"Os donos do dinheiro sorriram com o impeachment de Dilma", diz Vinicius T. Freire, da FOLHA

Publicado em 03/12/2015 02:49

Mais sorridos do que consternação. Foi assim que alguns donos de dinheiro grosso receberam a notícia do provável mas ainda virtual processo de impeachment de Dilma Rousseff. A pesquisa de opinião foi restrita, dado o adiantado da hora, mas significativa. Mas ainda falta muito para saber quem vai rir no início e no fim desse caso.

Nada mais se esperava de governo e Congresso pelo menos até que o país oficial voltasse das suas férias de verão no pântano, lá por fevereiro. Não se dá o menor crédito ao que passa por política econômica, pelo motivo básico de que não há governo ou apoio político que dê aparência de realidade aos planos de papel, de resto já muito limitados.

Difícil, pois, imaginar que os primeiros tumultos façam muita diferença para as "expectativas dos agentes econômicos". A ruína econômica estava contratada até meados de 2016, sendo otimista. O jogo será em outro campo.

Dúvida maior: quem vai aderir de pronto à deposição de Dilma? Ainda há riscos de o apressado comer cru ou queimar a língua: 1) Incertezas jurídicas sobre o processo; 2) A possibilidade de não haver votos suficientes para derrubar a presidente; 3) Parte relevante da elite política ainda pode ser degolada antes mesmo que Dilma suba ao cadafalso.

O PT irá ao Supremo a fim de barrar o início do processo. Por outro lado, parte do PT pode mesmo ter rifado Dilma.

Não se sabe como será o rearranjo político nos próximos dias. O PMDB quase inteiro lavou as mãos quando ouviu que Eduardo Cunha pretendia se explodir com Dilma Rousseff, até porque o barulho talvez desvie a atenção de quem tem culpa no cartório da roubança. Mas como se vai derrubar a presidente estando no governo? O que sobrará da cúpula do partido depois de mais dois ou três meses de Lava Jato?

Havia rumores de que o PSDB se conformara com o papel de coadjuvante até 2018, desde que o PMDB cedesse o lugar na próxima eleição. Não se sabe o que restará do boato diante do fato.

Passada a barreira jurídica, o resto da lama do ano vai escorrer nessas costuras e nos procedimentos iniciais da comissão especial que deve encaminhar o processo ao plenário da Câmara, a partir de fevereiro.

Na verdade, o tempo será passado na contagem e na aquisição de votos e apoios que vão decidir a abertura de fato do processo contra a presidente e seu afastamento provisório. Como serão feitos os negócios do impeachment?

O arranjo do pós-Dilma não é simples: arrumar um programa econômico de emergência e articular acordos com a desarticulada (quando não presa) elite econômica.

O que será "das ruas" de PT e "movimentos sociais"? O que farão as "ruas" do PSDB, a direita manifestante? Os partidos vão levar o conflito para o asfalto?

Qual será a influência desses possíveis tumultos nos humores de certa elite, que por prudência e falta de opção dava algum apoio a Dilma? Melhor dizendo: poucos mas enormes empresários e banqueiros até agora constrangiam seus pares a não se manifestar freneticamente pelo impeachment, embora a maioria queira vê-la pelas costas. Vai haver também rearranjo na cúpula da elite econômica?

Enfim, o povo vai assistir a tudo bestializado?

 

O empurrão para o abismo, por CLÓVIS ROSSI

Os dados sobre a fenomenal recessão que o Brasil está sofrendo, divulgados na terça-feira (1º), colocavam o país à beira do abismo.

No dia seguinte, a quarta-feira (2), o presidente da Câmara, Eduardo Cunha, deu o empurrão final, em um gesto covarde e canalha.

Cunha não tomou a sua decisão com base em pareceres jurídicos minimamente articulados e, sim, por vingança, depois que os três deputados do PT integrantes do Conselho de Ética decidiram votar contra ele.

À vista dos fatos que existem contra o presidente da Câmara, a simples hesitação dos petistas, aconselhados pelo governo, já era uma canalhice inominável.

Ou, posto de outra forma: quando um ator (no caso, três) deixa de ser canalha, o ator contrário solta nas costas da presidente o punhal afiado que vinha mantendo como uma espécie de habeas corpus preventivo a seu próprio favor.

  Pedro Ladeira/Folhapress  
O presidente da Câmara, Eduardo Cunha (PMDB-RJ), que acatou pedido de impeachment de Dilma

Em qualquer circunstância, a abertura de um processo de impeachment de um governante é um complicador não só político, mas econômico.

Mas, nas circunstâncias em que se encontra o Brasil, é de fato um mergulho no abismo.

Repassemos um pouco as circunstâncias:

Segundo Joe Leahy, o excelente correspondente do "Financial Times" no Brasil, o país corre risco de sofrer sua pior retração desde os anos 30 -época que é paradigma de crise virulenta.

Mais que recessão, trata-se de depressão, a julgar pela opinião de Alberto Ramos (Goldman Sachs), sempre no "FT":

"O que começou com uma recessão gerada pela necessidade de ajustar uma economia que acumulou grandes desequilíbrios está agora mudando diretamente para uma depressão econômica".

Não dá, pois, para negar razão à análise do Instituto de Estudos do Desenvolvimento Industrial quando diz: "A devastação da presente recessão brasileira parece não ter fim e não encontrar paralelo em qualquer outro momento da nossa história econômica recente". (Recente e não tão recente, acrescento.)

Temos, então, "depressão", "devastação" e, se não bastasse, "desindustrialização", conforme aponta ainda o Iedi: de fato, a indústria retrocedeu 7,3% e 8,1% nos dois primeiros trimestres do ano, respectivamente, e caiu ainda mais no terceiro trimestre (11,3%).

É nesse cenário tremendo que incide o início do processo de impeachment.

Quem perdeu o emprego recentemente ou quem está sofrendo com a crise poderia até explodir e dizer: bem feito, mesmo que não haja fundamentação jurídica, Dilma precisa ser afastada, por incompetência.

Incompetência não é, feliz ou infelizmente, causa para o afastamento de presidente.

Além disso, parece evidente que mesmo que Dilma seja afastada, a crise não será resolvida, até porque o mundo político brasileiro é um deserto.

É impossível discordar de Antonio Jiménez Barca, correspondente de "El País" no Brasil, quando diz que "o des­cré­di­to da eli­te bra­si­leira (po­lí­ti­cos, em­pre­sá­rios, al­tos funcionários) é to­tal, e isso in­ci­de no cli­ma fu­nes­to que se fecha so­bre o país".

À depressão econômica soma-se, pois, a depressão política. Pobre país.

 

EDITORIAL DA FOLHA DE S. PAULO:

O vício contra o vício

Pelas mãos suspeitíssimas do presidente da Câmara dos Deputados, Eduardo Cunha (PMDB-RJ), deflagrou-se o processo de impeachment de Dilma Rousseff (PT).

Às voltas com as ameaças que pesam sobre seu próprio mandato, Cunha já deixava claro, nas últimas semanas, o poder de chantagem que estava disposto a exercer. Esperava que o Planalto o apoiasse no Conselho de Ética da Câmara, que parece inclinado, em meio a dúvidas, hesitações e tratativas, a recomendar seu julgamento por quebra do decoro parlamentar.

A pressão sobre os três petistas do conselho se fazia em sentidos opostos. A cúpula da agremiação, buscando alguma sintonia com a opinião pública, recomendava o rompimento com Cunha. O governo, temendo a retaliação que agora se concretiza, fazia esforços para contornar as flagrantes evidências contra o potencial algoz.

Prevaleceu, nesse dilema, a orientação partidária, e poucas horas depois de o PT anunciar que votaria contra o peemedebista no Conselho de Ética chegou-se, com a decisão tomada por Eduardo Cunha, a um doloroso paradoxo.

Em nome dos padrões de seriedade e ética que o petismo tem dado tantas mostras de desprezar, eis que o processo de impeachment de Dilma se inaugura por obra de um político denunciado na Operação Lava Jato, acusado de corrupção e flagrado em pleno controle de contas bancárias na Suíça –a respeito das quais mentira de forma deslavada na CPI da Petrobras.

Já se disse muitas vezes que a hipocrisia é uma homenagem que o vício presta à virtude. Aqui, rompeu-se por fim a hipocrisia, e é do vício contra o vício que se trata.

Acuada entre o cinismo e a incompetência, entre a chantagem e o esbulho, entre a propina e a pedalada, a virtude parece silenciar-se, depois de ter ido às ruas tantas vezes nos últimos anos –para confundir-se, que seja dito, em meio a um tumulto de grupos que iam dos black blocs criminosos de 2013 aos embrutecidos defensores da ditadura militar de 2015.

Talvez, entretanto, Eduardo Cunha tenha razão em uma das considerações com que acompanhou sua desesperada artilharia. O impasse político em torno do impeachment tem feito mal ao país.

Que se decida de uma vez, renovando a legitimidade da presidente Dilma Rousseff, ou negando-a em favor de uma solução pacífica, institucional e democrática –por traumática que possa ser.

A presidente Dilma reagiu, em pronunciamento curto, mas contundente, ao novo lance da crise. Seus argumentos, bem como os de quem pede o afastamento da presidente, haverão de ser debatidos pelos políticos e pela sociedade com mais vagar.

O processo que ora se abre dará ocasião a que todos examinem, com paixão, mas também com razão e prudência, os motivos concretos em torno do impeachment.

 

Os efeitos da bomba, por BERNARDO MELLO FRANCO

BRASÍLIA - Eduardo Cunha prometeu e cumpriu. Prestes a ser detonado no Conselho de Ética, o deputado ameaçou abrir um processo de impeachment caso o governo não salvasse o seu mandato. O PT flertou com o acordo espúrio, mas anunciou no início da tarde que enfrentaria a chantagem. A retaliação foi rápida. Às 18h32, Cunha apertou o botão vermelho contra o Palácio do Planalto.

A bomba estourou no colo de Dilma Rousseff. Na primeira reação, ela afirmou que não desviou dinheiro público e não tem conta no exterior, em referência explícita ao deputado.

A comparação de biografias será um trunfo de sua defesa. A presidente pilota um governo errático e impopular, mas não foi atingida, ao menos até aqui, por nenhuma suspeita sobre a sua conduta pessoal.

O resultado do processo é imprevisível. O governo começava a recompor sua base, mas não é capaz de garantir, hoje, que terá os 171 votos necessários para barrar o impeachment na Câmara. As ruas, que andam esvaziadas, voltarão a ter papel importante para influenciar os deputados.

A abertura de um processo contra a presidente da República como vingança pessoal de Cunha coroa um ano marcado pela irresponsabilidade das principais forças políticas.

O peemedebista e sua tropa sequestraram o Congresso e aumentaram o preço do resgate a cada votação. A oposição rasgou a bandeira da responsabilidade e sabotou o ajuste fiscal para enfraquecer o governo.

Dilma também ajudou a cavar o buraco em que se encontra, ao trair as promessas de campanha. Depois foi alvejada pelo PT, que se recusou a abraçar suas medidas impopulares.

A bomba do impeachment deve tumultuar ainda mais a economia, já mergulhada em recessão aguda. Se há algo de positivo no noticiário desta quarta, é o fim da paralisia que deixava o Brasil refém de Brasília. Enquanto era chantageado por Cunha, o governo não governava. Agora o sistema político terá que voltar a se mover, para um lado ou outro. 

 

 

Fonte: Folha de S. Paulo

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