STF invalida eleição feita na Câmara e dá ao Senado o poder de barrar processo
BRASÍLIA (Reuters) - O Supremo Tribunal Federal (STF) acatou nesta quinta-feira as principais teses do governo da presidente Dilma Rousseff sobre o rito do processo de impeachment e deu ao Senado o poder de rejeitar a instauração do impedimento, além de obrigar a Câmara a refazer a eleição da comissão especial que analisará o tema, com voto aberto e sem apresentação de chapas avulsas.
Com a decisão, fica anulada a eleição feita pelos deputados que elegeu uma chapa alternativa à indicada pelos líderes partidários e formada por deputados dissidentes de partidos da base governista.
"A consquência da decisão do Supremo é a necessidade de recomposição da comissão especial na Câmara dos Deputados... Portanto, há sim a necessidade de uma nova comissão a ser escolhida por voto aberto, como o Supremo decidiu, e observadas determinadas regras de indicação dos representantes dos partidos", disse o ministro Luís Roberto Barroso após o julgamento.
Por 8 votos a 3, os ministros do Supremo decidiram que o Senado tem o poder de rejeitar a instauração do processo de impeachment contra a presidente, depois da autorização de abertura de processo dada por 342 deputados. Por 8 votos a 2, os magistrados também afirmaram que o Senado terá de decidir por maioria simples, não por maioria de dois terços, se instaura ou não o processo e afasta a presidente por 180 dias.
Ao discutir sobre a eleição para a comissão especial, os ministros determinaram por 6 votos a 5 que a votação precisa ser aberta e por 7 votos a 4 que não há possibilidade de chapa avulsa, cabendo aos líderes das bancadas dos partidos indicarem os membros do colegiado.
Após a decisão do Supremo, o presidente da Câmara, Eduardo Cunha (PMDB-RJ), que aceitou o pedido de abertura de processo de impeachment contra Dilma, apontou que, mesmo com o julgamento da corte, ainda há várias questões em aberto sobre a tramitação do processo.
A reação do Palácio do Planalto foi de alívio e comemoração com a decisão do STF. De acordo com fonte do Planalto ouvida pela Reuters, a decisão dos ministros dá fôlego ao governo no processo no Congresso e mais chances de evitar que o processo se desenrole.
Especialmente a decisão de que o Senado precisa confirmar a decisão da Câmara foi vista com alívio, já que na Casa, apoiado pelo seu presidente, Renan Calheiros (PMDB-AL), o governo tem uma bancada mais favorável.
Cunha disse que na segunda-feira realizará uma reunião com os líderes da Casa para decidir como proceder diante da decisão do STF, e não descartou propor embargos à decisão da corte.
O governo, por meio da Advocacia-Geral da União (AGU), defendeu no início do julgamento no STF a tese de que o Senado não tenha que obrigatoriamente acatar a decisão da Câmara de autorizar instauração de processo de impeachment.
Em manifestação sobre o assunto entregue ao Supremo, o Senado também defendeu sua prerrogativa de decidir se instaura o processo.
Na Veja: STF joga decisão sobre o impeachment para o Senado
O plenário do Supremo Tribunal Federal (STF) decidiu nesta quinta-feira que cabe ao Senado Federal a palavra final sobre o processo de impeachment. Pelo entendimento de oito dos onzes magistrados, os senadores têm o papel de processar e julgar a presidente Dilma nas acusações de crime de responsabilidade, sendo que à Câmara cabe apenas analisar a admissibilidade do pedido de deposição. A decisão de hoje se deu com base no julgamento em que a mesma corte definiu, em 1992, os ritos do impeachment do ex-presidente Fernando Collor de Mello. Na ocasião, também cabia ao Senado rejeitar a abertura do processo. O resultado da votação acaba por garantir sobrevida ao desgastado governo Dilma Rousseff: o STF também decidiu anular a eleição da comissão formada na Câmara para analisar o pedido de impeachment.
Conforme revelou a coluna Radar, depois do avassalador voto do relator Edson Fachin, contrário aos interesses do Palácio do Planalto, a presidente telefonou na quarta-feira diretamente para senadores em busca de apoio. Com o ex-líder do governo Delcídio do Amaral fora de campo - ele foi preso por atrapalhar as investigações da Operação Lava Jato - o Palácio do Planalto deve canalizar esforços no presidente da Casa, Renan Calheiros, e em caciques governistas com potencial de angariar apoios contra o impedimento da petista, como os peemedebistas Jader Barbalho e Eunício Oliveira. Calheiros e Jader foram recentemente citados como destinatários de propina do escândalo do petrolão pelos delatores Nestor Cerveró e Fernando Baiano. Renan ficou particularmente irritado com os desdobramentos da novíssima Operação Catilinárias, que apreendeu documentos com seus aliados e na sede do PMDB em Alagoas para embasar processos da Lava Jato. Com o principal cacique melindrado pelas ações da Polícia Federal, caberá agora ao Executivo convencer o senador a desidratar o processo de impeachment. Ao contrário da batalha campal da Câmara, a base aliada é menos fluida no Senado: são pelo 66 senadores de blocos governistas ou de posturas independentes, mas contrários ao impeachment.
O artigo 86 da Constituição estabelece que "admitida a acusação contra o Presidente da República, por dois terços da Câmara dos Deputados, será ele submetido a julgamento (...) perante o Senado Federal, nos crimes de responsabilidade". Não haveria uma espécie de instância intermediária entre a acusação e o processamento da presidente, mas, mantendo o entendimento de 23 anos atrás, o STF decidiu que o Senado não poderia ter um papel meramente ratificador da decisão já tomada pelos deputados federais. Em seu voto, o ministro Roberto Barroso, que abriu a divergência e emplacou as principais teses vencedoras, afirmou que o Senado não poderia ser um "carimbador de papéis".
Expressão semelhante foi usada pelos petistas para questionar o voto do relator Edson Fachin. Wadih Damous, deputado federal pelo PT e ex-presidente da OAB-Rio, disse ontem ao site de VEJA que o Senado não poderia virar "um mero carimbador" de uma decisão da Câmara. "A Câmara dá uma autorização ao Senado e não uma determinação. Se a decisão da Câmara já fosse o recebimento da denúncia, não faria sentido em diferir ao Senado para o afastamento do presidente da República. Em nenhum momento um órgão constitucional como o Senado fica subordinado a outro como a Câmara", afirmou Barroso.
No julgamento desta quinta-feira no STF, o plenário do Supremo ainda derrubou a chapa avulsa criada para disputar a eleição para a comissão especial que dá parecer prévio na Câmara ao impedimento da petista. Depois de acusarem líderes governistas de indicarem nomes alinhados com o arquivamento do impeachment, uma chapa paralela foi apresentada ao plenário. Em votação secreta e com direito a quebra-quebra de urnas por deputados governistas, a chapa de oposição venceu o pleito. Mas hoje, o Supremo jogou uma pá de cal na possibilidade de existência da comissão paralela e entendeu que os líderes são responsáveis pela indicação dos integrantes do colegiado. Se aberta uma chapa avulsa, disse o STF, o Plenário da Câmara assumiria irregularmente o protagonismo destinado aos partidos políticos. "Não há lógica que possa sustentar que os candidatos de um partido que vão integrar a comissão especial sejam escolhidos não pelo próprio partido, mas pelo plenário. Se por força da Constituição a representação é do partido, os nomes do partido não podem ser escolhidos de fora para dentro, pelos adversários e concorrentes", disse Barroso. Por ordem do tribunal, a eleição dos integrantes da nova comissão especial deve ser feita agora por meio de voto aberto.
Também entre os pontos da tramitação do processo de impeachment, o Supremo decidiu hoje que o afastamento da presidente ocorre apenas após abertura da ação de impedimento pelo Senado. A Lei 1079/50, aplicada pelo Supremo em parte do caso de Fernando Collor, previa que a suspensão do exercício das funções da presidente ocorre imediatamente após a Câmara receber a acusação. Mas no caso Collor, o Supremo definiu que o afastamento do presidente só ocorre efetivamente após a instauração do processo de impeachment pelo Senado.
Na sessão plenária, o STF definiu ainda que não cabe à presidente Dilma defesa prévia antes de o presidente da Câmara receber a denúncia por crime de responsabilidade. "É de inegável prejuízo a autorização para prosseguimento do processo pelo Presidente da Câmara dos Deputados sem a indispensável oitiva prévia do denunciado, pois é neste momento que ele poderá influenciar o juízo sobre a existência ou não de justa causa ou de outras condições de procedibilidade", alegou, em vão, a Advocacia-geral da União (AGU).