1,5 milhão de novos desempregados no País: Desalento e esperança...

Publicado em 01/12/2015 02:30
FOLHA DE S. PAULO e EL PAÍS

 

EDITORIAL da folha de s. paulo: 

Desalento e esperança

A pesquisa Datafolha publicada no final de semana mostrou, de maneira inequívoca, o quanto os brasileiros consideram abominável o atual quadro político do país.

Já não se trata apenas de constatar a péssima avaliação da presidente Dilma Rousseff (PT). Tendo seu governo reprovado por 67% dos entrevistados –uma oscilação positiva em relação aos 71% de agosto–, a petista registra índice comparável somente aos 68% de Fernando Collor (então no PRN) às vésperas do impeachment.

A rejeição ao governo federal é tamanha que não se contém na figura de Dilma; transborda para um ex-presidente Lula (PT) incapaz de refrear a contínua dilapidação de seu patrimônio eleitoral.

Não há sinais da taxa recorde de aprovação (83%) com que Lula encerrou seu segundo mandato. Nas simulações de disputa presidencial, o petista luta pelo segundo lugar na preferência dos eleitores; em três hipóteses de segundo turno, se a votação fosse hoje, sofreria derrotas incontestáveis de Aécio Neves (PSDB), Geraldo Alckmin (PSDB) e Marina Silva (Rede).

Vão além das fileiras petistas, entretanto, as evidências de degradação política. O próprio Congresso vê-se tragado pela crise que ajudou a engendrar. Chega a 53% a fatia dos que julgam ruim ou péssimo o trabalho dos parlamentares, pior desempenho desde 1993.

Há, ademais, o caso de Eduardo Cunha (PMDB-RJ), adversário declarado do governo Dilma. Acusado de corrupção, o presidente da Câmara deveria perder o mandato na opinião de 81% dos entrevistados.

Uma deterioração dessa magnitude dificilmente seria produzida por um único fator. A depressão na economia decerto constitui parte da explicação. Não explica tudo, porém; o desemprego não voltou ao posto de principal problema do país, como acontecia antes de 2007 –quando foi superado pela violência e depois pela saúde.

Pela primeira vez, essa lista é encabeçada de forma isolada pela corrupção, maior objeto de preocupação para 34% dos entrevistados pelo Datafolha. A saúde aparece em segundo lugar, com 16%.

Nunca é possível dizer com certeza se a corrupção aumentou ou diminuiu; quando bem-sucedidas, as quadrilhas que assaltam os cofres públicos passam despercebidas.

Pode-se afirmar, no entanto, que nunca se conheceram tantos e tamanhos esquemas de pilhagem como agora, quando as operações Lava Jato e Zelotes revelam a desfaçatez com que agiam os corruptos.

A população nitidamente se cansou dessa indecência. Talvez, num sinal de amadurecimento democrático, ganhe corpo a percepção de que o dinheiro desviado saiu, afinal, do bolso do contribuinte.

Seja como for, em meio ao desalento pode-se vislumbrar uma esperança. Como diz Sergio Moro, magistrado encarregado da Lava Jato, "o que o juiz pode fazer é muito limitado sem o apoio da opinião pública". O Datafolha atesta que a Justiça jamais teve tanto apoio.

 

Crimes e castigos do capital

Por VINICIUS TORRES FREIRE

Pelo menos 11 das 20 maiores empresas brasileiras foram envolvidas ou avariadas no desenvolvimentismo "porta de cadeia" da década passada. Isto é, pela parceria público-privada que juntou intervenção estatal equivocada ou corrupta com bandidagem empresarial, em petrolão etc.

Pelo menos dois grandes setores, construção e petróleo, foram devastados por ação bandida (grandes empreiteiras), mas não apenas. O investimento do governo federal "em obras" caiu quase 40% ante 2015. Caiu porque a dívida pública ficou grande demais e cresce sem limite. Ficou excessivamente grande em boa medida porque os governos petistas, Dilma Rousseff em particular, estatizaram parte do crédito, comprando fatias de mercado com endividamento público a fim de financiar o BNDES e, assim, alguns oligopólios.

O nacional-empresismo de Dilma Rousseff não se desmilinguiu apenas sob o peso da roubança, pública ou privada. Nem teve como consequência apenas desgraças em cascata –a ruína de Petrobras e empreiteiras arrebentou construtoras menores, fornecedores, causou o grosso das demissões de trabalhadores e explodiu a economia de regiões inteiras, dos interiores do Rio de Janeiro ao do Rio Grande do Norte, passando pelo etanol paulista etc.

A investigação policial amontoa evidências berrantes de um sistema de ineficiência sobreposto à ineficiência basal do Brasil. Pegaram os suspeitos de sempre, o superfaturamento, o sobrepreço (de cartéis e oligopólios) e as barreiras criminosas à entrada de potenciais competidores. Há mais.

Como seria previsível por estudos econômicos já velhinhos, há desperdício enorme de recursos produtivos, dedicados à atividade ineficiente e perturbadora de comprar partes dos agentes do Estado. Para piorar, o conluio do delírio desenvolvimentista com o capital bucaneiro, melhor corsário, leva a uma alocação de capital distorcida.

Isto é, para ser curto e grosso, investe-se em bobagem, pois o "lucro" está garantido, dos estádios da Copa a fusões e aquisições de "campeãs nacionais" (empresas agraciadas com empréstimos baratos do BNDES, bancados por dívida cara), em refinarias e petroquímicas que darão retorno pífio, nenhum ou em apenas roubo, o sonho do Brasil grande que produziu monstros.

Quer dizer, temos uma fantasia de economia de mercado, com todos os seus efeitos perversos e outros que criamos, mas sem o benefício básico de concorrência e inovação. Uma crítica conservadora como essa é radical no Brasil.

O BNDES dos anos FHC financiou a privatização e a reorganização da parceria Estado e grande empresa. Nos anos petistas, financiou a criação ou reorganização de conglomerados (teles, eletricidade, carnes e alimentos, petroquímica, mineração, siderurgia, combustíveis). O grosso das 50 maiores empresas do país foi incubado ou cevado nas entranhas estatais, subsidiado pelo cidadão, com impostos ou privação de serviços públicos básicos.

Talvez ainda não seja ocioso notar que dívida pública cara e desarrazoada, torrada em bobagem, enfim serve para transferir renda para os mais ricos.

Enfim, essa rapinagem causa ou ajuda a causar desastres regulares, uma crise mais ou menos horrenda por década, na qual o povo se esfola.

 

No EL PAÍS: Desemprego de 8% no Brasil ainda está longe do fundo do poço

Por CARLA JIMENEZ

O Brasil já perdeu 818.918 postos de trabalho de janeiro a outubro deste ano, segundo dados do Cadastro Geral do Ministério do Trabalho. A taxa de desemprego já alcança a cifra de 7,9% em outubro nas seis principais capitais do país, segundo a Pesquisa Mensal de Emprego do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística(IBGE). Há um ano, a taxa era de 4,7% nas regiões metropolitanas de São Paulo, Rio, Belo Horizonte, Recife, Salvador e Porto Alegre. Na capital baiana, o desemprego já chega a 12,8% (era de 8,5% em outubro de 2014).

O que já é ruim vai ficar ainda pior até o final do ano. As projeções do mercado é que o número de desempregados chegue a 1,5 milhão até dezembro, lembrando que o final de ano é o que concentra demissões. “O fundo do poço ainda está longe”, avalia João Saboia, especialista em mercado de trabalho da Universidade Federal do Rio de Janeiro. “Se continuarmos nesse ritmo, poderemos chegar rapidamente aos níveis de 2003, quando a taxa de desemprego era de 12%”, lamenta Saboia, ainda que não precise em quanto tempo essa previsão pode se realizar.

Pela Pesquisa Nacional de Amostragem Domiciliar, outra métrica do IBGE, que faz um levantamento trimestral com abrangência nacional, o desemprego chega a 8,9% entre julho e setembro deste ano. No mesmo período do ano passado, a taxa trimestral era de 6,8%.

Entre os oito anos do governo Lula (2003-2010) e os quatro primeiros da presidenta Dilma  Rousseff foram criados 20 milhões de empregos, o que manteve o Brasil no quadro de pleno emprego. Os erros de gestão do primeiro mandato de Dilma, que descontrolaram a inflação, e os exageros de gastos públicos no ano passado, somados à desaceleração da China que afeta a América Latina, estão cobrando seu preço. Os cortes de vagas chegam como um duro golpe para o país, e para o Governo Rousseff, fruto de uma crise econômica que se retroalimenta com a crise política que assolou o país desde o início do segundo mandato da presidenta. “Vejo uma década perdida até 2020”, prevê o economista Luís Eduardo Assis, lembrando que 2015 vai terminar muito pior do que as piores projeções feitas no início do ano. “Perdem-se postos de trabalho, a renda salarial e o comércio já sente os efeitos”, completa.

Pelas contas de Assis, a tal década perdida começa no primeiro ano de Dilma, justamente quando a presidenta confiou demais nos anos dourados do seu antecessor. Um dos equívocos da presidenta foi apoiar a economia no sucesso da Petrobras, responsável por puxar investimentos na economia. A Lava Jato, porém, tirou a petroleira do rumo, assim como o Governo.

Os problemas da presidenta se agravam ainda mais com os nós políticos que paralisaram seu Governo e que parecem não ter fim. Desde o início do ano a mandatária enfrenta a perda de prestígio com protestos de rua, baixa popularidade, traições no Congresso de supostos aliados e a pressão pelo seu impeachment. Há algumas semanas ela até havia encontrado uma certa calmaria depois que seu principal inimigo, o deputado peemedebista Eduardo Cunha, presidente da Câmara, perdeu força ao ficar sob a mira da Lava Jato com as denúncias de contas na Suíça.

Na semana passada, no entanto, Dilma sofreu um duro golpe com as gravações que flagraram o líder do PT no Senado, Delcídio do Amaral, propondo fuga e mesada paga pelo banco BTG Pactual ao advogado do ex-diretor da Petrobras, Nestor Cerveró. O novo escândalo volta a aumentar o clima de desconfiança e de paralisia do Governo e por consequência da economia. “A recessão está se aprofundando”, afirma Assis. Tudo isso às vésperas do final do ano, época em que as pessoas tentam renovar suas esperanças, mas no Brasil está difícil.

O desânimo geral com as más notícias e o desemprego em curso mantêm um clima de apreensão entre os brasileiros, que temem ser o próximo a ficar sem trabalho. Sob esse clima, gastam menos, o que torna a vida das empresas mais difícil, pois sem vender seus produtos e serviços, têm menos dinheiro em caixa, e se veem pressionadas a demitir gente. Eis o ciclo vicioso que explica a recessão de 2015 no Brasil, que deve fechar o ano com queda de 3% do PIB. Num beco sem saída, Dilma enfrenta expectativas tão desalentadoras para 2016 como às deste ano.

Candidatos na fila para uma vaga em um supermercado. / FERNANDO CAVALCANTI

 

Menos Chanel e sucata mal paga: como a crise afeta cada classe no Brasil

Números estão estampados por todas as partes quando o assunto é acrise econômica. Em apenas doze meses, a taxa de desemprego passou de 5% para 7,6%. A inflação chegou a 9,49%. A produção industrial recuou 5,7%. O rendimento médio real do trabalhador estagnou. As estatísticas, tão utilizadas para compreender o que está acontecendo com o país em seu total, ofuscam a vida real de cada um de seus 200 milhões de habitantes, retratados sempre no plural.

A crise não afeta a todos da mesma forma, principalmente em um país com tantas desigualdades e estratificações sociais quanto oBrasil. Uma pessoa que sobrevive com 2,7 reais por dia – considerada a linha da pobreza no País, pela definição do Governo – não vivencia a inflação da mesma forma que uma outra que dispõe de 1.000 reais para gastar diariamente, renda esta dos brasileiros que integram a classe A.

A maneira como a recessão econômica as impacta também. O dólar, por exemplo, tem feito a empresária e socialite Regina Manssur repensar as viagens que realiza frequentemente pelo exterior. “Com 1.000 dólares, eu podia pegar um avião para o Uruguai, curtir em um cassino, comer bem e ficar em um hotel luxuoso”, afirma. Atualmente, com o dólar na casa dos 4 reais, a viagem a Punta del Este, que faz religiosamente uma vez por mês, foi cancelada. A midiática Val Marchiori também corta custos. “Sou apaixonada por bolsas da marca Chanel. Antes da crise, durante as viagens, costumava comprar dez bolsas. Agora são três”, afirmou em nota. “Se eu voltava com três malas cheias de ‘modelitos’ novos, agora volto com uma apenas”, complementa.

O mesmo dólar que faz com que a socialite viaje menos respingou sobre a inflação e o custo de operação de diversas empresas do país, que cortaram investimentos e mais de 500.000 empregos formais no acumulado de janeiro a julho, conforme o Cadastro Geral de Empregados e Desempregados (Caged).

Genésio Gonçalves de Souza é mais um dos funcionários demitidos desta lista. Zelador há 19 anos em um edifício no centro de Guarulhos, perdeu, junto com o emprego, o apartamento onde morava com a família, construído na garagem de seu local de trabalho pela administração do condomínio. “A crise me pegou, mas eu vou me virar como sempre fiz. Estou fazendo uns ‘bicos’ e distribuindo currículos enquanto isso”, afirma. Em três meses, ele conta que foi a quatro administradoras de condomínios e a doze edifícios conversar com os síndicos. “Em uma das empresas, tinha uns cinco zeladores na fila, antes de mim, também desempregados. Ainda não fui chamado para nenhuma entrevista”, desabafa.

O catador de recicláveis Sérgio Amâncio da Silva continua exercendo sua atividade, de maneira informal. Mas a crise o impactou de outra forma. O preço que o ferro-velho paga pela sucata caiu pela metade nos últimos três meses. O papelão, cujo quilo lhe rendia 20 centavos, passou a valer 13 centavos, forçando o catador a dobrar sua jornada de trabalho para manter nível semelhante de renda. Com o dinheiro dos materiais recicláveis, sustenta uma família de cinco pessoas na capital paulista. A forte queda no preço da sucata dificultará ainda mais o pagamento em dia das contas mensais e das dívidas que contraiu ao longo dos anos. “Devo 2,5 mil no cartão. Só de comida gastamos 600 por mês. Está tudo mais caro, arroz, feijão, pão, energia, água. Vai ser impossível pagar tudo sem arrumar outro emprego”, diz.

Enquanto a crise está pesando no bolso de muitos brasileiros, outros descobriram maneiras ganhar dinheiro com a maré de pessimismo do mercado. Os juros altos, o real desvalorizado, as ações negociadas a preço de banana na bolsa de valores. O quadro de caos pintado com a recessão é um cenário fantástico para quem conhece profundamente o mantra “comprar na baixa e vender na alta”. “Quem consegue perceber uma distorção entre a expectativa do mercado e a realidade dos ativos consegue traçar boas estratégias”, afirma Tiago Piedade, investidor de 33 anos que fez o seu primeiro milhão em 2008, em meio à turbulência da crise financeira mundial. A estratégia que está lhe rendendo hoje um bom dinheiro, graças à recessão brasileira, é a renda fixa, mais lucrativa a cada deterioração na imagem do governo aos olhos dos investidores.

Fonte: Folha de S. Paulo + EL PAÍS

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