Lembrem-se do Datafolha da semana passada: 65% já queriam o impeachment

Publicado em 04/12/2015 04:43
...e 62% diziam que Dilma deveria renunciar ( + ARTIGOS NA PÁGINA DE OPINIÃO DA FOLHA, edição desta sexta-feira)

A conta principal é a do Datafolha

Por SERGIO MALBERGIER, do DATAFOLHA

Brasília inteira está fazendo conta para saber quantos deputados estão a favor e quantos estão contra o impeachment. Mas conta tão ou mais importante é a do Datafolha. Na pesquisa da semana passada, 65% dos brasileiros defenderam que o processo de impeachment fosse iniciado (o que já aconteceu) e 62% disseram que Dilma deveria renunciar.

O apoio consistente da população ao processo de impeachment e à renúncia são praticamente iguais entre as diferentes classes sociais e regiões do país. Elite e trabalhador estão unidos no desejo de tirar Dilma do palácio. Em números absolutos, obviamente, o número de operários pelo fim do governo petista é imensamente maior do que o número de patrões. Não dá para governistas e/ou petistas dizerem que impeachment é coisa da elite golpista. É coisa do povo.

Aliás, o povo está unido também em torno da necessidade de se combater a corrupção. Pela primeira vez na história do país, o combate à corrupção foi considerado o maior problema do Brasil. O que mostra o lado didático do petrolão, uma vez que os problemas antes considerados mais importantes, como saúde, educação e segurança, estão diretamente ligados à corrupção profunda do aparelho estatal.

E se o Brasil não mudou ainda, muitas coisas estão mudando. As manifestações populares iniciadas em junho de 2013 mostraram a nova capacidade de mobilização popular, inclusive da elite, essa parte do povo mais instruída e mais capaz de organizar recursos e influenciar pessoas, que antes participava da vida pública apenas no voto e agora, graças aos desmandos da era PT, tomou as ruas dos tais "movimentos sociais" oficiais.

A força da opinião pública, liderada pela elite, é crescente e está se tornando, mesmo que tardiamente, determinante na política. A votação aberta e esmagadora no Senado pela manutenção do senador Delcídio do Amaral na cadeia, na já distante semana passada, provou que os políticos estão acuados e pressionados como nunca estiveram. Seus históricos abusos não mais passarão.

A revolução tecnológica mudou tudo isso. As pessoas hoje se comunicam freneticamente sobre política, numa corrente furiosa e mobilizadora.

O PT e principalmente o desgoverno Dilma tem pelo menos esse mérito. Tiraram o país do bovinismo atávico. O descalabro econômico, político e criminal passou dos limites até do brasileiro.

O desejo de ver Dilma ir, como mostra o Datafolha, é geral e intenso. O processo de impeachment só vai estimulá-lo. O pecado original do impeachment, de ter sido detonado por um político pior como Eduardo Cunha, será cada vez menos relevante na medida em que o processo progrida e Cunha, eventualmente, perca seu cargo.

Não dá para querer que o Brasil avance e dizer que não há motivo para se debater o impeachment. Se a política do país fosse séria, o debate já teria acontecido no mensalão. E desde então tivemos tudo isso que estamos vendo –corrupção desembestada e nos mais altos níveis do governo, descalabro econômico, fraudes fiscais e eleitorais etc.

O processo de impeachment chegou para chacoalhar ainda mais o sono dessa classe política irresponsável e autocentrada que tomou o Brasil de refém. Revela mais um passo na regeneração do Brasil. E reaproxima a política de nós, o povo.

 

Ponte em ruínas para o futuro

Por VINICIUS TORRES FREIRE

Foi de manifestos e silêncios manifestos o dia seguinte do "impeachment". Manifestaram-se os povos dos mercados, alguns governadores e senadores. Houve os silêncios notórios de Lula, na maior parte do dia, da cúpula do PMDB e de várias forças mortas ou vivas da nação, como gente da elite econômica. Quase todo o mundo deixa como está para ver como é que fica o barco no qual se deve pular.

O pessoal do "mercado" fez um manifesto pela derrubada de Dilma Rousseff ao comprar papéis na xepa —os preços subiram, de ações ao real. Fazia sentido, ao menos ontem.

Se aumenta a probabilidade de queda da presidente, cresce a possibilidade de haver rumo para o país e, portanto, de que preços e clima muito deprimidos da economia se recuperem um tico. Não se trata de juízo de valor, mas da constatação de que se pode ganhar algum dinheiro com a volatilidade política.

O PMDB, o infiel da balança, não se manifestou, se fingiu de morto. Foi "consultar as bases", frase um tanto sarcástica que define o momento em que políticos dão um tempo para sentir o clima do país (eleitor, "empresariado", financiadores de campanha, seus pares) e repensar os arranjos que vão refazer a política e redefinir os termos da sobrevivência deles.

Os governadores do Nordeste, a maioria de "esquerda", fizeram um manifesto a favor da presidente, acompanhados pelo governador do Rio, Luiz Pezão (PMDB). Senadores de oposição, mas não apenas, articulavam na tarde de ontem um manifesto para induzir a Câmara a abrir o processo de impeachment. Mas confusão silenciosa dava o tom sobre "o que fazer".

Embora seja razoável acreditar que a derrubada de Dilma Rousseff dissiparia a névoa que por si só faz desaparecer um bom pedaço do PIB, a perspectiva econômica imediata é horrorosa. O tempo rapidamente voltaria a ficar nublado caso não houvesse acordo político que desse esteio a um programa que, no momento, não teria como não ser "liberal" (pelas premências e pelas forças que restariam no topo). Nem tal acordo nem a implantação de tal programa seriam triviais. Não será fácil a vida do novo "bloco de poder", embora um plano qualquer de reforma relevante, repita-se, tivesse o dom de atenuar ou abreviar a recessão.

Seria curioso ver como o Congresso reagiria à "Ponte para o Futuro", o programa ultraliberal que o PMDB divulgou faz uns dois meses a fim de lançar como líder do revertério da era petista. Haveria protestos da esquerda apeada do poder; o parlamentar comum de qualquer partido estaria em apuros com seu eleitor comum; parte do empresariado chiaria.

Note-se que, por estes dias, o PSDB fazia propaganda contra tais liberalismos. Os tucanos espantosamente diziam que são contra "tirar direitos" (reduzir benefícios sociais) e aumentar impostos (ao contrário). Trata-se de uma ponte para Dilma 2014, receita de suicídio para o novo "governo de união nacional", que de união não será.

Seja quem for o presidente em fevereiro, Dilma Rousseff, Michel Temer ou Dom Sebastião, este ainda será um país dividido, com desemprego e juros em alta, governos na penúria, país que não consegue lidar nem com assuntos rudimentares como aprovar um Orçamento federal que não seja arrombado como o que devemos ter para 2016.

 

Dois contra uma

Por BERNARDO MELLO FRANCO, de BRASÍLIA - 

Esqueça Aécio, Serra e tucanos menos votados. A verdadeira batalha do impeachment vai opor Dilma Rousseff a dois políticos do PMDB: Eduardo Cunha, que deu início ao processo, e Michel Temer, que herdará o cargo se ela for afastada.

Os peemedebistas, que são velhos aliados, começaram a se mexer na fatídica quarta-feira. O presidente da Câmara fez um anúncio espalhafatoso, cercado de microfones e por uma claque chamada para aplaudi-lo.

O vice-presidente da República operou discretamente, ao seu estilo. Poucas horas antes de Cunha detonar a bomba, convidou senadores da oposição para um almoço em sua residência oficial, o Palácio do Jaburu. O prato principal, é claro, foi a possibilidade de ele substituir Dilma.

Segundo participantes do encontro, Temer sinalizou com duas promessas: fazer um governo de "união nacional", o que significa dar cargos à oposição, e não disputar a Presidência em 2018, quando poderia concorrer com a máquina a seu favor.

A guerra entre Dilma e Cunha é aberta. A presidente já declarou que não roubou e não tem conta no exterior. O deputado devolveu o ataque. Em entrevista ao lado de Paulinho da Força e Jair Bolsonaro, disse que a presidente "mentiu à nação".

O embate entre Dilma e Temer será mais discreto, o que não significa menos tenso. Ontem eles se encontraram pela primeira vez após o início do processo na Câmara. O mal-estar ficou evidente nas versões desencontradas sobre o encontro.

O ministro Jaques Wagner declarou que Temer "acha que não há lastro para impeachment". Aliados do vice negaram que ele tenha manifestado esta opinião. Também disseram que ele sugeriu à presidente que evite o embate pessoal com Cunha.

Desde que Temer começou a sonhar alto com a faixa verde-amarela, os petistas descrevem o Jaburu como o "bunker da conspiração". Foi lá que o presidente da Câmara almoçou na segunda-feira, dois dias antes de disparar o torpedo contra o Planalto.

 

O fim de uma religião

Por REINALDO AZEVEDO, na FOLHA

A ainda presidente Dilma Rousseff cometeu crime de responsabilidade –de vários modos, violou a Lei 1.079– e sabe disso. Se o fez por ignorância ou dolo, essa seria matéria que os tribunais penais levariam em conta na hora de modular a pena.

Ocorre que a Câmara, que autoriza ou não a abertura do processo de impeachment contra ela, e o Senado, que processa e julga, são instâncias políticas, o que não quer dizer "arbitrárias". Afinal, para que atuem, é preciso que crimes –de responsabilidade!– tenham sido cometidos. E foram.

É por isso que a anunciada disposição dos petistas de recorrer ao Supremo contra a decisão de Eduardo Cunha (se é que o farão), alegando que Dilma não estuprou as contas por dolo, é ridícula. Permito-me uma pequena digressão, antes que avance.

Religiões, partidos, grupos e indivíduos são dotados de mitos fundantes, cujas verdades são irredutíveis à ordem dos fatos. Não se pode, por exemplo, ser cristão pondo a redenção dos oprimidos no lugar do dogma do cordeiro imolado, como faz a dita Teologia (Escatologia) da Libertação. O triunfo do Deus crucificado está na renúncia aos dons divinais no ato sacrificial, não na punição exemplar ou didática a seus perseguidores ou no perdão por motivos estratégicos ou pragmáticos. A ascese nunca é deste mundo.

Cada um de nós –mesmo sem pertencer a um judaísmo, a um cristianismo, a um islamismo ou a um budismo quaisquer– ancora a sua pequena lenda pessoal num conjunto de abstrações que cobra dos outros um respeito ritual. Cada um de nós é o sumo sacerdote de um culto porque é também o procurador de uma ortodoxia: só existe amizade, amor, companheirismo onde há respeito a valores.

Os petistas cometem um erro fatal quando vociferam a sua inocência e acusam o complô dos adversários, ignorando todas as óbvias violações do solo sagrado que seus sacerdotes promoveram. No PT, não há espaço para arrependimento. Não há pecado. E, portanto, não pode haver expiação e perdão.

Viveremos, sem dúvida, dias interessantes. O que está se desconstituindo –para o bem do país, acho eu– não é apenas um partido político, mas a crença de que um grupo de pessoas detém o monopólio da justiça, da virtude e das boas intenções. Também a reputação de Lula, o mensageiro da Palavra, se esfarela numa velocidade com a qual não contavam nem seus adversários mais ferozes.

Na quarta (2) à noite, minutos depois da decisão de Eduardo Cunha, as falanges do PT na internet já convocavam os fieis, em número sempre menor, para a guerra santa, tentando emprestar verossimilhança a uma farsa que cotidianamente é desmoralizada pelos fatos.

Chega a ser impressionante que o PT não se dê conta de que aquela gesta que lhe deu corpo, a luta dos bons contra os maus, já não encontra mais eco na realidade. O partido não é vítima de uma narrativa contada por terceiros, como tentam fazer crer alguns pistoleiros morais disfarçados de intelectuais e jornalistas. Não!

Os doutores de sua igreja é que se mostraram maus guardiões dos fundamentos que formavam uma irmandade, que propiciavam aos fiéis a experiência do pertencimento, a despeito das vicissitudes do mundo real.

Melhor que assim seja! Já estava na hora de o Brasil ter, de novo, um governo laico. À sua maneira, os pecadores do PT nos salvaram.

 

KIM KATAGUIRI, DO mbl

Voz das ruas vai concretizar o impeachment

Na luta de Eduardo Cunha versus Dilma Rousseff, onde fica o Brasil?

Parte da imprensa quer fazer parecer -e isso ficou muito claro pelas capas dos jornais desta quinta (3)- que o processo de impeachment é uma batalha entre o bem e o mal. O bem, é claro, é a presidente Dilma.

Segundo a narrativa do adesismo, o impeachment é uma mera investida revanchista de Eduardo Cunha, que não conseguiu o apoio do PT para se salvar no Conselho de Ética da Câmara.

Os que defendem tal argumento parecem esquecer que, até pouco tempo atrás, Cunha era aliado do governo, e inclusive já fez campanha para Dilma. Ignoram o fato de que, mesmo após a manifestação do dia 15 de março, a oposição ainda chamava o impeachment de "golpe" e Dilma, de "presidente honrada".

Enquanto a população pressionava para que o impeachment se tornasse pauta em Brasília, tanto Cunha quanto a oposição estavam absolutamente confortáveis em suas posições. A voz das ruas não ecoava no Congresso Nacional.

Depois de três gigantescas manifestações, uma caminhada simbólica de São Paulo até Brasília e um acampamento que permaneceu por mais de um mês em frente ao Congresso Nacional, o impeachment tornou-se pauta para a classe política. Não havia mais como ignorá-lo. O barulho do Brasil perfurara a bolha que isola Brasília.

Ainda assim, o discurso da imprensa não era o de que a população brasileira havia, pela primeira vez em muito tempo, pautado o debate do Congresso. Construíram uma narrativa na qual a legitimidade de qualquer pedido de impeachment provinha de quem ocupa a presidência da Câmara.

"Ok, vocês estão pedindo o impeachment da Dilma. Mas e o Cunha? Ele pode acolher? Não tira a legitimidade do pedido?" Parece que os jornalistas esqueceram o fato de que o presidente da Câmara dos Deputados é o único que pode acolher tal pedido contra a presidente Dilma.

Infelizmente, Eduardo Cunha é o presidente da Câmara. Posso dizer "infelizmente", com todas as letras, porque, ao contrário do que alguns dão a entender, o Movimento Brasil Livre nunca foi aliado ou soltou nota de apoio a Eduardo Cunha, diferentemente de alguns petistas por aí.

Assim como defendemos o impeachment da presidente Dilma, defendemos a cassação de Eduardo Cunha. Querer que um seja devidamente punido não faz com que você tenha que defender o outro.

O descaramento na defesa do governo pode ser traduzido em números. Recentemente utilizamos uma ferramenta de inteligência artificial chamada Stilingue, que monitora e analisa o fluxo de dados de veículos de imprensa na internet, ou seja, executa um "media watch".

Ela nos revelou que, entre setembro e outubro, ou seja, antes de o governo sinalizar um acordo com Eduardo Cunha, as notícias sobre o presidente da Câmara foram muito mais frequentes do que entre outubro e novembro, ou seja, depois da sinalização do acordo.

O "G1", portal de notícias da Globo, por exemplo, publicou 258 notícias sobre Cunha entre setembro e outubro. Já no período de outubro a novembro, foram apenas 42 notícias. Essa queda drástica foi registrada em absolutamente todos os veículos de imprensa.

A verdade é que o impeachment é bom para o Brasil. E o que é bom para o Brasil é ruim para a presidente Dilma. E vice-versa.

Eduardo Cunha não tem votos suficientes para aprovar o impeachment na Câmara. Dilma também não tem votos suficientes para barrá-lo. O fator decisivo é a opinião pública. As ruas.

Assim como as ruas fizeram o impeachment ser pauta em Brasília, farão agora com que ele se concretize. E não há nada que Cunha ou Dilma possam fazer sobre isso.

Kim Kataguiri, 19, é coordenador do Movimento Brasil Livre.

 

 

Fonte: Folha de S. Paulo

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