceu e João Vaccari, Dilma conseguiu segurar o ministro na cadeira. O jogo virou quando a investigação bateu às portas do ex-presidente Lula.
A fritura atingiu a temperatura máxima na semana passada, quando um grupo de deputados do PT foi ao ministério pressionar Cardozo. Os parlamentares reclamaram da ação da polícia e cobraram uma intervenção do titular da Justiça.
O ministro respondeu que não pretendia se meter nas investigações. Ele repetia uma orientação da chefe. Em vários discursos no ano passado, Dilma prometeu zelar pela "absoluta autonomia" da PF.
No sábado, Lula anunciou em discurso que acabou o "Lulinha paz e amor". O governo entendeu o recado. No dia seguinte, Cardozo foi ao Alvorada e avisou que sua permanência era insustentável. Será realocado na Advocacia-Geral da União.
O novo ministro da Justiça foi indicado pelo lulista Jaques Wagner, chefe da Casa Civil. Pouco conhecido fora da Bahia, o procurador Wellington César assumirá o cargo sob clima de desconfiança. Terá que provar a cada dia que não foi escolhido para frear a Lava Jato.
"Será que o ministro assumiu para controlar a Polícia Federal?", perguntou o presidente da associação de delegados. A resposta será conhecida nas próximas semanas. Por enquanto, a queda de Cardozo só deixa uma certeza: na disputa com Dilma, a frigideira petista venceu.