‘Tribunal do impeachment’ sai do Congresso e migra para o Tribunal Superior Eleitoral (no EL PAÍS)

Publicado em 25/02/2016 01:40
No TSE (Tribunal Superior Eleitoral) se tudo acontecer como quer a oposição, o processo levaria no mínimo um ano e meio, o que nos jogaria praticamente para o fim do Governo Dilma (Luiz Felipe de Alencatro, historiador)

IMPEACHMENT DILMA ROUSSEFF

‘Tribunal do impeachment’ sai do Congresso e migra para o Tribunal Superior Eleitoral (no EL PAÍS)

Rousseff, na última sexta-feira. UESLEI MARCELINO REUTERS

prisão de João Santana, marqueteiro estrela que fez campanhas vitoriosas para o PT, animou deputados pró-impeachment nesta semana. O andamento do processo contra a presidenta Dilma Rousseff no Legislativo, porém, está paralisado desde o ano passado por decisão da Justiça, e está longe de vislumbrar uma continuidade. Diante disso, deputados da oposição decidiram centrar suas forças no Tribunal Superior Eleitoral (TSE), que julga denúncias de irregularidades na campanha e se tornou a principal esperança deles para uma possível destituição da presidenta. “Independentemente da nossa atuação no Congresso, queremos a queda da Dilma. Não podemos ficar mais três anos com esse Governo”, afirmou o líder da oposição na Câmara, Miguel Haddad (PSDB-SP).

Nesta semana, o PSDB, autor de quatro representações contra a chapa presidencial reeleita, composta por Dilma Rousseff e Michel Temer (PMDB), deverá enviar um documento ao tribunal solicitando que novas provas sejam anexadas em uma das ações. A ideia é fazer com que o processo que pede impugnação ganhe mais corpo e que os ministros incluam também os próximos passos da operação Lava Jato, que agora apura se o marqueteiro Santana recebeu ilegalmente recursos do PT em contas no exterior.

Uma das linhas das investigações da Lava Jato aponta que o publicitário teria recebido 4,5 milhões de dólares da em um banco fora do país como parte do pagamento de propina feita pelo Partido dos Trabalhadores entre os anos de 2012 e 2014. Ao menos 3 milhões de dólares teriam sido pagos por offshores vinculadas à empreiteira Odebrecht. A legenda diz que todos os seus gastos de campanhas foram pagos no Brasil e nega depósitos irregulares. O publicitário alega que os valores que recebeu no exterior são de trabalhos feitos em outros países, foram seis ao total.

Nos últimos dias, dezenas documentos foram anexados aos processos no TSE. Entre eles estão provas colhidas pela operação que levantam a suspeita de pagamentos de propinas para o PT entre os anos de 2008 e 2012. Os dados não abordam a reeleição de Rousseff, em 2014, que é o alvo da ação dos tucanos. Porém, na sentença em que decidiu pelo envio da documentação para o TSE, o juiz federal Sergio Moro, o responsável pela Lava Jato, ressaltou que os delatores do processo deveriam ser ouvidos pelos ministros antes de qualquer decisão.

O principal interessado em que essa ação caminhe com celeridade é o senador e candidato derrotado nas eleições presidenciais passadas, Aécio Neves (PSDB-MG). Assim que a Justiça decretou a prisão de Santana, o tucano se apressou em afirmar: “Os episódios apontados hoje [segunda-feira] são os mais graves já apresentados pela operação Lava Jato”. Em uma das ações que tramita no TSE, o PSDB pede que, com a cassação da chapa Dilma-Temer, sejam empossados os segundos colocados, os peessedebistas Aécio e Aloysio Nunes Ferreira, seu vice.

Na ação que pede a cassação de Dilma, o PSDB afirma que o PT recebeu doações de empreiteiras disfarçadas de propina, em troca de contratos com a Petrobras. Cita que cerca de 47 milhões de reais foram pagos por empresas flagradas na operação Lava Jato. Mas não diz que as mesmas empreiteiras também doaram para os candidatos tucanos aproximadamente 40 milhões de reais. Rousseff e Temer apresentaram argumentos semelhantes em suas defesas, alegando que não houve nenhum crime eleitoral. A gestão Dilma vai além e acusa seus adversários de fazerem o “uso político da Justiça”. “Na democracia, mais importante do que vencer as eleições é saber reconhecer a derrota imposta pelo voto popular”, diz trecho da defesa de Rousseff. O PT, que também foi citado na ação judicial, pede a extinção do processo e questiona por qual razão Aécio Neves não é investigado da mesma maneira, já que foranominado por três delatores do esquema criminoso.

Na Câmara, os governistas insistem na tese de que não há elementos jurídicos para a destituição presidencial. “Morto o impeachment não está. No Congresso, ele esfriou um pouco, mas vamos tentar derrubá-lo na comissão especial que ainda será montada. E no TSE o argumento será o mesmo, de que as bases jurídicas são inexistentes” ponderou o deputado Wadih Damous (PT-RJ), um dos parlamentares-advogados que compõem a força tarefa criada para analisar todas as questões legais do impeachment presidencial.

Compasso de espera

Se no TSE a discussão só cresce, na Câmara todos esperam a resposta do Supremo Tribunal Federal (STF) sobre os recursos apresentados pelo presidente da Casa, Eduardo Cunha (PMDB-RJ). O deputado questiona a decisão dos ministros que anulou, no ano passado, a criação da comissão especial que analisa o pedido de impeachment. Na ocasião, o colegiado entendeu que a votação feita pelos deputados para escolher a comissão especial, com composição hostil ao Governo, foi irregular e terá de ser repetida.

Cunha decidiu que não voltará a levar o assunto impeachment ao plenário da Câmara até que todas as dúvidas sejam esclarecidas. A expectativa no Legislativo é que o Supremo se manifeste sobre o assunto até meados de março. Os governistas acreditam que nesse tempo já foi possível recompor a base para conseguir derrubar o impeachment nesta comissão. Já a oposição promete unificar os discursos e criar um grupo de trabalho para fazer mobilizações pelo impeachment. O curioso é que essa força-tarefa oposicionista deverá ser liderada por uma ala rebelde do próprio PMDB, partido do vice-presidente, insatisfeita com o Governo mesmo após a reforma ministerial feita em outubro para agradar o partido e garantir uma base mais sólida no Congresso.

Nesta terça-feira, os protestos contra Rousseff já recomeçaram. Durante o programa político do PT, em que o partido defendeu o ex-presidente Lula das recentes acusações de corrupção, houve fortes panelaços e buzinaços em diversas regiões do país.

O cadáver abriu os olhos (por ROGÉRIO GENTILE,  da FOLHA)

SÃO PAULO - O governo Dilma Rousseff dava o impeachment como morto, dizia que só faltava enterrá-lo, e se assustou agora que o defunto, chacoalhado pelo marqueteiro João Santana, abriu os olhos e pediu um copo de água.

É perda de tempo tentar adivinhar o que vai acontecer nos próximos meses no país. Há muitos fios desencapados e a prisão do responsável pelas campanhas de Dilma e Lula, sobre o qual recaem suspeitas de ter recebido dinheiro desviado da Petrobras, é apenas o mais evidente.

A investigação da Lava Jato está longe do seu final. Em dezembro, Deltan Dallagnol, coordenador da operação, disse que só 30% do caso, "a ponta do iceberg", havia sido revelado. Há 40 delações assinadas e outras tantas em negociação.

Além disso, há dois fatores potencialmente desestabilizadores para o governo, imerso na baixa popularidade de Dilma (12% de ótimo e bom, segundo o último Datafolha) e numa das piores recessões da história (o desemprego deve atingir 11,5%).

O primeiro é a incapacidade demonstrada até aqui pelo Planalto de reconstruir sua base política no Congresso. O que acontecerá se o governo for derrotado na recriação da CPMF, medida impopular que a própria presidente afirma ser fundamental para o país sair da crise?

O segundo é o chamado cerco ao ex-presidente Lula, fragilizado pelas acusações de ter recebido favores pessoais de construtoras investigadas no escândalo da Petrobras. Se com Lula ativo já é difícil para a presidente ter paz no Congresso, sem ele a situação tende a ficar mais volátil.

Em seu favor, Dilma conta com a baixa temperatura das ruas, hoje anestesiadas, e, ironicamente, com a sustentação do inimigo Eduardo Cunha na presidência da Câmara. Desde que o governo conseguiu rotular o peemedebista como o "pai do impeachment", o processo se enrijeceu de tal forma que foi confundido com um cadáver. Mas o fato é que jamais deixou de respirar. 

GUSTAVO DINIZ JUNQUEIRA

Com Dilma, resultado será desastroso

Começamos o novo ano sem concluirmos o anterior. Os planos traçados no início de 2015 nem sequer puderam ser iniciados. Com exceção dos progressos nas investigações policiais, o país está paralisado.

As prisões deflagradas na Operação Lava Jato podem dar um sentimento de justiça. Todavia, isoladamente e sem a coragem das lideranças, para promover transformações profundas, e da sociedade, para enfrentar essas mudanças, elas não assegurarão nosso avanço civilizatório.

O século 21 será diferente de tudo o que já vimos e exigirá grandes adaptações. As nações precisarão trabalhar para que a inovação, o empreendedorismo e a cooperação vençam os desafios do desenvolvimento desigual. Governos terão de operar como facilitadores, e não concorrentes, dos cidadãos.

Infelizmente, o modelo corporativista cartorial brasileiro, com as decisões concentradas nas mãos do Estado, ficou obsoleto e incapaz de prover a governança mínima para enfrentarmos as adversidades.

Na arquitetura do futuro de nossa sociedade, é que trago para discussão o processo de impeachment contra a presidente Dilma Rousseff. As razões para o impedimento não são unânimes, e não cabe a mim aprofundar suas implicações jurídicas. Contudo, o risco da inação é alto e seria irresponsabilidade omitir minha opinião.

O conluio do governo federal com uma minoria corporativista destruiu conquistas e expropriou os brasileiros. A crise atual é resultado do fracasso da liderança da presidente, fundamentada em conceitos de desenvolvimento equivocados.

Em sua trajetória, Dilma demonstra dificuldades para compreender o processo de mudança em curso. Nos últimos anos, conduziu o país para o caminho oposto à evolução, com prejuízos financeiros e morais.

Nas decisões sobre o futuro do Brasil, tem optado por atender a interesses particulares, ao invés de enfrentar os problemas que impedem o avanço do país. Além disso, a derrocada de sua credibilidade em meio às denúncias de corrupção destruiu sua popularidade, fragilizou sua relação com o Congresso Nacional e comprometeu sua capacidade de governar.

A Petrobras é a maior expressão da falta de visão estratégica e da competência de Dilma. A corrupção e os prejuízos decorrem do desrespeito fiduciário com a riqueza nacional. Dilma tem a cegueira própria de burocratas de economias fechadas, buscando apoio por meio de concessões a grupos desacostumados à competição e favorecendo o clientelismo.

O impeachment não diz respeito ao futuro da presidente, mas sim aos desafios para construir um país que assegure às futuras gerações oportunidades num mundo cada vez mais competitivo. Se mantivermos Dilma no cargo, o resultado será desastroso.

Portanto, não podemos nos intimidar diante do medo da mudança. Uma nação é construída com base em princípios que conduzem a sociedade a agir com coragem e a superar as adversidades.

O impeachment da presidente –ou sua renúncia, em gesto de reconhecimento de que sua gestão causa mais danos que ganhos– é um passo necessário para o país, apesar de não decisivo. Exigirá, para garantir nosso futuro, uma nova liderança comprometida com a governança, a abertura irrestrita à produtividade, a punição implacável dos malfeitos e o fim dos privilégios.

O Brasil é maior do que tudo isso, mas precisa reconhecer suas diferenças e deficiências. A complexidade do país demanda uma reorganização profunda, fundamentada na igualdade e no trabalho honesto. Sem a liberdade de sonhar com o futuro e a esperança de alcançá-lo, é impossível exigir sacrifícios para ousarmos em novos rumos.

GUSTAVO DINIZ JUNQUEIRA, 43, é presidente da Sociedade Rural Brasileira

 

ALEXANDRE CONCEIÇÃO

Saída da crise está na mudança política

Foram muitas as torcidas para que o conturbado ano de 2015 acabasse e recomeçasse uma nova etapa na política nacional. Pois bem, chegado o novo ano, os desafios não parecem ser muito diferentes.
É sabido que vivemos um período de graves crises –políticas, econômicas, sociais e até mesmo ambientais. Todas correlacionam-se de alguma maneira.

No entanto, é provável que a primeira grande batalha deste ano seja a novela do processo de impeachment da presidenta Dilma. Já derrotado nas ruas, sem base jurídica e motivado apenas por razões oportunistas e revanchistas de Eduardo Cunha, deve ser enterrado até abril.

Essa, portanto, não será a maior das preocupações para este ano.

Passado o desfecho, ainda restam ao menos duas grandes questões a serem enfrentadas pelo governo e pelo conjunto da sociedade: as crises econômica e política.

O primeiro ano do atual mandato de Dilma, como uma forte política neoliberal marcada pela austeridade, teve diversos erros que agravaram a crise econômica. Redução dos gastos públicos, baixo investimento no setor produtivo e o aumento da taxa de juros foram alguns desses equívocos que desestimularam qualquer possibilidade de crescimento.

Este ano começou com um novo ministro da Fazenda, Nelson Barbosa. A simples mudança de gerência, contudo, não significa uma modificação automática nos rumos da economia. É preciso que mude o tom da política econômica. Um exemplo disso seria baixar a altíssima taxa Selic, responsável por transferir mais de R$ 500 bilhões em juros e amortização aos bancos.

Esse capital deveria ser direcionado a setores que impulsionam a economia, como os programas sociais, o setor produtivo e as empresas estatais, gerando emprego e renda.

Além disso, há a necessidade de buscar novas formas de arrecadação para o Estado, por meio de uma reforma tributária eficiente. Apenas a taxação de grandes fortunas, por exemplo, poderia render cerca de R$ 100 bilhões por ano.

Sobre a crise política, a questão é mais complexa. Não se trata apenas de governo X ou Y, mas da falência do nosso sistema de representação. A população não se reconhece mais em seus representantes, o Congresso Nacional debate pautas reacionárias e contrárias aos interesses do povo, como a reversão de direitos sociais e trabalhistas conquistados nos últimos anos.

Nosso sistema político foi sequestrado pelo financiamento privado de campanhas. O povo não tem mais participação ativa na gestão do país.

Diante desse cenário, é imprescindível uma reforma do sistema político. Todavia, ela não pode ser conduzida pelas mesmas pessoas beneficiadas pelo atual modelo. É urgente a realização de uma Assembleia Constituinte exclusiva e soberana, na qual os mais diversos setores da sociedade civil possam de fato decidir os rumos da política brasileira.

Quanto ao governo, seu tempo está acabando. Precisa, de uma vez por todas, demonstrar sinais claros de mudança, assim como sinalizar de qual lado realmente está.

Caso contrário, as crises apenas se aprofundarão, agravando os problemas da economia e da classe trabalhadora, o que nos levará a um cenário drástico até 2018.

ALEXANDRE CONCEIÇÃO integra a coordenação nacional do MST (Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra)

 

Crise do PT não é apenas de imagem, mas também financeira. Por irregularidades, partido deixará de receber 27 milhões e pagará multa de 4,9 milhões

Com parte de seus quadros investigado pela operação Lava Jato, o PT passa por uma profunda crise de imagem. Mas a percepção negativa não é o único problema da sigla: nos próximos três meses, o partido estará em uma situação financeira complicada. Seu diretório nacional deixará de receber toda a verba do fundo partidário a que tem direito e, para completar, terá de pagar uma multa milionária.

A situação se deu porque, no ano passado, o Tribunal Superior Eleitoral (TSE) reprovou parcialmente as contas de 2009 do partido. Os ministros do tribunal entenderam que o PT usou recursos do fundo partidário para pagar um empréstimo fictício contraído no Banco Rural (a mesma instituição financeira envolvida no escândalo do mensalão, descoberto em 2005). O resultado foi uma sanção de 4,9 milhões de reais, além da suspensão dos cerca de 27 milhões de reais do fundo partidário deste trimestre.

A fatura chegou agora e o partido teve de se reestruturar para os tempos de vacas magras. Seu diretório nacional, por exemplo, entregou algumas das salas que ocupava em um prédio do Setor Comercial Sul de Brasília e fechou o auditório com capacidade para 140 pessoas que era usado para as reuniões do diretório nacional. Além disso, reduziu os valores gastos com passagens aéreas e outras despesas de viagens de seu corpo de funcionários. Entre as sedes de Brasília e de São Paulo, quase cem pessoas prestam serviços ao PT.

Outra mudança foi na escolha de marqueteiros. Após ganhar duas campanhas presidenciais com Dilma Rousseff (2010 e 2014) e uma com o prefeito de São Paulo, Fernando Haddad (2012), aumentando o preço de seu passe, o publicitário João Santana foi substituído. Antes de ter seu nome envolvido oficialmente pela Lava Jato nesta segunda-feira, onde é suspeito de movimentar irregularmente 7 milhões de reais, Santana foi trocado por Maurício Carvalho e, neste ano, por Edson Barbosa, que já havia trabalhado para o partido antes de prestar serviços para o ex-governador pernambucano Eduardo Campos (PSB), morto em 2014.

Os eventos partidários também sofreram com a crise. O próximo, que ocorrerá nesta semana no Rio de Janeiro, foi reduzido em um dia. Deveria ocorrer em quatro datas, contando as reuniões preparatórias, mas será em apenas três, sendo um deles bancado pela Fundação Perseu Abramo, um dos braços do PT que tem recursos próprios.

Em junho do ano passado, o partido lançou uma campanha de arrecadação, com o lema “Seja companheiro”, destacando a necessidade de financiamento de seus militantes após decidir que não receberia mais dinheiro de empresas privadas, uma resposta às denúncias cada vez maiores de troca de favores entre doadores e políticos. Esse tipo de doação depois acabou proibido pelo Supremo Tribunal Federal e pelo Congresso. “É preciso que criemos condições para financiar nossas ideias, nosso partido”, justificou, na ocasião, o presidente da legenda, Rui Falcão. Como gesto simbólico, o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva foi um dos primeiros a doar e relembrou as campanhas feitas pela sigla em 1982 e em 1989, quando, ainda no início, a sigla precisava muito da ajuda de seus apoiadores.

Crise e desgaste tiram eficácia de discurso de Lula e PT (editorial de O GLOBO)

Acompanhado pela sonoplastia de um panelaço em várias capitais, o programa do partido atestou a dificuldade dele e do seu maior líder de reagirem ao momento

O conhecido termo “dia para esquecer” se encaixa à perfeição a esta terça-feira para Lula e PT. A jornada aziaga começou cedo, com as manchetes dos jornais noticiando a decretação da prisão do marqueteiro João Santana, o preferido nas três últimas eleições presidenciais petistas, como resultado da 23ª fase da Lava-Jato, batizada, com a ironia de costume, de Acarajé. Relação direta ao fato de ter mirado, entre outros alvos, a baiana Odebrecht, suspeita de transferir no exterior, para Santana, também conterrâneo, alguns milhões de dólares suspeitos. Suposições da ligação dessas transferências com, pelo menos, a campanha de 2014 de reeleição de Dilma Roussef angustiam o PT.

A terça continuou tensa para o lulopetismo, até ir ao ar, antes do JN, o programa do partido. E em boa parte dos dez minutos do vídeo de propaganda ecoou em pelo menos 14 capitais o mais barulhento dos últimos panelaços. Foi reservado a Lula o espaço nobre da parte final do programa, e, quando ele foi ao ar, notou-se que o barulho subiu de decibéis.

O conteúdo do programa também não ajudou o carismático líder petista nem o partido. O PT tem feito um esforço de “unir os brasileiros” para, juntos, enfrentarem uma crise “que vem de fora”. Sintomaticamente, a marquetagem petista aposentou, ou quase isso, a cor vermelha, clássica dos partidos de esquerda, sempre brandida com orgulho (e agressividade) nas ruas. Passaram a surgir na TV bandeiras verdes, azuis, amarelas.

Mas não está fácil dar meia volta em um discurso já cristalizado, de tanto ter sido repetido anos a fio, do “nós contra eles”, do Brasil dos bons (o PT) e dos maus (a oposição).

O partido usa o horário eleitoral dito gratuito para se mostrar perplexo: “Por que tanto ódio?” O ódio destilado na política é sempre perigoso e indesejável. Mas se a cúpula do partido fizer um rápido exercício de autocrítica constatará que tem sido o PT que não guarda limites nas suas campanhas, ao investir contra candidatos adversários e seus apoiadores. Um caso recente é o que foi feito, sob inspiração do hoje trancafiado João Santana, no espaço da campanha de Dilma na TV, contra a adversária Marina Silva, por meio de ataques a Neca Setúbal, a “banqueira”, amiga e correligionária de Marina.

Lula, por sua vez, perdeu uma oportunidade para se defender, com explicações sobre as suspeitas que o rondam, a partir de alguns inquéritos em andamento. Preferiu ressaltar que os governos do PT foram os melhores, quando milhões saíram da pobreza etc. O problema é que isso ficou no passado, e o presente é dramático — inflação elevada, recessão profunda e desemprego em alta. Muitos que saíram da pobreza voltam para ela.

Em um ato falho, ao atacar a elite que “não quer dividir a poltrona do avião com o nosso povo”, Lula voltou a dividir o país entre “nós” e “eles”. Qual o discurso que vale? A crise e o desgaste dos escândalos superam a capacidade de Lula e do partido de reagirem.


 

Fonte: El País + O GLOBO + FOLHA

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