Pra frente, Brasil! Onde está a honestidade? e salários estão sendo destroçados com o desemprego

Publicado em 26/01/2016 09:37
Na FOLHA e em VEJA

Os debutantes de Dilma

Por VINICIUS TORRES FREIRE

A primeira reação dos porta-vozes do "mercado" à reviravolta do Banco Central na semana passada foi, como previsível, chutar para cima as previsões de inflação para este e para os próximos anos. Chutaram bem.

As reações ao desgoverno da economia não vão parar por aí, a não ser que os economistas de Dilma Rousseff tomem tento. Além da ruína deixada por 2015, a finança mundial está uma muvuca e, por enquanto, não há política econômica no Brasil (metas e instrumentos críveis para administrar pelo menos gasto e dívida públicos, juros e inflação, grosso modo).

A semana até poderia ter a cara de reestreia dos economistas de Dilma. Mas pode ser o começo do fim.

Nesta semana, o BC solta a exposição de motivos de sua decisão ("Ata do Copom"). Também nesta semana, o ministro da Fazenda, Nelson Barbosa, faz um discurso no Conselho de Desenvolvimento Econômico e Social, o Conselhão, no qual vai debutar, vai ser apresentado à sociedade, digamos assim, um tanto mas não muito ironicamente.

Ninguém espera grande novidade de Barbosa no Conselhão (composto de empresários, representantes de organizações sociais etc. convidados pelo governo). Ou seja, seria uma surpresa se viesse algo diferente da linha "manter o ajuste fiscal" (que ora não há, nem na realidade nem em planos de papel), um plano de reformas (vagas e poucas, se tanto), implementação do plano de concessões (obras de infraestrutura), grandioso de metas e pífio na prática, e algum estímulo menor no crédito.

Pois bem, se não houver surpresa, não vai prestar. Quase ninguém, pelo menos na praça do mercado, acredita que essa política econômica feijão com arroz com um torresminho de crédito vá tirar o país do atoleiro (nem acredita, nem vai).

Quanto às expectativas de inflação, a coisa está feia, a julgar pela primeira resposta "oficial" dos povos dos mercados.

Espera-se inflação de 7,23% em 2016, na mediana dos chutes informados pela centena de instituições financeiras e consultorias ouvidas semanalmente pelo BC, dados de sexta-feira, divulgados ontem. Sim, inflação de sete é menor que inflação de quase onze, como em 2015. Mas é bom lembrar que, bem entrado 2015, o BC ainda dizia que o IPCA terminaria 2016 em 4,5%.

Agora, além do mais, os povos dos mercados esperam inflação de 5,65% em 2017. Longe da meta de 4,5%. A caminho do teto da meta para o ano que vem, de 6%.

Como se sabe, na semana passada, o BC trocou de roupa em público, de modo inopinado, escandalizou os mais puritanos e suscitou chacota ao mudar de opinião sobre a taxa de juros, de um dia para o outro, depois de meses dizendo que pegaria pesado com a inflação.

Por mais descrente que uma criatura seja a respeito de metas e expectativas de inflação, é difícil negar que, pelo menos, expectativas mais altas vão dificultar a tarefa de conter os preços. Ainda mais grave, não se sabe agora quais instrumentos o BC vai empregar a fim de evitar inflação mais alta, se algum.

Pode até ser que a inflação de fato "surpreenda", caindo mais que o previsto pelos economistas "do mercado". Talvez não seja uma alegria. Pode ser só que os salários estejam sendo destroçados devido a uma alta mais rápida do desemprego. 

 

Narrativas, por Mário Sergio Conti

No tempo em que os críticos falavam, o estudo da narrativa ocupava boa parte do currículo das faculdades de letras. Criou-se até um termo, narratologia, para investigar as relações entre uma história e os modos de narrá-la. Era a década de 1970, tempo de glória do estruturalismo e da ditadura.

Como muitos signos acadêmicos entraram e saíram de moda desde então, hoje pouca gente lê "Discurso da Narrativa", de Gérard Genette. E "narrativa" virou um recurso infantilizador que marqueteiros volta e meia sacam do seu balaio de empulhações.

Bastam dois minutos de conversa e lá vem eles com a ladainha: é preciso criar uma narrativa. Referem-se ao encadeamento de ações no passado, de modo a justificar o que um político profissional faz ou deixa de fazer no presente.

Narrativa, para eles, é uma historieta que legitima o percurso de um político, por mais oportunista e cheia de reviravoltas que tenha sido a sua trajetória.

Os profissionais do embuste criam narrativas para quem está no poder ou o almeja. Numa reunião do PDT na semana passada, por exemplo, a presidente comparou a situação atual com os idos de agosto de 1954.
Dilma se pôs implicitamente na pele de Getúlio Vargas, a seu ver vítima de uma tentativa de impeachment. A comparação, no entanto, não se coaduna com os fatos.

Porque, naquela ocasião, o irmão do presidente se corrompera. A oposição udenista soltou os cachorros contra o presidente e buscou os quartéis. O chefe da guarda pessoal de Vargas, Gregório Fortunato, tentou assassinar o líder da UDN, Carlos Lacerda. A cúpula das Forças Armadas se insubordinou.

Em termos de marketing, as incongruências são irrelevantes. O que vale é a narrativa: os maus e seus paus-mandados conduziram o Pai dos Pobres, tão bonzinho, ao suicídio. Acautelai-vos, pois, porque agora o ataque é à mãe do PAC.

É uma narrativa tosca, mas poderosa. Haja vista que os que querem a queda de Dilma evitam enaltecer o moralismo udenista, ainda que entre eles abundem os aspirantes a Lacerda. Na narrativa tucana, e de outros bípedes assemelhados, o petismo é odioso e perverso por natureza.

Outro teórico literário, Walter Benjamin (felizmente ainda lido), classificaria Dilma de narradora arcaica, ligada ao mundo agrário de antes da Primeira Guerra Mundial. Porque a presidente lança mão da sabedoria oriunda dos ritmos da natureza -as estações do ano, plantar e colher, nascer, morrer, recomeçar.

Na narrativa dela também não há história propriamente dita, superação. O impeachment parece que voltou à baila porque o cosmos se move ciclicamente. E como a história é uma estrutura na qual os fatos se repetem, Dilma pode se apresentar como um mito, a Vargas rediviva.

Lula é narrador de outro quilate. Para continuar com figuras imaginadas por Benjamin, o ex-presidente é o Marinheiro, o navegante que esteve em outras terras, aprendeu coisas novas e voltou para narrar o que viu na viagem. Ele saiu do sertão num pau-de-arara. Singrou mares e classes nunca dantes navegados. Deixou o Planalto como o presidente mais bem-sucedido da história nacional.

Não mais, Musa, não mais. Acossado, o ex-presidente virou um narrador sem ponto de vista. Ora fala como um líder de truz dos trabalhadores. E ora se gaba de ter feito palestras milionárias a executivos amestrados. Tornou-se um narrador inconfiável, meio machadiano. Talvez por isso junte cada vez menos gente que queira ouvir a sua narrativa.

 

O ministro sincero

Por BERNARDO MELLO FRANCO

O Brasil está "perdendo feio" a batalha para o Aedes aegypti. O diagnóstico foi feito ontem pelo ministro da Saúde, Marcelo Castro. A declaração irritou a presidente Dilma Rousseff, que o convocou para uma conversa a sós no Planalto.

A rigor, não houve novidade nas palavras do ministro. Ele apenas repetiu o que dissera na sexta passada, no Piauí. Na ocasião, a chefe parece não ter ouvido. Agora que ouviu, não gostou. Castro foi ao palácio com a certeza de que levaria um sabão.

O ministro está no cargo há menos de quatro meses. Ainda não disse a que veio, mas já se notabilizou pelas frases desastradas. Há duas semanas, afirmou que o vírus zika pode produzir uma "geração de sequelados". É difícil imaginar uma insensibilidade maior com os pais de bebês que nasceram com microcefalia.

Castro também disse "torcer" para que as mulheres em idade fértil peguem a doença antes de engravidar. Completou a frase com uma risada, em outra atitude imprópria para o cargo e a gravidade da situação.
Deputado do chamado baixo clero, o peemedebista nunca havia sonhado a sério em virar ministro da Saúde. Foi alçado ao posto em uma barganha explícita por votos contra o impeachment. Ninguém precisava ter doutorado em epidemiologia para saber que não poderia dar certo.

A avaliação geral em Brasília é que Castro está aquém do cargo. Sua equipe demorou demais a reagir ao surto do zika, que se espalha em velocidade alarmante. De quebra, o país acaba de bater o recorde anual de casos de dengue, também também transmitida pelo Aedes. Em 2015, a doença atingiu a marca de 1,6 milhão de registros, com 863 mortes.

Apesar da nova demonstração de inabilidade política, o ministro não errou ao dizer que estamos perdendo a batalha para o mosquito. Ele apenas admitiu uma verdade incômoda para o governo e triste para todo o Brasil. Diante da emergência do zika, a sinceridade que irritou Dilma é o menor dos problemas.

 

Pra frente, Brasil!

Por BENJAMIN STEINBRUCH

Perde o sono quem se debruça a avaliar os inúmeros problemas globais deste início de ano. Ao mau humor brasileiro somam-se avaliações bastante pessimistas sobre o comportamento da economia mundial.

Para o Brasil, a má notícia, pior de todas, é o desaquecimento da China, o grande consumidor de commodities industriais e agrícolas. O crescimento da economia da China, de 6,9% em 2015, ainda é robusto quando comparado com os dos demais países emergentes ou desenvolvidos, mas está longe do conhecido "ritmo chinês" dos últimos 25 anos, quase sempre em índices de dois dígitos.

O desaquecimento da demanda chinesa derruba o preço das matérias-primas, desde o petróleo até os metais e as commodities agrícolas.

No caso do petróleo, a estratégia dos grandes produtores, que visa a inviabilizar a concorrência de outras fontes de energia, levou o preço a níveis inacreditavelmente baixos. Desde junho de 2014, em pouco mais de um ano e meio, portanto, a cotação do barril de petróleo caiu 70%, de US$ 110 para US$ 30.

Nesse cenário, as petrolíferas, entre elas a Petrobras, já adiaram quase 70 projetos de exploração ao redor do mundo, o que levou a um corte de investimentos de quase de US$ 400 bilhões no ano passado.

O efeito petróleo se espalha por todas as cadeias globais. A Europa patina, os emergentes perdem posições e só a economia americana ainda vai bem.

Além disso, há uma série de problemas geopolíticos, sendo o principal deles o grande número de imigrantes do Oriente Médio que buscam refúgio na Europa.

Nesse contexto se enquadra o Brasil, com seus velhos problemas internos –tributação elevada, juros exorbitantes, burocracia, baixa produtividade e corrupção–, agravados por crise política e polarização ideológica.

O que fazer? Como voltar a crescer e a criar empregos?

Ninguém tem fórmula mágica, mas é preciso agir. Não dá para o país aguardar sentado a melhora das condições globais.

A desvalorização do real, uma das maiores entre as moedas emergentes, já começou a ajudar as exportações. É indispensável incentivá-las ainda mais, especialmente nas áreas em que o país é competitivo, como em produtos agroindustriais. Não se pode esperar, porém, que a recuperação da economia venha apenas do impulso exportador. Até porque, segundo todas as previsões, a demanda global vai se retrair ainda mais no curto prazo com a queda do petróleo.

É obrigatório, portanto, olhar para o vasto mercado interno, com mais de 200 milhões de consumidores. Reativá-lo é possível, apesar do pessimismo e das críticas injustas ao modelo adotado na crise de 2008. É obrigatório também retomar investimento em infraestrutura e construção, grandes geradores de emprego.

A receita para reaquecer o consumo interno passa pelo crédito. Às famílias endividadas e inadimplentes pode ser oferecida a renegociação dos empréstimos com juros civilizados. E às empresas combalidas, refinanciamentos para que possam levantar e andar.

Os juros civilizados são fundamentais. Na semana passada prevaleceu o bom senso, quando o Banco Central abortou uma elevação da Selic. Um país arrasado pela recessão não pode aumentar sua taxa básica de juros, a menos que queira ser motivo de chacota global.

Por fim, o país precisa de um choque de confiança, que poderia vir da apresentação de um plano de reformas, há muito esperadas, ao Congresso.

A charge do Alpino

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Reynaldo Rocha: A obra-prima do mestre Guzzo sobre essa farsa chamada Brasil

REYNALDO ROCHA

Tempos difíceis. Após ter a casa assaltada – com um cão morto a tiros – leio um texto histórico, eterno, uma obra-prima do mestre J. R. Guzzo. O que era um dia pesado ficou insuportável.
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“Onde está a honestidade?” e outras cinco notas de Carlos Brickmann

Publicado na Coluna de Carlos Brickmann

Só política, só bandidagem, só ladroeira. Parece que todas as páginas dos jornais foram destinadas ao noticiário do crime ─ ora é crime a mão armada, ora é crime por propina dada, ora é crime de verba desviada, ora é crime cometido por amigos do peito, ao lado dele, e ele não sabia de nada.» Clique para continuar lendo

 

Fonte: Folha de S. Paulo + VEJA

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