Dilma não tem ideia... Parado, mas na direção certa... (FOLHA DE S. PAULO)

Publicado em 03/02/2016 07:08
NA EDIÇÃO DESTA 4a.-FEIRA

Dilma não tem ideia

Por VINICIUS TORRES  FREIRE

Neste ano, o total de dinheiro emprestado pelos bancos deve diminuir de novo. O total dos rendimentos do trabalho vai cair mais neste 2016. O consumo também, afora milagres.

Itaú e Bradesco estimam que vão emprestar menos dinheiro. É o que acabaram de dizer nesta temporada de anúncio de lucros. Para ser mais preciso: a carteira de crédito desses bancos deve crescer menos que a inflação.

Em 2015, o total dos empréstimos do Itaú baixou 6,1%, descontada a inflação. No Bradesco, 6,2%. Nos bancos nacionais menores, o declínio foi bem maior. O total de dinheiro emprestado no país diminuiu 3,7% em 2015.

O Bradesco estima que sua carteira de crédito vai aumentar entre 1% e 5% neste ano. Tomemos a média: 3%. Descontada a inflação prevista para 2016, dá uma queda real de uns 4%. Na média do Itaú, de uns 4,6%.

No ano passado, o total de empréstimos da banca estatal aumentou só 0,2%. Afora loucuras do governo (fazer mais dívida para dar crédito), a coisa não deve ser melhor em 2016. E daí?

Até outubro de 2015, a massa de rendimentos caía 1,2%; o crédito baixou 3,7%. Com essas pauladas e a depressão de ânimos, o consumo de varejo caía 3,5% até novembro de 2015 (sob Lula, crescia a 6% ao ano).

A baixa do número de pessoas empregadas e a do salário médio deve ser maior em 2016. O crédito deve cair de novo. Como o consumo vai se salvar? Na pele, a sensação de crise vai ser mais ardida.

Pode ser diferente? Até poderia, caso Dilma Rousseff tivesse planos para lidar com o problema de base mais imediato, a ruína em que deixou as contas do governo. Não tem.

Depois do discurso inócuo no Conselhão, na semana passada, a presidente foi ontem ao Congresso reforçar a impressão de que não tem planos para uma reviravolta.

Dilma Rousseff voltou a pedir a CPMF e a DRU (lei que desobriga o governo de gastar parte do Orçamento segundo as normas que vinculam receita a certas despesas). Propôs vaga reforma da Previdência. Sobre a pindaíba federal, sugeriu um teto legal de gastos para o governo.

Parece lindo. Mas, nesses termos, esse limite dá em besteira ou a presidente está propondo reduzir investimentos, salários do funcionalismo e o valor dos benefícios sociais quando a receita não crescer. É isso?

Certas despesas do governo crescem sem limite, exista ou não dinheiro, como as do INSS. Outras, crescem tanto quanto a receita, por lei. Se a receita é constante de um ano para outro, é preciso pois apertar em outro lugar: investir menos em obras, não reajustar salário de servidor ou benefício social.

Seria o arrocho que não ousa dizer seu nome, feito à matroca, ineficiente em vários sentidos. Quanto a limites, de resto, recorde-se que, em especial a partir de 2013, o governo não apenas descumpriu as metas fiscais como arrebentou todas as contas, mentindo, aliás, sobre o que fazia.

Ao propor um teto de gastos, sem mais explicações ou medidas, o governo quer plantar um pé de feijão do gigante da história infantil dentro de uma casa com teto baixo. Vai estourar, é claro. É preciso, pois, limitar cada despesa desembestada e acabar com gastos obrigatórios, em um plano ordenado de longo prazo, entre outros planos necessários de reforma do Estado. Não há. 

JK na Vieira Souto e Lula em Guarujá

Por ELIO GASPARI

Dias depois da morte de Juscelino Kubitschek o presidente Ernesto Geisel recebeu uma carta de um coronel zangado. Ele dizia:

"Estamos assistindo a 'choradeira' nacional pela morte de JK, muito bem urdida e explorada pelos comunas e seus eternos aliados irresponsáveis. (...) O que é mais triste, prezado amigo, e disto discordo, é ver-se o governo decretar luto oficial por três dias."

JK tivera um funeral apoteótico e Geisel contrariara a opinião do seu ministro do Exército, decretando o luto. O presidente tinha horror a Juscelino e anos antes participara da decisão que cassou seu mandato de senador, banindo-o da vida pública por dez anos. Geisel anotou na carta do coronel:

"O lamentável é que as provas não eram provas de qualquer valor jurídico. Na realidade, eram indícios, embora todos soubéssemos da ladroeira consumada. Eu penso que não houve, nem haveria condenação."

O símbolo da "ladroeira" era um apartamento no edifício Ciamar (Avenida Vieira Souto, 206, o mesmo onde viveria Caetano Veloso).

Como chefe do Gabinete Militar da Presidência e secretário-geral do Conselho de Segurança Nacional, Geisel acompanhara o inquérito que investigou o caso do apartamento. As acusações eram duras. Sem concorrência, JK entregara a construção de uma ponte unindo o Brasil ao Paraguai a um consórcio de empreiteiras (Sotege-Rabello). Os empreiteiros seriam responsáveis pela construção do edifício Ciamar e também por benfeitorias feitas num terreno que o governo paraguaio doara a Juscelino na região de Foz do Iguaçu.

Quem passava pela Vieira Souto e via "o apartamento do Juscelino" decidia que JK era corrupto e seu governo, uma "ladroeira consumada". Afinal, fora substituído por um político que fez da vassoura o símbolo de sua campanha. O ex-presidente foi proscrito por uma ditadura que tinha como objetivo afastá-lo da sucessão presidencial de 1965. A corrupção era um pretexto.

O eixo empreiteira-apartamento-presidente ressurgiu com as conexões em que se meteu Lula. O tríplex do edifício de Guarujá reencarna o da Vieira Souto e Nosso Guia, como JK, pode ser candidato à Presidência. Para quem não gosta dele, como para quem não gostava de Juscelino, não há o que discutir: é a "ladroeira consumada". Felizmente, a ditadura se foi e restabeleceu-se o Estado de Direito. Nele, acusação não é prova e a condenação depende do respeito ao devido processo legal.

O tríplex de Guarujá está sendo tratado de forma semelhante ao apartamento de JK. Um promotor de São Paulo acredita que já juntou provas para comprovar a malfeitoria de Lula. O núcleo de investigadores da Lava Jato, menos espetaculoso, vem buscando a conexão da maracutaia a partir dalavanderia de dinheiro de uma offshore panamenha. Tomara que feche o círculo.

Metamorfose ambulante, Lula diz que não é dono do tríplex e que desistiu dele em novembro passado. Também não tem nada a ver com o sítio de Atibaia. Acredita quem quiser. Certezas, cada um pode ter as suas; sentenças, só a Justiça produz. O papel do Ministério Público e do Judiciário é o de trabalhar em cima de provas, porque se essa porteira for aberta, não se derretem apenas os direitos de pessoas metidas em "ladroeiras consumadas", derretem-se os direitos de todos.

O edifício Ciamar foi rebatizado e hoje se chama JK. 

Incompetência

Por ALEXANDRE SCHWARTSMAN

SÃO PAULO -Não há impeachment por incompetência. É o que vêm declarando alguns dos que se opõem ao afastamento de Dilma Rousseff. Também sou contra tirá-la agora, mas discordo do argumento.

É verdade que nem a Constituição nem a lei n° 1.079/50, que regulamenta o impeachment, elencam o termo "incompetência" entre as razões para a impugnação. Mas o fato de a figura não constar explicitamente nos diplomas não implica que não esteja embutida nos 65 tipos listados e na própria dinâmica do processo.

Para começo de conversa, não faz muito sentido que o mandatário possa ser cassado por minudências burocráticas como "não prestar ao Congresso Nacional, dentro de sessenta dias após a abertura da sessão legislativa, as contas relativas ao exercício anterior" (art. 9, 2), mas não por administrar o país de forma ruinosa, o que pode em princípio produzir consequências muito mais devastadoras para muito mais gente. "A minori, ad majus", diriam os juristas.

A própria lei nº 1.079 traz o remédio contra essa aparente incongruência. Ela oferece um cardápio de enquadramentos suficientemente vagos para comportar qualquer conduta. O campeão é o art. 9, 7: "Proceder de modo incompatível com a dignidade, a honra e o decoro do cargo".

Alguns tipos são tão abertos que, na prática, é como se todos os presidentes já viessem pré-impedidos. Para concluir seu mandato, precisam ser capazes de evitar que se forme, no Congresso, uma maioria de 2/3 dos parlamentares disposta a derrubá-los, o que, convenhamos, não é muito difícil. Na verdade, quando um governante consegue mobilizar contra si 2/3 do Parlamento, é porque já deixou de governar há muito tempo. Aí o impeachment se torna apenas a oficialização de um fato.

Não creio que tenhamos chegado a esse ponto nem acho que chegaremos, mas, já que não nos livraremos da crise, devemos ao menos aproveitá-la para refinar os argumentos. 

Fracasso

Por ANTONIO DELFIM NETTO

A semana passada foi cheia de surpresas no Brasil e no mundo. Basta citar o movimento do Banco Central do Japão. Apenas confirmaram a verdade que se impõe a um número crescente de economistas que se libertaram do "cientifismo" e do "historicismo": a política monetária sem a cooperação da fiscal e da boa administração da dívida pública pode ser ou impotente ou muito custosa.

A dúvida cruel é a seguinte: os Bancos Centrais não sabem ou não têm instrumentos para resolver a crise que ajudaram a criar?

Os "cientifistas" são portadores de uma ciência apoiada no axioma: o homem é um operador que responde ao cálculo diferencial inscrito no seu cérebro pela evolução natural. Isso garantiu a sobrevivência da espécie e o domínio da natureza. Seu programa procura o máximo de satisfação do indivíduo, mas não sabe como integrá-lo na sociedade. Nele, a moeda e o crédito são meros artifícios facilitadores das trocas (no espaço e no tempo) e não poderosas instituições sociais que alteram o comportamento dos indivíduos.

Os "historicistas", por seu lado, sabem que a moeda e o crédito transcendem a troca, mas agarram-se a encantadoras narrativas que parecem por ordem nos eventos aleatórios pelos quais, seletivamente, a história se revela.

O seu axioma é este: a história obedece a leis. Logo, os seus bruxos, com o recurso da lógica dialética, podem descobri-las. Curiosamente, sabem o que fazer com a sociedade, mas não sabem o que fazer com os indivíduos, a não ser que devem ser "reeducados" para a "nova" ordem social.

É impossível deixar de reconhecer que oito anos depois da crise de 2008 e de juro zero e trilhões de dólares despejados no mercado, o máximo que a política monetária fez foi, talvez, impedir uma crise maior do que a de 1929. Nessa, a resposta do Estado foi regular o setor financeiro.

Na sequência da crise de 2008, ao contrário, o setor financeiro dos Estados Unidos que controla o Congresso, regulou o Estado! No fundo, bem no fundo, essa talvez seja uma das razões pela qual ela ainda não terminou. Os investidores institucionais continuam a impor aos produtores de parafusos o curto-prazismo: a distribuição dos dividendos pretere o investimento!

É evidente que a sofisticação das instituições financeiras dos últimos 30 anos não facilitou os investimentos e, consequentemente, o crescimento econômico e o nível de emprego. Trabalhou para transformar o produtor de parafusos em "rentista" e piorou a distribuição de renda, o oposto do objetivo de qualquer sociedade civilizada! Está produzindo a eutanásia do produtor. Quando todos forem "rentistas" quem vai trabalhar? Os "robots", naturalmente.

 

Parado na direção certa (editorial da FOLHA)

Os anos de bonança econômica proporcionaram aos governos petistas um conforto temporário e ilusório na gestão da Previdência Social –e um pretexto conveniente para a procrastinação de reformas impopulares.

De 2005 a 2012, houve sensível redução do desequilíbrio entre receitas e despesas do INSS. Graças à expansão da renda e da arrecadação, o deficit caiu ao equivalente a 0,8% do Produto Interno Bruto do país, menos da metade do pico inicial de 1,7%.

No mesmo período, os gastos com aposentadorias e outros benefícios se mantiveram estáveis, em torno de 6,5% do PIB.

Os números eram recitados pela presidente Dilma Rousseff (PT) para refutar críticas ao manejo temerário do Orçamento. Mas se tratava, como hoje salta aos olhos, de um castelo de cartas.

A virada dos ventos da economia desmanchou as contas previdenciárias. O deficit subiu em 2015 a 1,4% do PIB; as despesas, a 7,4% –perto da média de 7,9% dos países da OCDE (Organização para a Cooperação Econômica e Desenvolvimento), nos quais a proporção de idosos na população é o dobro da brasileira.

Sem ter mais como negar-se a encarar a realidade, a administração petista faz anúncios genéricos de intenções de reforma, enquanto a área técnica rumina medidas que arrepiam os políticos do partido.

Nesta terça (2), no início do ano legislativo, Dilma prometeu uma proposta ainda no primeiro semestre. Conforme noticiou esta Folha, estuda-se unificar regras que hoje diferenciam homens e mulheres, trabalhadores rurais e urbanos, celetistas e servidores públicos (não atendidos pelo INSS).

Até aí, caminha-se no terreno do bom senso. Levantamentos apontam que mais da metade dos países não faz hoje diferenciação de gênero ao fixar idades mínimas para a aposentadoria. Tarefas domésticas, que justificam uma regra mais favorável às mulheres, são cada vez mais compartilhadas pelos homens.

A Previdência Rural, exitosa na redução da pobreza no campo, quase nada exige em contribuições de seus segurados, num modelo insustentável; quanto ao funcionalismo público, seus privilégios já sofreram corte considerável.

Não basta, porém, rever o acesso aos benefícios: os valores destes e seus reajustes devem ser desvinculados do salário mínimo, o que permitiria deter mais prontamente a ascensão dos dispêndios.

Falta, sobretudo, um texto formal a ser negociado na arena adequada –o Congresso. Ideias anônimas destinadas a fóruns de entidades corporativas serão apenas mais uma estratégia de tergiversação.

 

Virtude premiada

Por FRANCISCO DAUDT

Minha frase predileta de Freud é: "Enquanto a virtude não for recompensada aqui na Terra, a ética pregará em vão" ("O mal-estar na cultura"). Isso mostra o conhecimento profundo que ele tinha da natureza humana e de sua característica mais preciosa: o altruísmo recíproco.

Sei bem que fomos ensinados que "o bom comportamento se paga em si", que o altruísta verdadeiro nada deve esperar senão o sentimento do dever cumprido. Várias modalidades de ética pregam esse ideal sublime e desinteressado, começando pela cristã e passando pelo imperativo categórico de Kant.

Mas, ainda assim, se examinarmos o "ama o próximo como a ti mesmo", já entendemos que esse altruísmo tem como base o interesse que temos por nós mesmos. Se tomarmos a oração de são Francisco de Assis, o ícone máximo do altruísmo cristão, veremos que ele nos diz que "é dando que se recebe", "é perdoando que se é perdoado". Ou seja, faz o bem esperando retorno, reciprocidade.

Significa que o santo também intuía como a natureza humana funciona: existe em nossas mentes um contador, que, se vê falta constante de retorno, manda sinais de ressentimento.

Portanto defendo que haja lucro na prática das virtudes. Não temos a cultura da doação benemerente, como existe nos Estados Unidos, mas sempre achei justíssimo que o milionário doador de um pavilhão de hospital, de um prédio de universidade, de uma galeria de museu, tivesse seu nome ali registrado: por bom exemplo, sem dúvida, mas também por boa fama e prestígio, que são e devem ser a primeira paga da prática do bem.

Sim, mas isso é a ética estimulando a virtude. Sua outra face é prevenindo o crime e o vício. Claro, se a virtude se mostra recompensadora, ela compete com o vício e o previne. A tradução mais divertida disso é a frase de Jorge Benjor: "Se malandro soubesse como é bom ser honesto, seria honesto só por malandragem". Mas, para funcionar, a ética precisa de que nossos atos tenham consequências e que nossos delitos tenham punição: a impunidade corrói a ética.

Por fim, penso em como ser ético depois do delito cometido. E sou remetido à lógica do perdão dos pecados, aprendida no santo Inácio com os jesuítas: era preciso arrepender-se e penitenciar-se no confessionário. É certo que o arrependimento não nos livrava apenas da culpa, mas também, ou principalmente, do medo do inferno. Era, portanto, um arrependimento interessado, com retorno, como o altruísmo recíproco.

Partilho aqui as reflexões que me foram despertadas pela questão da ética das delações premiadas: elas seguem a lógica do arrependimento. A pessoa está diante do dilema: seu crime não é solitário; para que seja reparado, ela precisa deixar de ser cúmplice; ou torna-se fiel à sociedade ou segue fiel aos outros criminosos, não há terceira hipótese. Madame disse que não respeita delatores, mas então quem ela respeitaria? Os mafiosos que se mantivessem fiéis à omertà (código de honra da Máfia)?

Se o criminoso resolve ser fiel à sociedade, ainda que seja por medo, essa sua tardia adesão à ética precisa se tornar um caso de virtude premiada.

Fonte: Folha de S. Paulo

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