ECONOMIA DO BRASIL AFUNDA EM CRISE HISTÓRICA (manchete da FOLHA em 8 colunas)

Publicado em 02/12/2015 03:00
Dados do PIB mostram que Brasil enfrenta uma das maiores recessões de sua história, um fiasco produzido pelas administrações petistas
EDITORIAL da folha de s. Paulo

Colapso

Poucas vezes se viu, na história brasileira, um encolhimento tão expressivo de nossa economia. De abril de 2014 a setembro deste ano, o PIB ficou 5,8% menor, e inexistem sinais de que a redução será interrompida no curto prazo. Não se vê nada parecido desde o início dos anos 1980; antes disso, é preciso voltar à década de 1930.
Com os resultados do terceiro trimestre –queda de 1,7% em relação aos três meses anteriores–, o PIB deve fechar 2015 com contração próxima a 4%. Esvaem-se, com isso, as esperanças de que 2016 possa trazer algum alento. O ano que vem será de nova retração. Com sorte, o crescimento voltará, tímido, apenas em 2017.
O colapso da demanda interna afeta quase todos os setores, algo também raro. A combinação de crise em segmentos de grande peso para o investimento e o emprego –como a construção civil, toda a cadeia de óleo e gás e a indústria– torna mais difícil antever o possível caminho da recuperação.
A extensão da degradação social ainda está por ser plenamente estabelecida. Já se nota, porém, a reversão de tendências positivas da última década. Aumentam a informalidade da mão de obra e a desocupação entre os jovens, por exemplo. A se confirmarem prognósticos que não soam pessimistas, até o ano que vem o país terá perdido 4,5 milhões de postos de trabalho.
Por essas razões, a recessão atual se anuncia muito mais prolongada do que as contrações de 2003 e 2009. Nos dois casos, nossa economia voltou a se expandir menos de um ano depois e não tardou a superar o tamanho que tinha antes da crise. Desta vez, é quase certo que o país chegará a 2018 com patamar de produção inferior ao de 2014.
Evidencia-se, pois, a precariedade do modelo petista, que se baseou unicamente em aproveitar os bons ventos internacionais para distribuir dinheiro e obter, de políticos e empresários, apoio mercenário a um projeto econômico primitivo.
Não foi por falta de aviso que falhou a via do intervencionismo tosco e da escolha arbitrária de setores a serem agraciados com benesses oficiais. Não surpreende que nesse ambiente opaco tenham vicejado a corrupção e as piores práticas de administração pública.
Mudar esse quadro sombrio demandará a implementação de um regime oposto ao que se construiu nas gestões petistas. Trata-se, para começar, de basear o sistema em produtividade, abertura e transparência e de reforçar o que há de republicano nas instituições políticas e econômicas.
A grande vantagem é que o nível de degradação da economia chegou a tal ponto que se torna cada vez mais consensual a necessidade de mudanças profundas.

 

O Brasil em estado de choque

Por VINICIUS TORRES FREIRE

O país está bestializado, estuporado, em choque. Era sabido, temido e esperado que passaríamos por recessão muito ruim, pelo menos desde o início do ano. A crise, porém, se mostra muito pior a cada mês, de modo inesperado até para pessimistas. Apenas medo e desesperança incomuns parecem explicar o tamanho descomunal da regressão da atividade econômica, maior que a média já sombria das estimativas.

Foi o que se soube pelo resultado do PIB até setembro. Pelo andar da carruagem, a recessão de Dilma Rousseff será tão grande quanto a de Fernando Collor, a segunda pior da República. Ainda mais deprimente, os efeitos piores em emprego e salário ainda estão por vir.

O investimento em novas atividades e equipamentos produtivos encolhe faz nove trimestres –sim, dois anos e três meses. Em quatro trimestres, no ano encerrado em setembro, baixou 11,2%, desgraça inédita em extensão e profundidade faz pelo menos 20 anos.

Na aritmética simples, o investimento tem sido o fator maior de afundamento da produção e da renda do país, mais ainda que o consumo, que leva fatia maior do PIB. Tamanho colapso do investimento significa desconfiança abissal no futuro, um apagão da esperança.

Sim, o buraco negro que traga a vontade de investir tem escaninhos variados. De mais imediato, há, por exemplo, a ruína de grandes empresas do país, enroladas na roubança, o que afeta uma cadeia de dependentes. Há o efeito do corte de investimentos do governo, de seus pagamentos atrasados.

Mas note-se outra vez que o colapso da confiança empresarial começou faz mais de dois anos, em um pantanal em que se misturam queda de rentabilidade de empresas, política econômica doidivanas, intervenções dementes do governo no mercado, desânimo do consumidor, bancos progressivamente na retranca e, sim, tumultos na economia e finança internacionais.

Enfim, é difícil dizê-lo com números, mas é razoável argumentar até que o revertério geral que começou em junho de 2013 e a exasperação que se seguiu até meados de 2014 tenham contribuído para envenenar os espíritos. De resto, em alguns casos, o ânimo já começava a ficar amargo também devido à piora na economia (inflação persistente, tumultos no mercado causados pelas inépcias de Dilma Rousseff, anos de ruína da indústria).

Isto posto e mais ou menos sabido, "antigamente as coisas eram piores, mas foram piorando", na frase de Paulo Mendes Campos. Há uma rara depressão simultânea de ânimos, da parte de consumidores e empresas.

Avaliações feitas por meio de matemáticas e estatísticas econômicas indicam que tamanha recessão pode ser explicada apenas quando se dá um peso anormalmente grande ao colapso da confiança (em si mesma em baixa histórica).

Juros, corte de gastos do governo, renda do trabalho, endividamento do consumidor, nada disso parece bastante ruim para explicar a profundidade da crise –mesmo a retração no crédito parece mais fruto de medo e escuridão total das perspectivas do que de "fatores reais".

O apagão do futuro se deve não apenas ao desgoverno absoluto mas ora à absoluta falta de alternativas, no esboroamento da política, que ora parece sem fim.

 

Risco

Por ANTONIO DELFIM NETTO

Talvez nunca tenha sido mais importante introjetar uma verdade intransponível: as condições sociais e econômicas em que viveremos amanhã serão as que estamos construindo hoje.

Mais do que nunca, o nosso futuro está contido na nossa capacidade de manobrar o presente. As perspectivas não são nada animadoras porque salta aos olhos a perda de protagonismo da presidente.

É cada vez mais evidente que as dificuldades econômicas de hoje foram gestadas há três anos, em 2012.

Depois de uma excelente administração em 2011, o governo reagiu à ameaça da queda do PIB mundial, com um exagerado ativismo voluntarista bem-intencionado, mas que insistiu em ignorar a nossa realidade.

Um intervencionismo sem sólido fundamento e conhecimento em vários setores: eletricidade, portos, ferrovias etc.; a redução arbitrária da taxa de juros real; a fixação de taxas de retorno irrealistas nas concessões de infraestrutura na busca da "modicidade tarifária" e o controle da taxa de câmbio e dos preços administrados para esconder a inflação, resultaram no oposto do que se desejava.

Assustaram os investidores, inibiram a produção industrial e reduziram o crescimento. Deixaram uma inflação "reprimida" e um substancial deficit fiscal, que se está tentando corrigir em 2015.

O que aconteceu ao Brasil no triênio 2013-15? O crescimento do PIB foi nulo, contra um crescimento da economia mundial de quase 10% no mesmo período!

O resultado é muito ruim mesmo quando comparamos com nossos parceiros latino-americanos cujas condições são mais parecidas com as nossas: Argentina, 3,4%; Chile, 9%; Colômbia, 12%; México, 6% e Peru, 11%.

Ao longo desse período um processo destrutivo auto alimentado –dificuldade econômica que cria problema político, que piora a dificuldade econômica...– levou ao paroxismo a disfuncionalidade da nossa organização política.

Hoje a "base" do Executivo na Câmara é constituída por dez Partidos, que somam 324 deputados. Pois bem. Nem os partidos têm fidelidade ao governo nem os seus membros lhes têm a menor fidelidade.

Isso se mediu na aceitação do correto veto de Dilma ao aumento salarial do Poder Judiciário, cuja rejeição seria um completo desastre fiscal.

Dos 324 deputados da "base potencial", o Executivo pode contar, apenas, com cerca de 120/ 140, dependendo da natureza do projeto. A recente reforma ministerial não parece ter superado o problema.

No fim do dia, essa desintegração política atrasou a aprovação do projeto que estabelece o novo deficit primário, o que pôs em grave risco o mandato da presidente.

 

Indicadores projetam deterioração do PIB ainda maior no 4º trimestre

Os indicadores mais recentes da economia, relativos a outubro, e o agravamento da instabilidade da economia sinalizam que a crise não chegou ao fundo do poço e se agrava neste quarto trimestre.

Surpreendidos por uma retração maior que a esperada entre julho e setembro, analistas afirmam, ainda, que o cenário de deterioração deve se prolongar em 2016.

A atividade não reagiu no início do quarto trimestre e não há "luz no final do túnel" (ou do ano) que mostre reversão dessa tendência.

Dez economistas, pesquisadores e analistas de bancos consultados pelaFolha estimam queda do PIB de até 3,8% neste ano e de 3,5% no próximo. Alguns já falam até em "depressão" econômica.

Venda de carros e caminhões, papelão ondulado (usado na confecção de embalagens) e tráfego de veículos pesados (capta o transporte de mercadorias no país) são alguns dos chamados indicadores antecedentes –termômetros do ritmo de atividade da economia real– que já registraram queda no primeiro mês do quarto trimestre."Não há ainda indicação de que chegamos ao fundo do poço, infelizmente", diz Maurício Molan, economista-chefe do banco Santander.

"A dívida cresce em ritmo acelerado, há desequilíbrio nas contas públicas. Sem resolver a questão fiscal, não adianta falar em crescimento. As incertezas persistem e impedem a retomada."

Os efeitos da recessão chegam ao mercado de trabalho com força e devem se intensificar nos próximos meses. "São 169 mil empregos destruídos só em outubro. E isso é só o começo. O que está por vir é um baita de um 'ajustaço'", diz o economista Fabio Silveira, diretor de pesquisa econômica da GO Associados.

Para a pesquisadora Silvia Matos, da FGV/Ibre, a queda do PIB no quarto trimestre deste ano deve chegar a 5% na comparação com o mesmo período do ano passado.

"A desaceleração no setor de serviços chama a atenção. O recuo que houve na indústria e na construção civil contamina o comércio e os serviços. São setores intensivos em mão de obra e que dependem do consumo das famílias, que está despencando", diz.

DEPRESSÃO

Em relatório, o BNP Paribas diz que as perspectivas para o quarto trimestre são "desoladoras". O banco projeta retração de 3,8% em 2015 –no ano que vem, as condições não são animadoras, diz.

O pessimismo é regra geral entre os analistas. Alberto Ramos, do banco Goldman Sachs, considera que "o que começou como uma recessão puxada pelas necessidades de ajuste está se transformando, agora, em uma depressão econômica clara".

Entre os indicadores que apontam para uma retração prolongada, com desemprego em alta, falências e baixos níveis de investimento e produção –que caracterizariam uma depressão–, ele cita a queda na demanda interna em seis dos últimos oito trimestres e dados negativos de investimentos.

O FUTURO SUMIU

"Essa persistência na queda dos investimentos, há nove trimestres consecutivos, quer dizer que o futuro do país sumiu", diz André Perfeito, economista-chefe da Gradual Investimentos.

Analistas ressaltam a necessidade de solução para a crise política para que haja melhora na economia.

"Será uma recessão histórica que pode se estender até 2017 se a solução política não aparecer", diz Sergio Vale, da MB Associados.

Projetando o pior cenário para 2016, com queda de 3,5%, os analistas do Credit Suisse dizem que a retomada da confiança de empresários e consumidores é pouco provável no curto prazo.

 

Para governo federal, recessão traz risco de 'ruptura' no próximo ano

A equipe de Dilma Rousseff considera que, para o país sair da recessão que se aprofundou no terceiro trimestre, será preciso resolver a crise política. Caso contrário, a economia vai "afundar" e o governo corre o risco de enfrentar um processo de "ruptura" no primeiro semestre de 2016.

Segundo assessores presidenciais, o tombo do PIB mostra que o governo precisa virar rapidamente a página do ajuste fiscal para recuperar a confiança de empresários e consumidor.

Em paralelo, a presidente encomendou à sua equipe um conjunto de medidas focadas na agenda de retomada do crescimento para ser divulgado até o início de 2016. Os ministros Nelson Barbosa (Planejamento) e Joaquim Levy (Fazenda) já discutem essas ações com o setor privado.

Para superar a crise política, o Planalto definiu que precisa encontrar uma fórmula de superar a instabilidade na base aliada. Uma iniciativa será buscar reaproximar o vice Michel Temer da equipe de articulação política.

Ontem, ele já foi convidado por Dilma para participar da reunião que discutiu a votação da mudança da meta fiscal deste ano.A prioridade é aprovar a mudança da meta fiscal, a renovação da DRU (mecanismo que desvincula receitas da União) e projetos como o da regularização de dinheiro ilegal no exterior, além de encaminhar a votação da CPMF.

Para assessores presidenciais, se o governo não conseguir aprovar as medidas do ajuste fiscal e garantir Orçamento com superavit em 2016, haverá risco de a recessão no ano que vem ser tão forte quanto a de 2015, aumentando as pressões pelo impeachment.

Em nota, o Ministério da Fazenda afirmou que o desempenho do PIB veio pior do que o esperado e indica que o período de ajuste da economia se prolongou, em meio à persistência de incertezas econômicas e não econômicas, da queda dos preços das commodities e da fraca atividade econômica mundial.

A Fazenda destacou que contribuíram para a queda de 4% nos investimentos "os efeitos diretos e indiretos da redução dos investimentos da Petrobras".

A queda de 1,5% no consumo das famílias, afirma, reflete a perda do poder de compra devido à persistência da inflação.

Fonte: Folha de S. Paulo

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