Tem boi na linha e na polícia... Lula move 15 ações cíveis e criminais contra jornalistas e personalidades

Publicado em 27/01/2016 11:07
Folha de S. Paulo

Tem boi na linha e na polícia

Por VINICIUS TORRES FREIRE

Parece inédito o número de grandes empresas brasileiras envolvidas em rolos medonhos e que estão sendo investigadas por policiais, promotores e procuradores.

De qualquer modo, não há memória anedótica ou jornalística de que tantos rolos tenham parado simultaneamente na polícia ou no xadrez.

Parênteses: sim, o motivo desta nota é o caso dos grupos JBS ("Friboi") e Banco Rural (notório no mensalão). Soube-se ontem que a cúpula dessas empresas foi acusada pelo Ministério Público Federal de fraude financeira.

Então, em vez de lavar as mãos, a ideia agora é ter mãos limpas?

Esse assunto deriva rapidamente para a politização barata e para debates débeis sobre copos meio vazios ou meio cheios de água suja. Suscita também aquelas comparações algo provincianas, pelo imediatismo ou mera ignorância: "só no Brasil...".

Essa conversa mais jeca morre logo quando se recorda a sujeira que é boa parte da grande banca global, que assina termos confessando ter formado quadrilha (sic) para fraudar o fisco dos EUA e paga bilhões de dólares de multa para limpar a barra ou que manipula taxas de juros centrais do mercado etc., para citar apenas poucos episódios.

Ainda assim, não é o caso de ficarmos animados de estarmos em tão má ou boa companhia.

Primeiro, porque não há muitas grandes empresas no Brasil. Uma olhada rápida nas 20 maiores do país indica que quase metade está envolvida em algum rolo.

Segundo, porque o governo é sócio ou dono de várias dessas companhias (embora nada tenha a ver com vários dos crimes). O BNDESPar (braço de investimentos do BNDES) tem 25% do capital da JBS, por exemplo, 35% de todo o investimento da empresa em companhias coligadas (sobre as quais tem influência significativa das decisões).

Terceiro, porque os casos mais teratológicos foram propiciados ou tiveram parte ativa de gente do governo, que recriou um sistema de proteções e favores vários para oligopólios apadrinhados pelo Estado com leis e dinheiros baratos.

Este caso foi o da Petrobras e complexo associado, obviamente, uma versão grotesca de perversões do nacional-desenvolvimentismo, ressuscitada mesmo depois de desastres vistos, por exemplo, na ditadura militar, besteira analisada e provada, no Brasil e no mundo, em extensa bibliografia.

Lembre-se ainda de que há grandes empresas acusadas de pagar propina para escapar de imposto no "tribunal" da Receita, caso muito emperrado, aliás, o que não cheira bem (Operação Zelotes). Há a ciranda do petrolão e escândalos conexos (anda mal parada também a investigação no setor elétrico). Quase todas as incorporadoras imobiliárias da rica e privatista São Paulo pagavam propina na prefeitura. Etc.

Nem toda a imundície é parceria público-privada; há muito caso de pura iniciativa privada, mas os limites são incertos.

A nova Lei Anticorrupção, progressos no Ministério Público e na Polícia Federal desde os anos 2000 e maior pressão internacional contribuem para dificultar a fraude.

Porém, dada a extensão do rolo, o tamanho dos envolvidos e os crimes que são cometidos mesmo nesse novo ambiente, a gente se pergunta se as mudanças serão suficientes para evitar uma nova geração de empreendimentos criminosos.

 

Lula move 15 ações cíveis e criminais contra jornalistas e personalidades (por Monica Bérgamo)

O número de ações cíveis e criminais movidas por Lula contra jornalistas e personalidades por afirmações que considera injuriosas ou ofensivas chegará a 15 nesta semana. Elas tramitam em tribunais de SP, do Rio e de Brasília.

NA MESMA
Na sexta-feira, Lula anunciou a iniciativa mais recente: ele interpelará João Doria Jr., pré-candidato tucano a prefeito de São Paulo. Doria diz que não recuará das afirmações que fez em um debate em que disse que o ex-presidente é "um sem-vergonha, um cara de pau" e que pediria ao juiz Sergio Moro para "adiar" eventual prisão do petista.

LINHA
Lula disse recentemente que vai "processar todo mundo". O advogado do ex-presidente, Cristiano Martins, disse que a decisão foi tomada há um ano. "Observamos que havia relação entre informações falsas que eram publicadas e a abertura de investigações contra o ex-presidente. Decidimos impugnar as próprias reportagens, além de buscar reparação à honra de Lula."

UM CAFÉ
Doria, por sinal, terá encontro hoje com Fernando Henrique Cardoso em SP. Em pauta, a escolha do candidato do PSDB para concorrer à eleição municipal. FHC apoia Andrea Matarazzo.

RESPONDO POR MIM
José Dirceu (PT-SP) assumirá "os erros que cometeu" no depoimento de sexta-feira ao juiz Sergio Moro sobre a Operação Lava Jato, diz o advogado Roberto Podval. "Mas não dá para ele responder por tudo. Para se beneficiar, todos [os investigados] estão jogando a culpa nas costas dele."

DE ÔNIBUS
Segundo Podval, "um monte de gente grudou nele oferecendo favores. Agora é fácil falar 'foi o Zé, foi o Zé'. Mas ganharam bilhões enquanto filhos de José Dirceu estão viajando de ônibus para Curitiba para visitá-lo porque estão sem dinheiro".

 

O presépio da doutora Dilma

Por ELIO GASPARI

O Conselho de Desenvolvimento Econômico e Social foi criado em 2003 e é composto por 90 membros. Para a reunião de amanhã, dois titulares tiveram que ser substituídos, pois Marcelo Odebrecht e José Carlos Bumlai estão na cadeia. Também estão trancados o ex-conselheiro João Vaccari Neto e José Dirceu, que assinou o ato de criação do organismo. É difícil imaginar outro grupo de noventa pessoas com semelhante desempenho. Para se ter uma ideia do que significa uma porcentagem de 2% de presos, vale lembrar que a taxa de brasileiros encarcerados para cada 100 habitantes é de 0,3%.

O Conselhão pretendia ser um foro de debates. Tornou-se um pastel de vento a serviço da propaganda de um governo cuja titular diz que "o Brasil não parou, nem vai parar". Os pibinhos e a recessão aconteceram no Burundi. É uma marquetagem tão inútil que, desde julho de 2014, a doutora Dilma não o convocava. Uma reunião de 88 pessoas serve para apenas fotografias de um consenso inexistente. A menos que se considere consenso o fato de estarem todas sentadas.

Quando o Conselho foi criado, nele estava a atriz Lucélia Santos. Foi substituída por Wagner Moura. Pelo lado dos empresários, lá estará Jorge Paulo Lemann. Certamente ele tem algo a dizer, mas da última vez que foi ao Planalto a doutora deu-lhe um chá de cadeira de mais de uma hora. Até aí pode-se pensar que tenha surgido algum imprevisto. O problema muda de figura quando se sabe que mandaram uma funcionária fazer-lhe sala e ela dirigiu-se a Lemann em inglês. Coube a ele explicar que foi criado nas ondas de Ipanema. O surfista do século passado tornou-se o homem mais rico do Brasil porque a AB InBev produz e exporta gestão, exatamente o que falta ao governo da doutora.

Ele acaba de anunciar que adiou o cumprimento da meta anunciada em novembro de visitar todos os domicílios do país até o fim deste mês para combater o mosquito do zika. Lorota. O que houve foi o colapso de uma promessa impossível de ser atingida. Na melhor das hipóteses foram a 15% das casas. Houve burocrata sugerindo que, para evitar o risco da microcefalia, as mulheres não engravidem. Como o mosquito está no Brasil há mais de um século, a providência extinguiria a população de Pindorama. Depois veio o ministro da Saúde, torcendo para que as jovens sejam infectadas pelo vírus antes da idade fértil, pois assim adquiririam imunidade.

Como Brasília comanda espetáculos, em dezembro a doutora assinou o Decreto 8.612, criando uma Sala Nacional de Coordenação e Controle para cuidar do mosquito. Ela funcionaria no Centro Nacional de Gerenciamento de Riscos e Desastres da Secretaria Nacional de Defesa Civil do Ministério da Integração Nacional. A sala mágica seria habitada por representantes de seis ministérios, dentro do Plano Nacional de Enfrentamento à Microcefalia que por sua vez tem três "eixos": "Mobilização e Combate ao Mosquito, Atendimento às Pessoas e Desenvolvimento Tecnológico".

Aí está a essência da gestão da doutora: havendo um problema (o mosquito), lança-se um plano de enfrentamento, cria-se uma sala de controle anexa a um centro de gerenciamento e daí em diante o assunto é dos outros. Se nada der certo, convoca-se uma reunião do Conselhão para mudar de assunto em busca do que o Planalto chama de "agenda positiva".

 

Ajuste forçado (editorial)

Em meio à saraivada de más notícias econômicas, a contabilidade das relações entre o Brasil e o restante do mundo mostra sinais promissores. Dados divulgados nesta terça-feira (26) pelo Banco Central apontam que o país fechou 2015 com queda de 43% das perdas em suas transações de bens e serviços.

Manteve-se o vigor, ademais, da entrada de investimentos estrangeiros, sinal de que há empresas e fundos para os quais o país representa um bom destino de recursos, em perspectiva de médio prazo.

Dois motivos principais explicam a redução do deficit externo, de US$ 104 bilhões em 2014 para US$ 59 bilhões no ano passado.

Em primeiro lugar, a recessão doméstica reduz de imediato a demanda por importações e, em processo mais lento, força a indústria a buscar mercados externos para ocupar sua capacidade ociosa.

O setor automobilístico, por exemplo, tem ociosidade de 50% nas fábricas. Dimensionadas para produzir 5 milhões de unidades por ano, as montadoras buscam sobreviver com vendas para outros países. No ano passado, os embarques cresceram 25%, para 417 mil veículos.

O segundo fator crítico é a taxa de câmbio, cuja desvalorização encarece as compras de artigos do exterior e favorece a busca por fornecedores locais. Caem, ainda, despesas como a dos turistas brasileiros em viagens internacionais.

Ao contrário dos últimos anos, porém, quando o governo intervinha para proteger mercados e escolher os setores beneficiados, há agora um ajuste forçado que abarca a economia como um todo.

Em vez de burocratas estudando planilhas para determinar quem terá vantagens protecionistas, ocorre um rearranjo saudável, ainda que doloroso, às novas condições.

Uma taxa de câmbio realista é necessária, ainda que não suficiente, para enfrentar o deficit nacional de competitividade. Mas a ausência de progresso nos campos tributário, regulatório e logístico continua a ser empecilho, sem falar no atraso da agenda de integração comercial, que deve mirar maior abertura para o mundo.

Abre-se, de todo modo, um novo cenário das contas externas brasileiras, com redução do deficit e entrada ainda satisfatória de investimentos –a queda destes de US$ 97 bilhões, em 2014, para US$ 75 bilhões não surpreendeu, dada a variação do dólar.

Com elevadas reservas em moeda forte, em torno de US$ 370 bilhões, o país desfruta de condição mais sólida que a observada nas crises dos anos 1980 e 1990, agravadas pela escassez de divisas.

 

Dilema, por DELFIM NETTO

É preciso ser míope, ingênuo ou mal informado para não reconhecer que a política monetária nunca esteve, de fato, no controle da economia americana. O Fed (o Banco Central dos EUA) assistiu, surpreso, à sua "grande moderação" terminar na "grande decepção" de 2008. Foi obra da "ciência" imaginária dos "mercados perfeitos" inventada para eliminar, em nome da "eficiência", os necessários controles sobre o sistema financeiro instalados nos anos 30 do século passado.

A verdade é que hoje, depois de 3.000 dias e US$ 3 trilhões despejados pelo Fed, pelo Banco Central Europeu e pelo Banco Central do Japão, além das ejaculações monetárias aleatórias do Banco Central chinês, o mundo continua pendurado na brocha! Não é razoável acreditar que eles tenham o "mapa" (a teoria) e a "bússola" (a experiência) para saber o que fazer: apenas apalpam às cegas, os problemas que ajudaram a criar, mas não têm como resolver.

A recente decisão do nosso Banco Central de manter a taxa Selic em 14,25% produziu um enorme ruído, apesar de ter sido, pelo menos na minha opinião, correta. Cinicamente, é melhor ser deselegante certo do que ser elegante errado. A crítica pertinente é que isso compromete a já baixa credibilidade da política econômica: Alexandre Tombini teria cedido à pressão do governo. Talvez, mas existe uma hipótese com maior probabilidade de ser a verdadeira: Tombini levou a Dilma a assustadora "visão do mundo" que começa a circular à socapa entre os agentes mais responsáveis.

Não dá mais para continuar ignorando que os problemas geopolíticos, os juros baixos e o endividamento por tanto tempo cobram o seu preço nos EUA, na Europa, no Japão e na China. Na economia não estimularam os investimentos e, consequentemente, a demanda efetiva. E na China, levaram a um superinvestimento público e privado cada vez mais insustentável. À persistente baixa inflação (nem elevá-la conseguiram!) somou-se o baixo crescimento real, o que reduziu o aumento nominal do PIB e tornou a necessária desalavancagem mais lenta e custosa.

Por fim, o enorme endividamento dos governos inibiu o investimento público e a falta de demanda efetiva reduziu o investimento do setor privado. O que estamos vendo (supervalorização dos ativos financeiros, lentidão do ajuste de preços dos alimento e minérios, queda do crescimento) é apenas a ponta de um iceberg que tem submersa a potencialidade de um desastre!

O dilema é simples: ninguém sabe se haverá a necessária acomodação geopolítica e, na economia, se haverá tempo suficiente para uma desalavancagem controlada, ou se, a qualquer momento, um evento crítico iniciará uma nova crise mundial.

 

Fonte: Folha de S. Paulo

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