Juros do BC: "para onde vai o dólar?", "tomou-se a decisão certa", "os vaivens e as consequencias", e Tombini na frigideira
Crise lá, crise cá e os juros do BC
por VINICIUS TORRES FREIRE
O tumulto na finança mundial ofereceu motivo de última hora para o Banco Central manter os juros na mesma. Não seria preciso pretexto, caso a conversa do BC fosse melhor. De resto, a muvuca financeira começou na virada do ano; a reviravolta do BC, na terça de manhã.
Na nota obscura em que anunciou sua decisão, o BC pareceu dizer que levou em conta a recessão horrenda e "...a elevação das incertezas domésticas e, principalmente, externas".
Citou ainda as "perspectivas de inflação". Isso quer dizer que o BC fez contas novas e descobriu que o IPCA vai cair? Ou que, por ora, é melhor dar um tempo, ficar parado e tolerar o risco de IPCA ir a 8% ou 10% em 2016?
Quanto às "incertezas domésticas", elas por ora não auguram boas coisas para a inflação, embora um desastre recessivo maior possa deprimir salários e preços. É isso?
Quanto à situação externa, a coisa está, sim, meio sinistra. Mas o que preocupa o BC? Além do mais, dadas a decisão de ontem e a desordem mundial, para onde vai o dólar?
Nos dias de medo, o pessoal do dinheiro grande lá fora desanda a falar num palavreado hiperbólico. Coisas como "não vai ser 2008, mas pode ser como 2001-02", lembrança do estouro da bolha de ações das empresas de tecnologia da moda e da contabilidade criminosa nos EUA. Há quem fale de "credit crunch", seca de crédito, quando bancos reduzem empréstimos à míngua, por medo de calotes.
Os menos exagerados relembram 2013. Então, os donos do dinheiro tiveram reação histérica à mera menção de que os juros subiriam nos EUA, o que viria a ocorrer só no final de 2015. Há quem lembre também a crise europeia de 20011-12.
Não há clareza a respeito dos motivos da derrocada nos mercados financeiros. Há mal-estar com a decadência do ritmo chinês, que prejudica o crescimento e a capacidade de pagamento de países "emergentes" e/ou muito dependentes de commodities. Há a derrocada do petróleo, que arrebenta alguns emergentes e pode levar petroleiras à falência.
O risco de quebra de petroleiras seria um motivo mais específico do medo, mas pode se tratar de apenas um bom chute, pois o problema ainda é nebuloso. Bancos e outros credores sofreriam um baque, claro. De qual tamanho? Se a finança estima que a coisa vai ser feia, pode começar a se livrar de outras dívidas mais arriscadas, derrubando preços em vários setores e secando alguns canais de crédito.
A moeda chinesa pode ser um problema. A China padece de fuga de capitais. A fim de evitar desvalorização maior de sua moeda, o yuan, o país vende reservas (dólares). Para fazê-lo, enxuga a quantidade de dinheiro na praça doméstica, o que não pega muito bem para uma economia que pretende evitar redução maior do crescimento.
Caso desista da estratégia, deve haver desvalorização do yuan e, de pronto, algum tumulto no mercado, dadas as consequências (algum impacto no comércio mundial, desvalorizações nos países do entorno chinês etc.).
Há, enfim, um medo vago de que se puseram trilhões na especulação com negócios e países de risco, ora mal das pernas, trilhões oferecidos a juro menor que zero pelos BCs. Por aqui, não temos vaga ideia de como o nosso BC relaciona esse tumulto à nossa crise.
BC mantém juros e faz a coisa certa, ainda que tenha feito antes um monte de coisa errada (por REINALDO AZEVEDO, em veja.com)
E o Banco Central manteve a taxa de juros nos 14,25%. Escrevi ontem a respeito. O título do meu post: “BC errou quando anunciou aumento de juros e quando ensaiou recuo”.
Afirmo naquele post que a instituição nem deveria ter dado como certo, há duas semanas, que os juros iriam subir nem deveria ter anunciado a disposição de rever aquela perspectiva depois que o FMI fez previsões catastróficas para a economia.
Também escrevi que, qualquer que fosse a decisão, ela estaria sob suspeita. Transcrevo em azul:
Tombini, em suma, resolveu se meter num buraco sem saída. Querem ver por quê?
1: se não eleva a taxa — e não precisaria mesmo —, dará a entender que cedeu a pressões;
2: se a eleva em 0,25 ponto, sempre restará a suspeita de que, antes de o FMI se manifestar, a elevação seria 0,5 ponto;
3: se eleva em 0,5 ponto, vai parecer que está fazendo ouvidos moucos ao FMI e que vai adotar uma posição mais rígida justamente para deixar claro que não cede a pressões.
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Retomo
Muito bem! Os juros ficarão, por ora, nos 14,25%. E se está fazendo a leitura número um do meu prognóstico: considera-se que o BC cedeu a pressões.
Como não haveria decisão sem crítica, resta saber se havia decisão certa. A meu ver, tomou-se a decisão certa. Foi o que recomendei na terça no programa “Os Pingos Nos Is”. O vídeo segue abaixo, a partir dos 46min37s.
Transcrevo um trecho:
“Olhem aqui, se o Banco Central — e eu não sou economista, mas eu sei lidar com lógica, com os fatos e com a história. Se o Banco Central tiver um mínimo de juízo, mantém a taxa de juros onde está. Elevação da taxa de juros de 0,5 ponto é um delírio! Só vai aumentar brutalmente a dívida pública e não vai baixar a inflação. Não tem inflação de demanda no Brasil. Não tem gente comprando demais. Tem recessão no país! Vai aumentar o juro pra quê agora? Só pra mostrar que é valente? Não se trata mais disso. O país está prestes, eu disse isto aqui outro dia, a entrar num regime de “dominância fiscal”, quando a política monetária deixa de ter importância. (…) [Elevação da taxa de juros] não está mais surtindo efeito [para baixar a inflação]. Só eleva a dívida pública. Ou se mexe na questão fiscal — de verdade, não de mentirinha! —, faz-se o trabalho inteiro, não pela metade, ou eles vão continuar a penalizar o Brasil [com aumento de juros], a inviabilizar o Brasil, e a inflação vai continuar alta, se é que não acaba crescendo”.
Arremato
No diagnóstico que o Banco Central apresentou no começo de janeiro sobre as razões de a inflação ter estourado o teto da meta, apresentam-se três fatores, não contestados por ninguém:
– desequilíbrio fiscal;
– reajuste dos preços administrados;
– realinhamento de preços em razão da questão cambial.
Curiosamente, no mesmo documento, ameaçava-se com a elevação dos juros, incapaz de interferir em qualquer um desses três fatores — e o brutalmente mais importante é a questão fiscal.
Assim, meus caros, ainda que possa ir na contramão do que deveria pensar “um liberal”, segundo certa cartilha, acho que o Banco Central fez a coisa certa. Ainda que fazendo um monte de coisa errada antes.
Política externa do BC
Por MATIAS SPEKTOR
Nesta semana, o presidente do Banco Central golpeou o que restava de credibilidade na política econômica com um vaivém de expectativas que gerou desconfiança generalizada no Brasil e no exterior. Fiel a seu estilo, Dilma arrematou: "O BC não é uma instituição independente".
A conta desse experimento malfadado cairá nas costas de quem depende de salário e emprego. É possível que o governo chegue ao fim do mandato com uma economia menor e mais empobrecida do que encontrou ao assumir as rédeas.
O problema, no entanto, não se esgota aí. Os vaivéns do BC também estão tendo sérias consequências sobre as relações exteriores do país.
Responsável por 48% do PIB da América do Sul, o Brasil é o maior investidor, credor e consumidor da vizinhança. A Bovespa é a principal e mais líquida das Bolsas de Valores sul-americanas, ao passo que o real desenvolveu nessas duas décadas uma zona de influência a seu redor.
Quando o Brasil exporta crise para seus vizinhos, termina importando problemas graves. Afinal, a América do Sul é hoje essencial para a saúde da economia brasileira. A dependência com os vizinhos é mútua.
Num momento em que todos os países da vizinhança padecem de um contexto global de juros em alta e de preços de commodities em baixa, a crise brasileira pode ser explosiva.
O Banco Central deveria estar emitindo sinais claros que permitissem a governos estrangeiros ter o tempo para mitigar os impactos negativos da crise. Sem isso, o que resta é desconfiança numa região da qual dependemos.
Este governo é o que é, e não parece que vai mudar de toada. Mas é hora de começarmos a imaginar as linhas básicas da diplomacia financeira que será necessária para recolocar o Brasil nos trilhos quando tivermos a próxima transição presidencial.
A prioridade absoluta é reconhecer que o Banco Central é uma das instituições públicas de maior impacto sobre as relações exteriores. Portanto precisa ter os instrumentos para gerir sua realidade de forma inteligente.
O BC possui hoje dez escritórios no país, mas nenhum no exterior. Não conta com um embaixador itinerante para explicar suas posições no exterior nem costuma convidar representantes de bancos centrais estrangeiros para sessões do Copom (Comitê de Política Monetária).
Quase toda a cooperação técnica que o BC oferece na atualidade vai para África, Cuba e Suriname, não para a América do Sul, onde o impacto da política monetária é mais sentido. Não há mecanismos para gerir a interdependência.
É hora de começar a conceber uma diplomacia financeira equipada para valer.
Tombini substituiu Levy na frigideira do Planalto, por JOSIAS DE SOUZA (do UOL)
A manutenção dos juros não chega a ser um despropósito. Embora em minoria, há na praça economistas respeitados que esgrimem a tese segundo a qual a elevação da taxa aprofundaria a recessão que carcome a atividade econômica. O problema é que o BC, alheio a todas as ponderações, sinalizava desde o final do ano passado que puxaria a Selic para o alto. Deu meia-volta sob pressões de Dilma, de Lula e do PT. Por mal dos pecados, o BC não explicou adequadamente o recuo. Com isso, permitiu que a providência fosse entendida como uma rendição política.
A independência do Banco Central não é nenhuma panaceia. Mas há um quase consenso entre os especialistas de que se dão melhor no mundo os países que fazem opção pela estabilidade da moeda e pela disciplina fiscal, associadas a um Banco Central que, na prática, desfrute de independência funcional —ou autonomia, como se queira definir. Dilma, que nunca conviveu pacificamente com tais conceitos, parece pender novamente para uma matriz econômica própria.
Os sinais de que o BC planejava salgar os juros foram emitidos por escrito e verbalmente. No relatório trimestral de inflação de 2015, divulgado na véspera do Natal, a instituição anotara: “Independentemente do contorno das demais política, o Comitê [de Política Monetária do BC] adotará as medidas necessárias de forma a assegurar o cumprimento dos objetivos do regime de metas, ou seja, circunscrever a inflação aos limites estabelecidos pelo Conselho Monetário Nacional, em 2016, e fazer convergir a inflação para a meta de 4,5%, em 2017.''
No mesmo dia, numa conversa com jornalistas, o diretor de Política Econômica do BC, Altamir Lopes, foi questionado sobre as pressões políticas para baixar os juros, em resposta à recessão e ao desemprego. Altamir disse que os efeitos da inflação são tão deletérios ou até piores. Ele soou categórico: “Se você conseguir fazer um ajuste e trazer a inflação para a meta, os ganhos para a sociedade são muito maiores.''
O diretor do BC acrescentou: “O nosso mandato em relação à inflação é um só. É trazer a inflação para a meta. Temos determinação, compromisso, autonomia e instrumentos para agir. E vamos agir, se necessário.''
Ficara entendido que, para lidar com uma inflação de mais de 10%, o BC não hesitaria em elevar a taxa de juros nesta quarta-feira, na primeira reunião do Conselho de Política Monetária no ano de 2016. Faria isso “independentemente das demais políticas”. Quer dizer: se necessário, remaria na contramaré do ajuste suave defendido por Dilma e Nelson Barbosa, o petista que substituiu Levy na Fazenda.
Em reação, o presidente do PT, Rui Falcão, veiculou na página eletrônica do partido, uma mensagem de final de ano intitulada “Uma nova e ousada política econômica para 2016”. No texto, Falcão anotou que Dilma “precisa se concentrar na construção de uma pauta econômica que devolva à população a confiança perdida após a frustração dos primeiros atos do governo.” Numa frase, desafiou o BC e a Fazenda: “Chega de altas de juros e cortes de investimentos.”
Nesta quarta-feira (20), enquanto a diretoria do BC ainda debatia os juros entre quatro paredes, Lula ditava o novo rumo numa entrevista a bloqueiros, em São Paulo. Nesta fase pós-Levy, Dilma deve governar com os olhos voltados para sua tribo, não para o mercado. “Em algum momento se acreditou que, fazendo um discurso para o mercado, ia melhorar. Não conseguimos ganhar uma pessoa do mercado'', lamuriou-se Lula. “E perdemos nosso exército.”
Às vésperas da reunião do Copom, Tombini esteve com Dilma. Na sequência, escorou-se num relatório do FMI para sinalizar o recuo. Em essência, o texto do Fundo Monetário dizia que a economia brasileira encolheu em 2015 (3,8%), voltará a murchar em 2016 (3,5%), ficará estagnada em 2017 e talvez volte a crescer em 2018. Nada que o BC não soubesse. Ainda assim, Tombini usou o documento como muleta para sua meia-volta.
Além de evidenciar a reativação da frigideira, o vaivém de Tombini potencializou no mercado a percepção de que há no BC uma diretoria com prazo de validade vencido. Num instante em que a inflação reclama atenção prioritária, isso pode ter efeitos desastrosos. Espraia-se também a sensação de que Dilma já não dispõe de bodes expiatórios. Responderá sozinha pela ruína econômica. Sem desculpas nem anteparos.