"Não há Governo; e o povo reage com raiva ou escárnio. Virou piada"...

Publicado em 27/11/2015 05:34
por VINICIUS TORRES FREIRE, na FOLHA DE S. PAULO

Alma penada no fim da picada

Por VINICIUS TORRES FREIRE, na  edição da FOLHA DE S. PAULO, desta sexta-feira

Sem contar a semana de "festas", falta menos de um mês para o fim do ano. A partir do dia 24, nada mais funciona. Governo, Congresso e Justiça param ainda antes.

Dados os exemplos vívidos, repulsivos e escandalosos de desastre nacional, tratar de contas públicas parece uma abstração tediosa. Mas convém notar que 2015 vai terminar sem que tenhamos tido um Orçamento e que 2016 vai pelo mesmo caminho. Isso vai dar problema muito concreto.

Não há governo. Algumas burocracias, em especial aquelas para as quais Dilma Rousseff não dá quase a mínima, meio que andam sozinhas, para o bem ou o mal, casos de saúde e educação, por exemplo.

No mais, a presidente se ocupa de:

1) Preservar seu mandato sobre o nada, não se sabe bem para o quê, talvez para escolher a cor do PowerPoint dos ministros, como já disse um jornalista inglês fazendo troça da mania de minúcias da presidente;

2) Como o pessoal de seu partido, coalizão restante ou governo vai fugir da polícia;

3) De megalomanias ora ainda mais delirantes, por falta de recursos, vistas com raiva ou escárnio por dois terços da população.

Enfim, Dilma Rousseff jamais compreendeu o que é ser presidente, ter prioridades maiores, liderança nacional para formar acordos de mudanças, visão de longo prazo. Se quando havia algum dinheiro e poder era assim, pior ainda agora, que é uma alma penada no Planalto, a obstruir soluções.

Ontem se soube que o deficit do governo federal no ano já vai a 0,7% do PIB, sem contar "pedaladas" que talvez ainda deva pagar. Previa-se superavit de 1% do PIB. Ninguém mais liga, como se o país fosse um navio fantasma à deriva, do qual se espera apenas saber quando vai se arrebentar nos rochedos.

Gasta-se ou corta-se à matroca, ao vai da valsa. O rombo cresce, de qualquer maneira; não se sabe em que medida crescerá no ano que vem. O Congresso, em grande parte atolado na imundície e avesso a Dilma, não vota nada.

Nessa toada, é quase inevitável degradação adicional do crédito do país e de suas empresas no início do ano que vem. Vamos escapar apenas se os donos do dinheiro grosso acharem que está tudo tão calmo no mundo que até no Brasil vale a pena colocar algum.

A senadora que preside a Comissão Mista do Orçamento, Rose de Freitas (PMDB-ES), escarnece do governo. Diz que a turma de Dilma manda mudanças frequentes para o Orçamento de 2016, que não se entendem nem mesmo na equipe econômica, tanto que começa a duvidar de que queiram votar a lei ainda neste ano. Virou pilhéria.

Fazenda e Orçamento não se entendem sobre o tamanho do deficit do ano que vem, embora, repita-se, ninguém acredita nesses números, mesmo porque nem sabemos o tamanho da recessão de 2016.

Sabe-se que o deficit neste ano não é ainda maior porque se cortou quase 40% do investimento federal "em obras", o que faz o país atolar ainda mais e é insustentável. Que a Previdência sangra e deve sangrar mais, com mais desemprego e mais informalidade. Que a coisa está tão feia que o Tesouro (Fazenda) propôs ontem discretamente que se comece a cortar o gasto com Previdência Rural (de pessoas que praticamente não contribuíram, que recebem o mínimo e gera quase todo o deficit do INSS, de R$ 76 bilhões até aqui).

 

Instinto de sobrevivência

por BERNARDO MELLO FRANCO

O Senado evitou um suicídio institucional ao acatar a prisão de Delcídio do Amaral. Se mandasse soltar o petista, a Casa incitaria a revolta na sociedade e compraria uma briga inglória com o Supremo Tribunal Federal.

As provas contra Delcídio são incontestáveis. Ele tramou a fuga de um preso e prometeu usar sua influência para anular delações da Lava Jato. Além disso, ofereceu suborno para calar uma testemunha que deve incriminá-lo no petrolão.

A tentativa de obstruir o processo foi tão clara que o ministro Teori Zavascki não hesitou em decretar sua prisão. A decisão foi referendada pela segunda turma do Supremo, que percebeu a grave ameaça à imagem e à autoridade do Judiciário.

Apesar da solidez das provas, o Senado ensaiou uma operação para livrar Delcídio da cadeia. A tentativa de resgate foi liderada pelo presidente Renan Calheiros, um dos principais investigados da Lava Jato.

O peemedebista traçou um plano simples: os senadores decidiriam o futuro do petista em votação secreta, sem prestar contas aos eleitores. Com isso, Delcídio teria chances razoáveis de ser libertado.

Num apelo ao corporativismo, Renan insinuou que o Supremo usurpou poderes do Legislativo e chegou a dizer que a prisão do petista, decidida à luz do dia e com base na lei, não teria sido "democrática".

O discurso foi endossado pelo incorrigível Jader Barbalho, que evocou o nome de Deus e declarou que os senadores não precisam ser fiscalizados pela opinião pública. Ele acrescentou que já passou por "lutas" e "dificuldades". É verdade: em 2002, foi preso e algemado pela PF.

"O que está em jogo neste momento é a vida da instituição, é a vida do Senado Federal", alertou Jader, na tentativa de convencer os colegas a proteger Delcídio. Por instinto de sobrevivência, a maioria dos senadores entendeu o aviso de outra forma. A prisão foi confirmada em votação aberta e por ampla margem: 59 a 13.

 

Ladrões, inclusive de galinhas

 Por RUY CASTRO

Os sociólogos, como sabemos, vieram ao mundo para nos explicar por que as coisas são como são. Por isso, outro dia recorri a um deles para me dizer por que, num país tão farto em ladrões, um dos mais simpáticos e poéticos desaparecera: o ladrão de galinhas.

A culpa foi da especulação imobiliária, ele me disse. Com a substituição das casas pelos edifícios e o fim dos quintais, acabaram-se os galinheiros domésticos. E, sem eles, não pode haver ladrões de galinhas.

Daí minha surpresa ao ler sobre o furto de 25 codornas poedeiras no quintal de uma casa em Selvíria, no Mato Grosso do Sul. Um jovem chamado Jocimar, acusado do crime, foi a julgamento e tomou um ano de prisão. Nas várias idas e vindas do caso pelo Tribunal de Justiça, Ministério Público e STJ (Superior Tribunal de Justiça), Josimar foi absolvido, condenado e absolvido de novo.

Foi então que me dei conta de que esse caso aconteceu em 2001, mas só agora, nesta quarta-feira, chegou ao STF (Supremo Tribunal Federal), que o finalizou. Os ministros Carmen Lúcia e Dias Toffoli condenaram Josimar, mas Gilmar Mendes, Teori Zavascki e Celso de Mello aplicaram o princípio da insignificância e votaram pela absolvição. Josimar é hoje não apenas um homem livre, mas o último ladrão de galinhas vivo do país. Merecia um estudo.

Nesta mesma quarta, talvez na mesma sessão, o STF tomou a decisão histórica de mandar prender o senador petista Delcídio do Amaral, por acaso também do Mato Grosso do Sul, por tentar subornar o ex-diretor internacional da Petrobras Nestor Cerveró, para ele não abrir o bico, e ajudá-lo a fugir para a Espanha.

Nos velhos filmes ingleses e americanos, o sujeito dava um golpe lá fora e vinha se esconder no Brasil. Agora é diferente: o sujeito dá um golpe no Brasil e vai se esconder lá fora. Preciso achar um sociólogo que me explique isso.

 

Mais um passo

EDITORIAL DA FOLHA

Por ampla maioria de votos (59 a 13), o Senado Federal decidiu, na noite desta quarta-feira (25), acatar a prisão do líder do governo na Casa, Delcídio do Amaral (PT-MS), decretada no mesmo dia pelo ministro Teori Zavascki e referendada por seus colegas da segunda turma do Supremo Tribunal Federal.

O episódio representa etapa significativa na dissolução de uma imagem consolidada, com bons motivos, na opinião pública: a de que poderosos e ricos estão sempre a salvo das garras da Justiça.

Ao que tudo indica, foi decisiva a pressão popular para o desfecho do episódio no Legislativo. Ainda no começo da tarde, não se sabia com certeza se a maioria dos senadores apoiaria a resolução do STF ou se, valendo-se de sua prerrogativa constitucional, determinaria a soltura do congressista.

A situação de Delcídio, contudo, era indefensável. Gravações obtidas dentro da lei haviam flagrado o senador a planejar a fuga de Nestor Cerveró, ex-diretor da Petrobras preso na Operação Lava Jato.

O petista pretendia impedir que Cerveró firmasse acordo de delação premiada com os investigadores, contando a estes o que sabe sobre o escândalo bilionário e deles obtendo algum alívio penal.

Delcídio diz ter recorrido a André Esteves, presidente do banco BTG Pactual, para oferecer ao ex-diretor da Petrobras e a sua família vantagens financeiras. Enquanto isso, assegurava ter meios de facilitar a vida de Cerveró no STF.

Era demais, e pode-se atribuir parte do rigor da corte ao empenho em dissipar qualquer suspeita de entendimentos entre seus membros e o senador.

Do ponto de vista técnico, a prisão de Delcídio –mas não a de Esteves– demandou exegese sofisticada. Pela Constituição, um parlamentar só pode ser preso ao ser flagrado cometendo crime inafiançável, como o homicídio qualificado e a prática de tortura, entre outros.

Os ministros do Supremo consideraram que se impunha a prisão preventiva do senador –para a qual não há fiança–, dada sua capacidade de influenciar um processo criminal em andamento.

Decidiram, além disso, que o conceito de "flagrante" se aplica na medida em que um dos delitos de que Delcídio é acusado, o de constituir organização criminosa, possui caráter permanente.

Aceitando o juízo, e optando por abandonar a votação secreta em suas deliberações –felizmente contrariando, nesse ponto, um injustificável dispositivo do regimento interno da Casa–, o Senado curvou-se à pressão pública.

A alternativa seria desastrosa.

Presos um dos banqueiros mais importantes do país e um senador da República, confirma-se a sensação de que, no Brasil de hoje, a condição política ou econômica privilegiada já não equivale a um passaporte para a impunidade.

Espera-se apenas que, nesse mais que bem-vindo reequilíbrio da balança da Justiça, a vontade de punir a todo custo não passe a pesar mais que as garantias individuais prescritas na Constituição.

 

Falcão e o PT; Marcola e o PCC

Por REINALDO AZEVEDO, em artigo desta sexta-feira na FOLHA DE S. PAULO

A semana foi sacudida por duas prisões estrepitosas: a de José Carlos Bumlai, pecuarista e faz-tudo de Lula, e a de Delcídio do Amaral (PT-MS), que prestou um favor ao ineditismo: nunca antes na história "destepaiz", um senador havia ido em cana no exercício do mandato. Dilma estava se preparando para virar de lado e, quem sabe?, tirar uma soneca. Não vai conseguir. O alarido das vocações criminosas não deixa.

Não sou petista, não gosto do partido e lastimo a maioria de suas escolhas. Como sou um liberal, acho que suas opções estratégicas, ainda que fossem pautadas pela mais angelical honestidade, estão erradas. Assim, eu me oporia –como indivíduo sem partido– aos petistas ainda que estes fossem inocentes como as flores.

Isso não me impede de reconhecer que o partido deu relevo a demandas reais da sociedade e que os mais pobres tiveram, nesses anos, ganhos efetivos –e os mais ricos não têm do que reclamar. A renda do trabalho cresceu, e, por óbvio, o Bolsa Família amenizou as agruras dos extremos da pobreza.

Agora vem o meu fascínio às avessas, a minha estupefação. Era possível fazer tudo isso sem roubar. Era possível fazer tudo isso sem quebrar a economia do país. Era possível fazer tudo isso sem destruir as contas públicas. Era possível fazer tudo isso sem corrom

per a esperança de milhões de pessoas.

Cabe, sim, discutir o que permitiu ao PT ser um pouco mais ousado do que os governos que o antecederam na distribuição de renda; também é pertinente saber se os fatores que concorreram para tal feito eram ou não de sua escolha. Mas isso não anula a evidência.

Vamos lá. Amigos que não têm simpatia pelo PT, mas que, à diferença deste escriba, não o abominam, já me censuraram por meus supostos "exageros". Um deles disse certa feita: "Você trata os petistas como se eles fossem assaltantes da democracia, e eles não são; afinal, seguem as regras".

Pois é... Esse amigo certamente me lê agora. Bem... Eles não seguem as regras.

Ainda que larápios em penca tenham usado suas posições de poder para o enriquecimento pessoal, o assalto ao Estado e aos cofres só se deu porque, desde o princípio, o PT nunca teve a democracia como um valor inegociável. Mensalão e petrolão são expressões não de uma concepção, mas de uma prática golpista. E isso não tem nada a ver com inserir ou excluir pobres da economia.

Na quarta, o PT emitiu uma nota entregando Delcídio às feras. Rui Falcão, que defende João Vaccari com unhas e dentes (não há outro modo...), se diz "perplexo". O texto se trai e se revela de modo espetacular. Está lá: "Nenhuma das tratativas atribuídas ao senador tem qualquer relação com sua atividade partidária (...). Por isso mesmo, o PT não se julga obrigado a qualquer gesto de solidariedade".

NA MOSCA!

Leia-se de outro modo: todas as "tratativas" de Vaccari dizem, sim, respeito às suas "atividades partidárias". Daí vem a "solidariedade".

É precisamente com esse critério que Marcola comanda o PCC. Crime em benefício pessoal é pecado de lesa irmandade. Crime em nome da organização prepara o berço dos heróis.

É claro que há diferenças entre os dois entes. O PCC não se organiza para assaltar o Estado e a institucionalidade. São males absolutos, mas distintos. A ética abstrata é que os aproxima. Como não diria Janio de Freitas, a nota do PT é coisa de "trombadão".

Fonte: Folha de S. Paulo

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