Na Folha: PT ameaça se divorciar de Dilma; mudança na lei do pré-sal agrava relação

Publicado em 26/02/2016 07:15
Por Vinicius Torres Freire, colunista da Folha de S.Paulo

O PT faz mais e mais questão de mostrar que não tolera Dilma 2. A divergência tornou-­se mais explícita no reinício do ano político e ora descamba para insultos. Nesta semana, o partido enfureceu­-se com a mudança na lei do pré­-sal e hoje lança um programa econômico de oposição (sic).

Ainda que não dê em divórcio, a querela foi longe o bastante para resultar ou em desmoralização do PT, caso o partido engula as críticas cada vez mais fortes que faz, ou em derrotas cruciais do governo no Congresso, pois sem o PT dificilmente passarão mesmo as parcas reformas que talvez Dilma Rousseff venha a propor.

Alguém pode sugerir que o PT não tem alternativa a não ser permanecer no (seu!) governo e fazer um jogo de esquerda "para a galera". Poderia ser, caso o partido não precisasse tomar uma atitude prática diante das reformas "neoliberais" que o governo Dilma cozinha.

Se aceitá-­las, o PT se desmoraliza diante do espelho, das "bases" e dos movimentos sociais. Se disser não, derrota o governo.

Um motivo recente de discórdia feia foi a reforma menor da lei do pré­sal, no Senado, mudança que dá fim à exigência de que a Petrobras invista nos campos do pré­sal.

Lideranças petistas dizem nas internas que o governo "traiu" o partido. Alguns falam em "jogo duplo": em público, o governo se opunha à mudança "entreguista"; nas internas, negociava com a oposição.

O PT do Rio, onde ocorre hoje e amanhã uma reunião do partido, praticamente declarou Dilma Rousseff "persona non grata"; a presidente tampouco quer ver a turma.

O presidente do PT, Rui Falcão, soltou nota em que qualifica a mudança no pré-­sal de "retrocesso", e mais: "O PT marchará ao lado das demais forças progressistas, dos movimentos populares e sindicais contra este ataque à soberania nacional e ao nosso desenvolvimento independente."

Não diz palavra sobre o governo mas, dado o contexto de fúria no PT e nos movimentos sociais, a nota coloca o partido na terceira margem do rio: se não está na oposição, não está também no governo. 

Leia a notícia na íntegra no site Folha de S.Paulo.

 

Dilma atravessou o samba, por BERNARDO MELLO FRANCO

BRASÍLIA - Até o início da semana, Dilma Rousseff enfrentava a crise econômica, a Lava Jato, a oposição oficial e a ala pró-impeachment do PMDB. Agora ela está prestes a conquistar um quinto inimigo: o Partido dos Trabalhadores.

As relações entre a presidente e a própria legenda nunca foram tão ruins. Dilma já enfrentava forte bombardeio desde que prometeu mexer na Previdência. Nesta quarta, a tensão chegou ao limite. O estopim foi o acordo para aprovar, no Senado, um projeto que permite reduzir a participação da Petrobras no pré-sal.

O governo se dizia radicalmente contra a proposta, apresentada pelo tucano José Serra. Os senadores petistas passaram meses discursando a favor do modelo atual, que reserva uma cota mínima de 30% para a Petrobras em todos os consórcios.

Na noite da votação, o Planalto costurou um acordo que, na prática, permitirá que empresas estrangeiras participem sozinhas dos próximos leilões. A revolta no PT foi generalizada. Nem o novo líder do governo, Humberto Costa, aceitou apoiar o combinado. "Eu não poderia ficar contra o governo e não poderia ficar contra a minha bancada", disse, ao se abster de votar.

A reação do petismo foi feroz. O presidente do partido, Rui Falcão, classificou o texto avalizado por Dilma como um "ataque à soberania nacional". A CUT acusou o Planalto de traição. "O governo renunciou à política de Estado no setor de petróleo e permitiu um dos maiores ataques que a Petrobras já sofreu em sua história", atacou a central.

Ontem um ex-ministro da presidente definia o acordo como suicídio político. "Se a Dilma quer se matar, problema dela. Mas não pode exigir que a gente se mate junto."

O PT comemora o 36º aniversário amanhã, no Rio. Dilma está sendo aconselhada a não dar as caras na festa. O partido contratou o cantor Diogo Nogueira para tentar reanimar a militância, mas o acordo do pré-sal atravessou o samba.

 

SEMINÁRIO NA FOLHA – Patrícia Campos Mello lamenta debate civilizado, sem sangue. Ela queria porradaria! (por REINALDO AZEVEDO)

Participei na sexta-feira passada de um debate na Folha sobre jornalismo de opinião. O mediador foi Bernardo Mello Franco, e os outros debatedores, os jornalistas Josias de Souza e Ricardo Mello, diretor da EBC. O vídeo está aqui.

Patrícia Campos Mello era a apresentadora. Não sabia que ela estava lá também como minha juíza. Abaixo, reproduzo em vermelho o texto que ela escreve na Folha nesta sexta. Suponho que sua pauta era escrever sobre o debate. Ela preferiu escrever sobre mim. Não a culpo. Respondo em azul. A propósito: nem todas as besteiras que dizem a meu respeito merecem resposta. Apenas algumas. Vamos lá.
*
Os colunistas da Folha André Singer, professor da USP e ex-porta-voz da Presidência da República no governo Lula, e Mario Sergio Conti, jornalista, foram convidados para debater com o também colunista Reinaldo Azevedo no Encontro Folha de Jornalismo. Eles declinaram. O professor da USP Vladimir Safatle, colunista da Folha, disse que não poderia participar porque estava viajando.
Bem, é evidente que Patrícia está informando, o que eu não sabia, que esses todos se recusaram a debater comigo. É uma pena! Quando aceitei o convite da Folha, não perguntei quem comporia a mesa. Há pessoas que gostam de debater apenas com pares as divergências do mesmo lado. Sou esquisito e prefeito confrontar divergências.

Não é fácil debater com Reinaldo Azevedo, ponta de lança da nova direita brasileira.
Não é, admito. O que é “nova direita brasileira”? Isso é só uma bobagem da velha esquerda brasileira. Mais: ponta de lança faz supor que exista um exército. Qual é o meu, Patrícia? Eu não tenho um MTST pra chamar de meu.

Ele é agressivo em seus comentários e não deixa o interlocutor falar.
O vídeo está disponível. Avaliem se fui agressivo ou se impedi alguém de expor seu pensamento. Fui um anjo de candura.

Em certas ocasiões, reservou palavras pouco amistosas para Singer (“desonestidade intelectual”) e Safatle (“intelectual que defende o aborto e chama feto de parasita”).
Acusar “desonestidade intelectual” de um debatedor não é ofensa nem agressão. Corresponde a dizer que determinada afirmação está em desacordo ou com os fatos ou com fundamentos que a própria pessoa diz abraçar.
Safatle, com efeito, defende o aborto. Se você clicar aqui, encontrará uma coluna sua na Carta Capital intitulada “Claramente a favor do aborto”. De resto, se ele defende, dizer que o faz não é ofensa.

Na coluna em questão, Safatle escreveu: “Um embrião do tamanho de um grão de feijão, sem autonomia alguma, parasita das funções vitais do corpo que o hospeda e sem a menor atividade cerebral, não pode ser equiparado a um indivíduo dotado de autonomia das suas funções vitais e atividade cerebral.”

Como se vê, chama feto de “parasita” e a grávida de “hospedeira”. Safatle pensa que gravidez é barriga d’água. Mas o que isso tem a ver com o debate, Patrícia? O que escrevi sobre cada um dos convidados em meu blog não fazia parte do evento. Transcrever o que escrevi sobre pessoas que se negaram a debater como parte de sua análise sobre aquele encontro é… desonestidade intelectual!

Qualquer colunista que aceitasse ser o contraponto esquerdista do exuberante Azevedo sabia que teria uma tarefa inglória.
Exuberante? Eu? Ainda volto ao tema. Inglória por quê? Bastava chegar lá e demonstrar que estou errado.

Além disso, hoje em dia, quem se considera de esquerda já sai de casa na defensiva e passa o dia inteiro se explicando. Ainda que não seja petista.
A esquerda não tem de passar o dia se explicando por ser de esquerda. Porque governa um país, segundo os métodos conhecidos, é obrigada a prestar contas por seu alinhamento com o poder. Assim é nas democracias. Não se trata de preconceito, mas de vida democrática.

O ex-militante trotskista e ex-colunista da Folha Ricardo Melo, diretor da EBC (Empresa Brasil de Comunicação), resolveu encarar o desafio –relevando o fato de ter sido chamado de “gafanhoto [discípulo] do Paulo Henrique Amorim” e “ignorante” no blog de Reinaldo Azevedo na revista “Veja”.
“Encarar o desafio”??? Bem, sugiro de novo que assistam ao vídeo. O embate foi mas bem-humorado do que ranzinza. Ela foi escarafunchar texto meus na Internet, pegar palavras soltas, tirá-las do contexto para justificar a sua tese. O “gafanhoto” em questão, por exemplo, era só uma alusão ao seriado “Kung Fu”. “Ignorante” é particípio presente do verbo ignorar. Eis outra evidência, Patrícia, de desonestidade intelectual. De resto, se Ricardo Mello tivesse julgado as coisas que escrevi incompatíveis com o debate civilizado, ele também teria declinado do convite.

Os tempos e os embates ideológicos mudaram.
Tudo muda. “E não se muda já como soía”. Não é agressão. É Camões.

Em 1968, o escritor americano de esquerda Gore Vidal (1925-2012) duelou com seu nêmesis ideológico William F. Buckley Jr (1925-2008), ícone do conservadorismo norte-americano, em uma série de debates antológicos durante as primárias dos EUA.
“Deixei o corpo ensanguentado de William F. Buckley Jr jazendo no meio do salão da convenção em Chicago”, diz Vidal, em cena do documentário “Best of Enemies” (2015), já disponível na Netflix brasileira.
No Brasil de 2016, a discussão entre Melo, Azevedo e o moderado Josias de Souza, blogueiro do UOL e ex-colunista da Folha, não teve sangue nem xingamentos. Mas tampouco teve profundidade.
Patrícia sentiu falta de sangue? Era isso o que ela queria? Aceito debater com ela, com profundidade. Inclusive a obra de Gore Vidal, também a literatura. Respondo ao que me perguntam. Quem aponta a falta de profundidade tem de ao menos dar as balizas do que entende por profundo. Até esse ponto, Patrícia se limitou a me chamar de agressivo, a pescar aspas do que escrevi sobre os debatedores, como se palavras, isoladas, pudessem reproduzir uma contenda.

ESPELHO
Na mesa “Sai, Dilma/Fica, Dilma – O Que Eu Acho do Jornalismo de Opinião”, o que mais se ouviu no auditório do MIS foram considerações sobre os inúmeros escândalos de corrupção atualmente investigados no país e o viés da imprensa.
Enquanto Buckley e Vidal discutiam as premissas do Estado de bem-estar social, direitos civis, concentração de renda e a necessidade de os Estados Unidos saírem da guerra do Vietnã, em meio a ácidas ofensas pessoais, no Brasil que encolhe 4% ao ano os tópicos eram a antena que a Oi instalou no “sítio frequentado por Lula em Atibaia” e a Brasif pagando salário para Mirian Dutra, ex-amante de Fernando Henrique Cardoso.
Com o devido respeito, Patrícia, a sua síntese é energúmena. Sei que parece agressivo. Não é você que é energúmena, é a sua apreensão daquela realidade. Você, definitivamente, não entende nada de colunismo político.

A antena que a “Oi” instalou no sítio de Lula não é só um antena. Trata-se de uma forma de gestão do estado, moça! Não é um assunto menor. E foi essa forma de gestão que levou o país a uma recessão de 4%.

A propósito: Patrícia me tacha de agressivo, recorrendo a palavras soltas, mas parece exaltar no embate Vidal-Buckley as “ácidas ofensas pessoais”. Sinto tê-la desapontado.

O problema não está nos debatedores que participaram. A conversa foi um espelho fiel da realidade.
A quantidade de escândalos da atualidade é tão avassaladora que não sobra tempo para discutir o país.
Isso é uma bobagem! Não existe uma “discussão sobre o país” fora do país. Por mais que eu discorde de Mello, e discordo; ainda que discorde episodicamente de Josias, e discordo, o que se discutia ali era, sim, o país, ora bolas! O que se discutia ali, como pano de fundo, era que estado se quer, que imprensa se quer, que política se quer.

Patrícia começa mal no campo da polêmica. Cita mal também seus debatedores exemplares. Gore Vidal, que podia ser genial, era capaz de sair de um debate, como fez, e escrever um artigo esculhambando o seu oponente só porque este usava peruca. Não é um exemplo de profundidade. Eu não me importo com o cabelo dos meus oponentes.

Os três jornalistas concordaram que a função última da imprensa é questionar o governo.
Isso está certo.

Mas, para Azevedo, “existe um alinhamento da imprensa mais à esquerda”, e a mídia “é mais generosa, mais tolerante com o PT”. Já para Melo, a imprensa pode ser acusada de tudo, “menos de ser de esquerda”.
Patrícia, por que você começa a oração seguinte com uma conjunção adversativa? O que há de contraditório entre eu achar que a função da imprensa é questionar o governo e afirmar que existe um “alinhamento da imprensa mais à esquerda”?

Mais uma vez, há um espelho da realidade: a Folha, por exemplo, é tachada de petista pelos leitores tucanos, e de integrante do PIG (Partido da Imprensa Golpista) pelos petistas. Ou seja, ao menos desagrada democraticamente.
Outra bobagem. Isso não quer dizer nada. Gosto da Folha, mas não por isso. Já lhe ocorreu que o fato de desagradar a todos não significa que se está necessariamente certo?

Para Josias de Souza, essa não é a questão. “Nós queremos uma imprensa que seja veraz, não de esquerda ou de direita, queremos saber o que é fato e o que não é”, afirmou.
Sim, Josias está certo! É também o que eu quero.

No final, o mediador Bernardo Mello Franco, colunista da Folha, conseguiu levar de volta a discussão para o tema principal da mesa: haverá ou não impeachment da presidente Dilma Rousseff?
Destaco que, quando fui convidado, não me foi dito que seria esse o tema principal. E não acho que tenha sido. Fui chamado para debater jornalismo de opinião. De toda sorte, poderíamos ter debatido só esse assunto. A mesa tinha um mediador e a ele me submeti.

Josias e Azevedo afirmaram que o impeachment se esvaziou do ponto de vista político, mas que há, sim, indícios fortes de crime de responsabilidade.
Não é uma boa síntese da minha opinião. Eu disse, na sexta-feira passada, o seguinte: “As condições hoje para Dilma deixar o mandato são mais fracas do que já foram, mas, sinceramente, não vejo Dilma encerrando o mandato. (…) A gente nem conhece as faces da crise. Dado o retrato de hoje, eu acho que não vai ter impeachment. Mas dado o dinamismo das coisas, eu não vejo a Dilma encerrando o mandato. Eu não vejo que o processo político vá aguentar e acho que, talvez, a solução possa vir via TSE, porque, ali sim, as coisas vão se complicar”.

Sim, a resposta é longa e não é linear. Mas, às vezes, as coisas são longas e não lineares. De resto, eis aí: uma semana depois, João Santana e Mônica Moura se encarregaram de inflamar as ruas e a política. É o tal “dinamismo das coisas”.

“Todo mundo sabia que a política brasileira estava apodrecida, nós chegamos a um estágio em que a podridão apareceu, e é preciso que isso tenha uma consequência”, disse Josias. “Mas é preciso ver se o Tribunal Superior Eleitoral [TSE] terá coragem cívica.”
O TSE tem o poder de cassar o mandato de Dilma e do vice-presidente, Michel Temer, caso se comprove que o dinheiro da corrupção da Petrobras financiou a campanha da eleição de 2014.
Azevedo diz não ver “Dilma encerrando o mandato, considerando o que vem pela frente e considerando o desempenho dela”. “Acho que talvez a solução venha via Tribunal Superior Eleitoral.”
Já Melo acha que falta um “batom na cueca” e apoio político, e que, portanto, não haverá impedimento da presidente Dilma.
Mas vieram da boca do diretor da EBC, a empresa estatal de comunicação, as seguintes palavras: “Vai ser um governo enfraquecido até o final. Não haverá impeachment, mas o governo seguirá aos trancos e barrancos.”
Em vez de dois antípodas altivos em suas opiniões, remetendo novamente a Vidal e Buckley, acabamos com a esquerda em melancólica apatia e a direita em triunfante modo “eu te disse”.
Patrícia achou que me faltou altivez? Que coisa! É a primeira vez que recebo essa crítica. Talvez eu esteja aprendendo alguma coisa e já consiga até fingir… É uma ironia, viu, Patrícia? Não vá tropeçar. E cadê o “eu te disse triunfante” na minha fala?

De resto, as pessoas tendo tamanho para o debate, não me furto a confrontar as minhas ideias com quem quer que seja. Lamento que André Singer, por exemplo, não tenha querido ir. Quando eu tinha revista, eu o convidei para ser colunista. E ele aceitou. Até pedir para sair, se não me engano, porque estava começando seu envolvimento profissional com a pré-campanha de Lula. No tempo em que esteve lá, escreveu o que quis, como quis. E ele sabe disso. Se hoje não aceita debater comigo, o que posso fazer? Não mordo. Sempre sou um rottweiler amoroso com um Singer.

Encerro. Patrícia: exuberante estava você! Os cabelos louros sobre o tecido azul enfeitavam aquele palco. E fica o convite para debater a obra de Gore Vidal. Em profundidade!

 

Fala, Marcelo Odebrecht!, por REINALDO AZEVEDO

A racionalidade aponta que Marcelo Odebrecht chegou a uma encruzilhada: ou vai ser o anti-herói por excelência dessa quadra infeliz da história brasileira, arcando com o peso de muitos anos de cadeia e condenando a verdade à poeira do tempo, ou contribui para elucidar os fatos. Farei agora uma aparente digressão para chegar à essência da coisa.

Há eventos que, na sua singularidade até besta, indicam uma mudança de estágio. Algo aconteceu nas consciências com a prisão do marqueteiro João Santana e de sua mulher, Mônica Moura. E com poder para incendiar de novo as ruas. O decoro, meus caros, é sempre uma necessidade. O que a cultura nos dá de mais importante é um senso de adequação, mesmo nos piores momentos, nos mais constrangedores.

Nunca se viram no Brasil presos como João e Mônica. Ele surgiu com o rosto plácido, sorridente, como se estivesse no nirvana. Ela, mascando um chiclete contidamente furioso, exibia um queixo desafiador. Nem um nem outro buscaram ao menos fingir a compunção dos culpados quando flagrados ou dos inocentes quando injustiçados.

O pesar, quando não se é um psicopata, não distingue culpa de inocência. Mesmo os faltosos não escapam da vergonha se expostos. Coloque-se no lugar de um preso, leitor. Não deve ser fácil ter de lidar com a censura, a decepção e a tristeza daquelas pessoas que compõem a sua grei sentimental e que legitimam o mundo que o cerca. Quando se trata de um inocente, então, aí a coisa pode ser ainda pior. Junta-se à dor a revolta contra a injustiça.

A tristeza passou longe de João e Mônica! Viu-se apenas um riso sardônico.

Não estou aqui a exigir a humilhação pública deste ou daquele. Abomino esse tipo de espetáculo. Também não quero transformar expressões faciais em prova de culpa. Mas uma coisa é certa: marido e mulher são especialistas em cuidar da imagem das pessoas. Suas empresas se orgulham de eleger postes. Eles conhecem o peso dos símbolos. Mas, tudo indica, não conseguiram esconder uma natureza.

Trata-se, infiro, de um tipo psíquico, incapaz de sentir vergonha ou culpa. Se inexiste essa dupla para conter os apetites, então tudo é permitido.

Volto a Marcelo. Em seu depoimento, Mônica afirmou ter recebido, pelo caixa dois, US$ 3 milhões da Odebrecht e US$ 4,5 milhões do lobista Zwi Skornicki. O primeiro montante seria pagamento por campanhas eleitorais em Angola, Panamá e Venezuela; o segundo estaria relacionado apenas à jornada angolana.

Venham cá: se empreiteira e marqueteiros têm esse comportamento em outros países, por que não o adotariam por aqui mesmo? Para preservar o PT, a si mesma e ao marido, Mônica torna ainda mais gravosa a situação da Odebrecht, que, então, segundo o seu testemunho, burla regras em eleições mundo afora.

Desde a primeira hora, recomendo que empreiteiros, Marcelo Odebrecht em particular, se lembrem do publicitário Marcos Valério e da banqueira Kátia Rabelo, que pegaram as duas maiores penas do mensalão. Os criminosos da política já estão flanando por aí, alguns a delinquir de novo, mas os dois mofam na cadeia. Até parece que poderiam ter feito o mensalão sem o concurso dos políticos.

Marcelo terá de decidir se vai ser o cordeiro que expia os pecados do PT e de todos os empreiteiros, os seus próprios também, ou se explicita a natureza do jogo que Mônica, tudo indica, tentou esconder.

Fala, Marcelo Odebrecht! Não há como o Brasil não melhorar.

 

Fonte: Folha de S.Paulo

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