"Atraso profundo", por ANDRÉ SINGER (ex-porta-voz de Lula)

Publicado em 16/01/2016 11:59
por ANDRÉ SINGER (cientista político e professor da USP, onde se formou em ciências sociais e jornalismo. Foi porta-voz e secretário de Imprensa da Presidência no governo Lula) .

Atraso profundo

Por ANDRÉ SINGER, na FOLHA DE S. PAULO (edição deste sábado)

Abaixo do nível da rua – onde voltaram a fervilhar manifestações, bombas e correria – encontra-se um índice objetivo de como o Brasil custa a mudar. Estudo recente da Confederação Nacional da Indústria (CNI) aponta que, ao ritmo atual, o país universalizará a coleta de esgoto só em 2053. Até lá, cidadãos (?) brasileiros continuarão a conviver com ratazanas que têm tamanho de gatos.

O quadro fica mais grave quando se toma conhecimento que em 2013 apenas 58% dos domicílios tinha acesso ao saneamento. Significa dizer que 42% das casas ainda se encontrava excluída desse benefício civilizatório básico. Lembrando-se que, devido à variação de densidade populacional, talvez mais da metade dos habitantes esteja privada do acesso a ele.

Defendi no passado que o programa lulista tentou, a seu modo, enfrentar o problema. Os dados da CNI, em certa medida, confirmam a hipótese. De 1996 a 2006, ou seja, em uma década que envolveu os governos Fernando Henrique e o primeiro de Lula, a rede de esgoto, que atendia 40% dos domicílios, chegou a 48% deles. De 2007 a 2013, em que se pode medir apenas os mandatos lulistas, o avanço foi de 48% para 58%.

Embora a dedução seja imprecisa devido à mistura entre FHC e Lula na primeira etapa e ao caráter de longa maturação desses investimentos, pode-se supor alguma aceleração do ritmo na fase inteiramente lulista. De 0,8 ponto percentual de avanço da cobertura ao ano em média entre 1996 e 2006 passa-se a um ritmo de 1,3 ponto percentual ao ano no período que se encerra em 2013. Convém lembrar que expandir o saneamento era uma das promessas do PAC, lançado em 2007.

Ainda assim, mais de uma geração se passaria até que estivesse completada essa infraestrutura fundamental. Compreensível que jovens de baixa renda, parte deles hoje com acesso a escolarização elevada, se revoltem com a perspectiva de passar quase toda a vida ao lado das ratazanas gigantes.

Para piorar, agora que caímos em fase de estagnação sem data para terminar, com a débâcle do lulismo, o que já era lento deve ter parado de vez. É possível que algum economista liberal tenha fórmula que eu desconheça, mas até onde percebo, enquanto o Estado não puder investir, a rede de esgoto ficará exatamente onde está.

O próprio do atraso não é a imobilidade, mas a lentificação do movimento. Pouco a pouco as conquistas civilizacionais chegam por aqui. Só que, enquanto a terceira revolução industrial empurra centros desenvolvidos aos pulos para patamares cada vez mais altos, nós deixamos parte expressiva da população patinando na lama de rejeitos não tratados.

 

Por que Lula não é investigado?

Por REINALDO AZEVEDO (artigo na FOLHA)

Todos os caminhos da Operação Lava Jato levam a Lula e, por alguma razão que se perde nas brumas das apurações, ninguém é capaz de explicar, o Ministério Público Federal tampouco, por que o ex-demiurgo, convertido em verdugo da institucionalidade, não é um investigado. Ou, vá lá, para ser preciso: existe uma apuração na Procuradoria da República em Brasília para saber se ele praticou tráfico de influência em favor da Odebrecht. Dada a, digamos, onipresença do Babalorixá de Banânia nessa história, é café pequeno. Suspeito que, fosse outra empreiteira, nem isso haveria.

Dois delatores, cujas confissões já receberam a devida chancela do STF, atestam a interferência do ex-presidente no que acabou se constituindo em mais um empréstimo fraudulento ao PT. Refiro-me a Nestor Cerveró e a Fernando Baiano.

José Carlos Bumlai, o empresário que serviu para lavar a operação, confirma a sua condição de laranja. O próprio emprestador, o grupo Schahin, revela que dispensou o PT do pagamento da dívida quando conseguiu um contrato de US$ 1,6 bilhão para operar um navio-sonda da Petrobras. Dito de outro modo: o empréstimo foi pago, na prática, pela estatal. Cerveró confessa: ganhou de presente, de Lula, um cargo na BR Distribuidora por ter viabilizado o acordo do Schahin com a Petrobras. Baiano confirma.

E, no entanto, lá vai todo pimpão o inimputável da República. Vai ver isso decorre daquela maioria excêntrica formada no STF, em 2009, que decidiu que o refúgio concedido a Cesare Battisti era ilegal, mas que cabia a Lula decidir se o terrorista ficaria ou não no Brasil. Ficou. Assim, os excêntricos de toga lhe concederam a licença única para decidir contra a lei. Com mais sorte do que Aquiles, não sobrou ao petista nem o calcanhar fora das águas da inimputabilidade. Ele próprio estranha o que está em curso e contratou, por precaução, um criminalista estrelado: Nilo Batista. Tenham paciência!

Na denúncia oferecida por Rodrigo Janot contra o deputado Vander Loubet (PT-MS), o procurador-geral informa que Lula dividiu as diretorias da BR Distribuidora entre o senador Fernando Collor (PTB-AL) e o PT. E todas serviam ao pagamento regular de propina. Ao se explicar, o ex-presidente dá uma resposta estupefaciente: as nomeações seriam de responsabilidade dos partidos. Pelo visto, ele apenas fazia a divisão dos feudos.

Por nada, o senador tucano Antonio Anastasia (PSDB-MG) se tornou um investigado. Um daqueles distribuidores de propina da quadrilha do petrolão disse ter entregado dinheiro a um homem muito parecido com o parlamentar. O reconhecimento foi feito por fotografia. Inquérito nele! Foi arquivado depois porque era lorota.

Petistas têm um modo muito peculiar de raciocinar. A cada vez que surge um indício contra o ex-presidente; a cada vez que seu nome é mencionado numa tramoia, a cada vez que se adensam as suspeitas, vociferam os companheiros: "Estão vendo? Tudo isso é para atingir Lula!" Pois é... Como ele vai se mostrando onipresente no escândalo, o petralha vê confirmada a sua tese.

Assim, segundo esse pensamento peculiaríssimo, quanto mais indícios aparecem contra Lula, menos a gente pode pedir que ele seja investigado para que não se caracterize, então, uma perseguição. Entenderam?
O PT não é apenas uma fraude política, uma fraude ética e uma fraude histórica. É também uma fraude lógica.

Por que Lula não é investigado?

 

O estágio da negação

Por DEMÉTRIO MAGNOLI (Doutor em geografia humana, é especialista em política internacional)

"Sobre a Morte e o Morrer", da psiquiatra Elisabeth Kubler-Ross, publicado em 1969, expõe a teoria dos cinco estágios do luto. Kubler-Ross não pensava no luto político, mas os contorcionismos dos "intelectuais orgânicos" do lulopetismo sugerem paralelos viáveis. A entrevista concedida por Jessé Souza, presidente do Ipea, à "Ilustríssima" (10.jan) indica que, confrontada com o falecimento de seu projeto político e econômico, a maioria da esquerda brasileira percorre o estágio inicial: negação.

Jessé declara guerra à corrente principal das ciências sociais brasileiras, acusando Sérgio Buarque de Hollanda ("o pai desse liberalismo colonizado brasileiro"), Raymundo Faoro e Roberto DaMatta de fabricar as ferramentas ideológicas destinadas a "demonizar o Estado" e "permitir a privatização de todas as áreas da sociedade". O "Estado Mínimo" só existe nos sonhos de verão de ínfimas seitas ultraliberais. Já o "Estado Máximo", objeto de adoração de Jessé, constitui a nossa tradição moderna, de Getúlio Vargas a Lula, com escala em Ernesto Geisel. Há 36 anos, a crítica de esquerda ao capitalismo de Estado foi uma das fontes da fundação do PT. Hoje, num movimento regressivo, os intelectuais do lulopetismo dedicam-se a apagar os vestígios daquela crítica.

A regressão é uma negação. No 13º ano de poder lulopetista, sob uma epidemia de dengue, face à inauguração de uma Olimpíada que terá como palco as águas cariocas infestadas de poluição, numa metrópole cuja saúde pública entrou em colapso, Jessé enxerga no "Estado Máximo" um instrumento de redenção dos pobres. O Estado geiseliano, dizia a esquerda que juntou-se ao PT, servia para canalizar recursos públicos ao grande empresariado nacional e internacional. A aventura lulopetista no BNDES e na Petrobras é uma nova prova do que já se sabia, acrescida de lições suplementares: nosso capitalismo de Estado obedece, também, aos interesses da alta burocracia estatal e da elite política que comanda o Executivo e o Congresso. Para ter razão, Jessé precisaria abolir os 13 últimos anos de nossa história: a experiência de poder do partido ao qual presta sua consultoria teórica.

"A corrupção é endêmica ao capitalismo", proclama Jessé, para dissolver a corrupção presente na corrupção universal, absolvendo o "Estado Máximo" cujas engrenagens propiciaram a aliança entre o PT e o grande capital privado. Quando, finalmente, algumas figuras de proa do petismo reconhecem que o partido "se lambuzou" no governo, Jessé retruca com a senha formulada pelos intelectuais petistas nos tempos do mensalão: a alegada perseguição da "mídia conservadora" contra os "governos populares". O estágio da negação confunde-se, muitas vezes, com o seguinte, que é o da raiva, ensina Kubler-Ross. Circulando entre um e outro, os intelectuais do PT atrasam a marcha do partido rumo ao estágio final, da aceitação, uma dádiva que não está ao alcance de todos.

O empreendimento da negação atinge um cume paroxístico no diagnóstico sobre o triste outono do modelo lulopetista. Segundo Jessé, a crise em curso decorre da reação do "grande capital especulativo" contra o governo Dilma, que tentou "comprar a briga" contra a "grossa corrupção" universal do capitalismo. "Hoje, fica claro que esse pessoal não a perdoou pela ousadia", conclui o personagem que denuncia a "tolice pré-fabricada entre nós". As altas finanças lucraram desmesuradamente na era lulopetista e, na hora aguda da crise, o Bradesco ofereceu a Dilma um ministro da Fazenda. Mas, no estágio da negação, o paciente bloqueia o mundo dos fatos, racionalizando suas próprias emoções.

No fundo, o presidente do Ipea toma emprestado o discurso de Nicolás Maduro, que atribui a implosão do modelo chavista a uma "guerra econômica" promovida pelas elites nacionais e estrangeiras. É Caracas, na "Ilustríssima".

Descontentes, uni-vos

Por CLÓVIS ROSSI

Está sendo lançada nesta sexta-feira, 15, na Europa uma nova iniciativa de esquerda, cujo alvo prioritário são as políticas de austeridade que se tornaram marca registrada da política no mundo todo (vide Brasil, no início do segundo período de Dilma Rousseff).

Há duas estrelas midiáticas entre os defensores do novo projeto: o prêmio Nobel de Economia Joseph Stiglitz, que, de assessor econômico da Casa Branca no governo Bill Clinton, tornou-se o "enfant terrible" do capitalismo depois que saiu; e Yannis Varoufakis, ministro grego da Economia no início da gestão do grupo esquerdista Syriza, notabilizado pela colisão frontal com seus colegas europeus.

  Thanassis Stavrakis - 10.jul.15/Associated Press  
O ex-ministro da economia da Grécia Yanis Varoufakis participa de uma reunião no Parlamento em 2015

Participa também Ada Colau, a nova prefeita de Barcelona, que se tornou conhecida pela defesa dos despejados de suas casas pela impossibilidade de pagamento - eleita por uma coligação que nada tinha a ver com os partidos tradicionais.

Fazem parte também quadros do Podemos, o partido criado a partir dos protestos dos indignados espanhóis, indignados exatamente pelos duros efeitos da austeridade.

E o indefectível linguista Noam Chomsky, um ícone da esquerda.

Não se trata de um novo partido político, mas de "um espaço de confluência" para todos os que se opõem às políticas de austeridade.

O catalisador do movimento foi a crise da Grécia, exatamente o país mais devastado pela austeridade.

O manifesto de lançamento, adianta o jornal "El País", diz que, na Grécia, houve "um gol­pe de Es­ta­do fi­nan­cei­ro exe­cu­ta­do a partir da

União Eu­ro­peia e suas ins­ti­tuições con­tra o governo gre­go, con­de­nan­do a popula­ção grega a continuar so­fren­do as po­lí­ti­cas de austeridade que já haviam re­cha­ça­do em duas oca­siões por meio das ur­nas".

De fato, os eleitores gregos rechaçaram a austeridade três vezes, na verdade, inutilmente. O partido (Syriza) que venceu exatamente por se opor a ela terminou por ser obrigado a compor com os credores.

Corolário inescapável: "incompatibilidade das instituições europeias com a democracia".

Eis um ponto que pode ser trasladado para o Brasil: a oposição e setores à esquerda do PT acusam o governo Dilma de "estelionato eleitoral", exatamente por defender a austeridade, após uma vitória eleitoral em que ela não apareceu nem de leve.

(Se a austeridade foi mais falada do que executada não muda o estelionato).

Como setores do próprio PT atacaram o programa de austeridade o tempo todo, deduz-se que cabem no novo "espaço de convivência", até porque este se diz com "visão internacionalista".

O novo movimento já convocou um congresso para de 19 a 21 de fevereiro, a realizar-se em Madri.

Embora nasça contra alguma coisa (no caso, a austeridade), é óbvio que, mais cedo que tarde, terá que propor algo em seu lugar que seja factível.

Aí é que se verá se o novo conglomerado tem chances de permanência e de influência, em vez de ser apenas um clube de debates, eventualmente ricos mas inócuos.

Ladeira abaixo (editorial da FOLHA)

O preço do petróleo não para de cair. O barril passou de cerca de US$ 100, em meados de 2014, para menos de US$ 30, e não se sabe onde fica o fundo do poço.

Sem opção, grandes petroleiras reagem cortando custos e investimentos. A Petrobras segue o mesmo caminho, mas, dado o acúmulo de desequilíbrios na estatal, os esforços por ora resultam insuficientes.

Para começar, sua dívida monta a cerca de US$ 100 bilhões, a maior do mundo. Todas as medidas saneadoras precisam ser adotadas tendo como prioridade convencer os credores de que a empresa se manterá solvente. Do contrário, será cada vez mais difícil rolar os vencimentos dos débitos.

Como esse princípio não foi seguido à risca na revisão do plano de negócios da Petrobras, não surpreende a recente queda no preço das ações. O corte de US$ 32 bilhões em investimentos até 2019 terá início apenas em 2017 –aos olhos do mercado, um prazo a perder de vista nas atuais condições.

Além disso, soaram excessivamente otimistas as estimativas de US$ 45 para o preço do petróleo e de R$ 4,06 para o dólar, assim como a projeção de arrecadar US$ 14,4 bilhões com a venda de ativos em 2016 –iniciativa que não rendeu nem US$ 1 bilhão em 2015.

As contas não fecham, de todo modo. Para equilibrar seu caixa e reduzir a dívida, a Petrobras precisa de mudanças mais profundas.

Embora o momento de mercado não seja favorável a grandes operações, o colapso da estatal torna imprescindível negociar mesmo ativos considerados estratégicos. É esse o caso da decisão de vender a participação na petroquímica Braskem, uma fatia de 36% avaliada em mais de R$ 5 bilhões.

Ademais, por que não vender a BR Distribuidora, marcada pelo apadrinhamento político e pela corrupção? Uma transação que envolvesse a participação majoritária na companhia, e não apenas fatias, sem dúvida poderia alcançar preços mais elevados.

Em outra frente, é crucial haver um compromisso sério de reestruturação administrativa, incluindo corte de pessoal e redução dos exorbitantes privilégios de funcionários e da direção da estatal.

Se o preço do petróleo se mantiver no nível atual pelos próximos anos, todavia, dificilmente a Petrobras escapará de uma capitalização, apesar de tal caminho ter a penúria do Tesouro como obstáculo.

Ou seja, a assombrosa sequência de desmandos conduziu a estatal a um ponto em que não restam boas opções. As gestões dos petistas Lula e Dilma Rousseff quebraram a Petrobras, e a tarefa de resgatá-la demandará a mobilização de todas as forças políticas que ainda se pretendem sérias no país.

Cobertor curto e desfiando

Por VINICIUS TORRES FREIRE

A velha história do cobertor curto não pode dar conta do que vai acontecer com os gastos do governo neste ano. Talvez seja otimista demais ficar na dúvida entre cobrir os pés ou a cabeça. O cobertor deve ficar mais puído, deve diminuir de novo.

Não é lá grande novidade que a arrecadação federal de impostos deve cair outra vez em 2016. Surpresa seria ver o governo fazer a poupança mínima que prometeu e não dar outro talho brutal nos seus investimentos "em obras".

Evitar outro corte nos investimentos deve ser prioridade para um governo que quer estancar a recessão. No entanto, pelo andar da carruagem, será possível investir tanto quanto em 2015, que já foi pouco, apenas com mais cortes em saúde e educação. Ou com mais deficit.

Ao fim das contas de 2015, o gasto com investimento deverá ter caído quase 40% em relação a 2014. Em relação ao tamanho da economia, os gastos "obras" devem cair de 1,36% do PIB, em 2014, para 0,9% do PIB. Como fatia da despesa do governo, de 7,5% para 4,9% do total.

Trata-se dos níveis mais baixos em nove anos.

No papel, no Orçamento para 2016, a despesa com investimento deve cair uns 7%. Essa estimativa foi feita com base na ideia oficial de que a recessão não vai diminuir ainda mais a receita de impostos; de que vão entrar dinheiros tais como o da CPMF, que talvez seja votada lá por meados do ano.

Na previsão oficial, ainda sobraria dinheiro equivalente a 0,5% do PIB, a meta de superavit primário para este ano (isto é, a diferença entre receita e despesa, afora aquela com juros da dívida pública).

Chutes bem informados de economistas do setor privado projetam um deficit primário de pelo menos 1% do PIB, o terceiro ano seguido de contas do governo no vermelho fogo.

Parece uma previsão mais condizente com o espírito da nova equipe econômica, que não quer sacrificar muito mais investimento em troca de décimos de superavit fiscal, de uma equipe econômica que tem dito com insistência que quer estabilizar o crescimento. Acredite-se ou não nessas ideias, é o que os novos ministros da economia têm dito.

Não se corta mais investimento, pois. Não se mexe mais com as despesas de saúde e de educação, que já estão quase no limite inferior obrigatório. Muito bem. Qual será então o efeito de mais um deficit primário? Como vai reagir, por exemplo, o Banco Central?

Há um zum-zum a respeito da decisão do BC na semana que vem, se vai aumentar ou não a taxa básica de juros, a Selic. Pelos compromissos em tese assumidos pelo menos na segunda metade de 2015, o BC deveria aumentar a taxa de juros. De resto, o BC tem dito que o gasto excessivo do governo tem prejudicado o controle da inflação.

No entanto, mesmo economistas ditos "liberais" de peso acreditam que uma alta extra não faria efeito ou seria francamente daninha (não vai bulir com a inflação, vai elevar ainda mais a despesa com juros).

É bem possível. Mas então podemos ficar na situação muito interessante de o BC não elevar a taxa de juros, as expectativas de inflação continuarem em alta, de o governo continuar a ter deficit e de não haver nenhuma reforma maior que aponte mudança no médio prazo.

Como vai ser o nome dessa política econômica?

vinicius.torres@grupofolha.com.br

 

Ajuste que não custa dinheiro

Por PEDRO LUIZ PASSOS

Em meio à crise política que alimenta a contração da atividade econômica, e vice-versa, o país precisa de ações que tragam alento ao ambiente de negócios, tornando-o mais favorável aos investimentos e à retomada do crescimento.

A injeção de ânimo não virá do Estado, cujas contas se encontram em pandarecos. Nem do setor privado, que enfrenta recuo forte da demanda por bens e serviços e aumento de custos. Não obstante, a paralisia revela o que há de mais preocupante em nossa atual conjuntura: a falta de empenho e conceitos do governo no enfrentamento de problemas cuja solução depende somente dele.

Não há razão, por exemplo, para a manutenção de barreiras que pressionam os custos das empresas, derrubam a produtividade, comprometem a competitividade e atrapalham o cotidiano das pessoas.

É o caso do conjunto de leis e normas no qual está enredado o mundo corporativo e toda a sociedade. Mais assustadora é a capacidade de multiplicação desse emaranhado, com o surgimento de regras de todos os tipos e mais variados propósitos. Segundo o Instituto Brasileiro de Planejamento Tributário, desde 1988 foram editados mais de 5,2 milhões de decretos, leis, portarias, etc., o que significa espantosas 750 novas normas a cada dia.

É difícil aceitar a inapetência dos governantes e legisladores em desmontar mostrengos que atazanam os brasileiros com burocracias desnecessárias e que encarecem os custos em geral. Simplificar, no mais das vezes, não exige investimentos vultosos nem depende de tramitação no Congresso. Exige atitude.

A falta de iniciativa nesse campo pode ser explicada ou pela simples inoperância das autoridades ou pela incompreensão sobre o impacto positivo da desburocratização para a economia e a sociedade.

Esse é um ambiente propício à cultura do litígio que se instalou nas relações sociais. O país paga um preço alto. Estudo do professor Luciano Da Ros, da UFRGS, apurou que se gasta 1,8% do PIB com o sistema de Justiça, que inclui Poder Judiciário, Ministério Público e defensorias públicas. É o mais alto custo do mundo. Na França, é de 0,2% do PIB, na Alemanha, de 0,35%.

A instabilidade gerada pelas constantes mudanças nas regras do jogo é reforçada por uma malha tributária quase indecifrável. Tomo como exemplo o setor de higiene pessoal, perfumaria e cosméticos, que conheço diretamente. Só de IPI há nove diferentes alíquotas determinadas por aspectos como "essencialidade" dos produtos, conceito já superado, incompreensível para os consumidores e, acreditem, inexplicável na maior parte das vezes pelos técnicos da Receita Federal.

Por que tratar tributariamente setores e produtos similares de forma tão distinta? A quem interessa tamanha confusão, se nesse caso basta um decreto do Ministro da Fazenda para resolver a barafunda do IPI no nosso país?

Somem-se 27 diferentes legislações do ICMS e os demais impostos federais, estaduais e municipais e se terá um retrato do que significa gestão tributária no Brasil.

Como se não bastasse, a crescente necessidade de receitas pelos estados tem levado ao aumento da carga fiscal e a mudanças na legislação que a tornam ainda mais complexa. É desejável evitar a oneração da carga tributária, como a eventual ressurreição da CPMF, e, sempre que possível, propor caminhos para reduzi-la.

Mas a simplificação da burocracia e da estrutura tributária já sinalizaria a direção do país que queremos, além de representar um ajuste que não pressiona o combalido Tesouro Nacional e promove certo alívio até que o equacionamento da crise política nos devolva a confiança perdida. O que os governantes e legisladores estão esperando para agir?

 

Matar ou morrer

Por FERREIRA GULLAR

O ano de 2016 será decisivo para o futuro do governo de Dilma Rousseff. Será decisivo por várias razões, e uma delas é por não poder repetir a inoperância desastrosa que o caracterizou em 2015, com uma estimativa de queda do PIB de 3,7% e uma inflação que ultrapassou os 10%. As situações econômica e política a que chegou o país são tão graves que até mesmo Dilma, que não costuma dizer a verdade, chegou a admitir, em entrevista a um grupo de jornalistas, que de fato errou.

É certo que não confessou o erro verdadeiro –que foi, entre outras coisas, valer-se das pedaladas para garantir sua reeleição–, mas admitir que errou já é uma atitude realmente inesperada para quem não erra nunca. Mas o que aconteceu para que ela adotasse, tão inesperadamente, tal atitude? Não tenho dúvida de que se trata de uma questão de vida e morte. Ou seja, Dilma só a adotou porque viu nela o único caminho para se livrar da situação crítica a que, em função de seus erros, conduziu o país.

Não é que basta admitir ter errado para, com isso, superar as dificuldades nas quais o país se debate. Não basta, claro, mas é o primeiro passo para ela tentar ganhar credibilidade junto à opinião pública e poder enfrentar o seu agora mais sério adversário: o PT. O leitor provavelmente ficará surpreso com esta minha afirmação, mas é que, em política, tudo pode ocorrer, especialmente quando se trata de situações como esta que o populismo petista criou no Brasil.

O leitor certamente se lembra de quando o então presidente Fernando Henrique Cardoso criou os programas Bolsa Escola e Bolsa Alimentação: o primeiro para ajudar na educação dos filhos de trabalhadores e o segundo para pagar-lhes a comida quando desempregado. Lula, na época, foi contra esses programas mas, eleito presidente, os manteve, fundindo-os no Bolsa Família e triplicando o número de beneficiados. Com isso, onerou os cofres públicos e bagunçou o coreto, tornando inviável o controle da concessão dos benefícios. É que o objetivo do populismo não é resolver os problemas dos necessitados, mas explorá-los para manter-se no poder.

Assim fizeram Lula e Dilma, valendo-se do dinheiro público em programas assistencialistas e outras medidas equivocadas que contribuíram para a grave situação na qual nos encontramos hoje. Com o propósito de manter-se no poder, os presidentes petistas, em vez de investirem no crescimento econômico do país, estimularam o consumismo, chegando ao ponto de usar recursos públicos para financiar empresas privadas e assim garantir preços acessíveis ao consumo popular. Para isso e para outros procedimentos irresponsáveis, usaram recursos da Caixa Econômica Federal, do Banco do Brasil e do BNDES, contribuindo assim para a situação crítica em que se encontra hoje a economia brasileira.

A situação já era essa em 2014, quando Dilma, para se reeleger, afirmava que a economia brasileira ia de vento em popa. Como havia mentido, ao começar o novo mandato, teve de tomar as medidas necessárias para evitar o naufrágio. Foi então que convidou Joaquim Levy, cuja visão de economista é contrária à sua, para o ministério da Fazenda. Levy, então, propôs medidas necessárias à superação da crise, medidas essas que, inevitavelmente, visavam cortar despesas e fazer o ajuste fiscal. Noutras palavras, o contrário do que o populismo petista havia feito nestes 12 anos de governo.

Imediatamente, o PT se opôs a elas. Claro, porque contrariavam quase tudo o que o os governos petistas fizeram para se perpetuar no governo e, consequentemente, caso fossem postas em prática, atingiriam os seus interesses políticos e levariam inevitavelmente à sua derrota eleitoral, particularmente se impostas por Dilma, membro do partido. Resultado: quase todas as medidas propostas por Levy foram inviabilizadas por eles, e até Lula, que inventara Dilma, atuou contra elas. Sim, porque, sem as benesses do populismo, o lulapetismo estará perdido. Mas o governo Dilma, como fica? Se a estagnação de 2015 se mantiver, ela dificilmente se sustentará no poder. Em face disso, só há uma saída: fazer o contrário do que o PT pretende que se faça. Não por acaso, ela declarou na tal entrevista: "Não governo para este ou aquele partido, governo para a sociedade". Vai morrer gente! 

 

 

Fonte: Folha de S. Paulo

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