"O País está quebrado, vive um desastre"... BUENOS DIAS, ARGENTINA
Buenos dias, Argentina
("O País está quebrado, vive um desastre", por VINICIUS TORRES FREIRE, na FOLHA)
Dizer que os argentinos elegeram um governo de direita sugere que o kirchnerismo-peronismo fosse de esquerda. De cara, nota-se pois que essa discussão não vai dar em nada sensato, até porque o sistema político argentino está em caquinhos mistos desde 2001.
A "virada", a derrota de "12 anos de populismo", como se diz, sugere que Mauricio Macri fará mudanças "liberais", embora o adjetivo seja sofisticado demais para o desmonte das aberrações contraproducentes de Cristina. Sugere que o desmonte será imediato. Macri diz que não vai ser assim. Nem é prudente, em termos sociais, políticos e econômicos.
Problema mais imediato: o país está quebrado. Não tem reservas internacionais nem fontes regulares de financiamento externo. Reservas são ativos em moeda forte, "dólares" guardados em um banco central para fins tais como intervenção no mercado de câmbio e despesas em caso de seca de entrada de capitais (pagar importações e dívida externa).
Oficialmente, a Argentina tem US$ 26 bilhões de reservas. "No". Argentinos sensatos estimam que sobra algo perto de US$ 6 bilhões. Paga um mês de importações. Um desastre.
Não entram dólares bastantes pelo comércio porque a economia está em pandarecos. O governo mantém o dólar barato a fim de evitar mais inflação (também gastando reservas, para tanto). Assim, os produtos argentinos ficam caros demais e importar fica barato. O dólar oficial custa 9,70 pesos; o paralelo, uns 15.
Para piorar, fundos abutres dificultam a solução do calote da dívida argentina, com o que o país está fora do mercado internacional de crédito e capitais.
O governo limita também a quantidade de dólares que se podem comprar. Desse modo, as empresas têm dificuldade de importar máquinas e matérias-primas (a produção para ou piora) ou se endividam no exterior (não pagam importações porque o governo não libera dólares). Além do mais, o governo limita exportações de certos produtos agrícolas, para segurar preços no mercado doméstico.
A inflação está alta porque, em suma, o governo tem deficit crescentes desde 2011, os quais financia de modo primitivo: imprime dinheiro. A inflação ronda os 27%, o dobro da oficial (o governo manda no IBGE deles, tanto que as estatísticas argentinas não fazem mais parte das bases de dados internacionais).
O deficit cresceu desde 2011 por causa do aumento de gastos com subsídios para serviços públicos (90% da despesa serve para baratear eletricidade, gás e transporte). Anda pela casa de 5% do PIB, mesmo valor dos subsídios.
O governo gastou mais também em aposentadorias, em aumento explosivo do número de servidores e em bolsas sociais.
Macri vai desvalorizar o peso, liberar o mercado de câmbio e cortar gastos com subsídios. Não deve fazer tudo de uma vez, pois o país pode quebrar e o pau pode quebrar nas ruas.
De 2011 a 2014, a Argentina cresceu perto de 0,5% (o Brasil, 8,7%). Deve crescer nada em 2015 (o Brasil vai encolher 3%). Em 2014, a economia era 20% menor que a paulista, com população parecida. Pobres não são. Mas não vão aguentar sem mais uma mudança no tranco (embora inevitável), até porque parte da população estava bem iludida pelos remendos insustentáveis de Cristina.
EDITORIAL da folha de s. paulo:
Nova Argentina
O inédito segundo turno presidencial na Argentina fez mais que definir o opositor Mauricio Macri como novo titular da Casa Rosada.
Ao consagrar um candidato de centro-direita, a disputadíssima eleição realizada no domingo (22) demarcou o fim de um ciclo histórico em que se viam com clareza acertos e, sobretudo, os erros da esquerda latino-americana.
Iniciado em 2003, o período Kirchner se caracterizou a princípio pela capacidade de reerguer a economia após o colapso cambial de 2001. Néstor (morto em 2010), embalado pela retórica peronista, adotou programas de redução da pobreza e ampliou o papel do Estado para acelerar a recuperação.
Beneficiando-se do boom mundial das commodities, a Argentina cresceu a taxas superiores a 8% com Néstor –e para ele foi fácil conduzir a vitória de sua mulher, Cristina, na disputa de 2007.
Ocorre que o cenário internacional se alterou com a crise de 2008. O casal Kirchner, todavia, decidiu dobrar a aposta, ampliando a intervenção estatal no setor privado.
A presidente elevou investimentos públicos, reestatizou empresas e, a fim de arranjar recursos, aumentou impostos sobre exportações, para desespero dos fazendeiros. Pressionada pelas críticas, Cristina respondeu com a truculenta Lei de Mídia, de 2009, desenhada para intimidar a imprensa.
A Argentina ainda cresceu 8,4% em 2011, quando Cristina foi reeleita, mas a taxa despencou para 0,8% em 2012. A inoportuna matriz expansionista elevou a inflação (hoje estimada em 28% ao ano) e deixou a economia estagnada.
Dada a degradação geral dos indicadores, seria razoável esperar vitória mais folgada de Mauricio Macri. O candidato da coalizão Mudemos, porém, obteve 51,4% dos votos, ao passo que o governista Daniel Scioli alcançou 48,6%.
Parte da explicação talvez esteja nos estímulos oficiais. Como afirmou Martín Redrado, ex-presidente do Banco Central argentino, não há uma percepção de crise. "Quando as pessoas estão consumindo, não têm sensação ruim", disse em entrevista a esta Folha.
Há, ademais, as ações do governo Kirchner voltadas para as camadas mais pobres. O próprio Macri, durante a campanha, prometeu manter todos os programas sociais.
O novo presidente sabe, contudo, que terá de "realizar uma mudança para o futuro". Não será fácil. Além de se deparar com um eleitorado dividido e com uma população que ainda não sente todos os efeitos das distorções na economia, Mauricio Macri precisará lidar com um Legislativo em que prevalecem as forças kirchneristas.
Faz bem, assim, em buscar apoio externo. Já eleito, Macri reiterou o compromisso de fazer do Brasil seu primeiro destino internacional, no intuito de retomar o dinamismo da relação bilateral. Após muito tempo, eis uma agenda da Argentina que interessa aos brasileiros.
Dilma e Macri
(por BERNARDO MELLO FRANCO)
BRASÍLIA - Lula e Néstor Kirchner chegaram ao poder no mesmo ano, 2003, criaram uma nova organização internacional, a Unasul, e lideraram a guinada à esquerda do continente na última década.
A aliança sobreviveu à eleição de Dilma e Cristina, mas não chegará à terceira geração de presidentes. Foi implodida pela eleição de Mauricio Macri, o liberal que governará a Argentina a partir do próximo dia 10.
A vitória de Macri não estava nos planos do Planalto. Dilma abriu o palácio para o candidato governista, Daniel Scioli. Lula chegou a reforçar um ato de sua campanha, no qual pediu votos para o "projeto que mudou a história da Argentina".
Por outro lado, a oposição brasileira não escondeu a torcida por Macri, que foi comparado ao tucano Aécio Neves. Nesta segunda, Fernando Henrique Cardoso festejou seu triunfo como a derrota da "irresponsabilidade" e do "populismo".
As emoções eleitorais ainda estão à flor da pele, mas vão passar em breve. Macri e Dilma sabem disso e já começaram a ensaiar uma aproximação, mesmo que a contragosto.
O novo presidente da Argentina prometeu inaugurar um relacionamento mais "dinâmico" com o Brasil. Dilma o convidou a visitar Brasília antes de receber a faixa.
O fim da aliança do PT com o kirchnerismo não significa que as relações entre Brasil e Argentina vão piorar. Diplomatas lembram que Lula se deu melhor com Bush do que com o sucessor Obama, com quem teria mais afinidade ideológica. Na área comercial, a saída de Cristina, que voltou sua atenção para os chineses, abre caminho a uma nova tentativa de ressuscitar o Mercosul.
Para o petismo, o pior que pode acontecer é o sucesso de Macri inspirar uma nova onda de governos de centro-direita no continente. Nesse caso, o ocaso do kirchnerismo seria um aperitivo para uma derrota do PT em 2018. Mas isso não é um problema para Dilma, e sim para Lula, o cabo eleitoral do derrotado Scioli.
O congresso da Juventude do PT ficou parecido com reunião de cúpula do PCC
(por AUGUSTO NUNES, em VEJA.COM):
Com as bênçãos do Mestre no altar principal, os participantes da missa negra reduziram a cinzas a imensidão de provas dos crimes praticados por figurões da seita bandida, jogaram no lixo o Código Penal, revogaram o Estado de Direito e trataram a verdade a socos e pontapés. Em meio a cantorias que canonizavam quadrilheiros juramentados, declararam guerra aos brasileiros decentes e aos homens da lei.
Sem que se ouvisse uma única e escassa voz dissonante, os presentes debocharam da polícia, insultaram o Ministério Público, zombaram dos juízes de todas as instâncias, ironizaram decisões do Supremo Tribunal Federal, exigiram a libertação de todos os comparsas presos ─ condenados ou à espera de julgamento ─ e ameaçaram os infiéis com vinganças tremendas.
O que poderia ter sido uma reunião de cúpula do PCC (comandada por Marcola) foi a sessão de abertura do Congresso da Juventude do PT (estrelado por Lula). O que se viu e ouviu por lá na celebração em Brasília confirma que um fanático com menos de 30 anos consegue ser mais antigo que múmia de museu. Ainda tão longe da velhice física, a Juventude do PT é apenas um viveiro de velhacos alquebrados.
(por AUGUSTO NUNES)
NO EL PAÍS:
Forças da oposição na América do Sul celebram a vitória de Macri
Dirigentes acreditam que triunfo de Macri levará a mudanças na Venezuela e Bolívia, por JAVIER LAFUENT
A vitória de Mauricio Macri sobre Daniel Scioli não só representa uma mudança de rumo na Argentina, mas também um golpe no tabuleiro político da América do Sul. Trata-se da primeira vez em 15 anos que um projeto vinculado ao socialismo do século XXI cai derrotado em eleições. Falar de mudança de era, no entanto, parece prematuro. Será preciso esperar as eleições parlamentares da Venezuela, dentro de duas semanas, e o referendo para a reeleição de Evo Morales, na Bolívia, em fevereiro, para calibrar a intensidade dos ares de mudança na região.
Não há dúvida, porém, de que todas as forças de direita da região se apossaram do triunfo de Macri. Especial furor causou na Venezuela, onde em 6 de dezembro serão realizadas eleições para a Assembleia Nacional. Se Lilian Tintori, mulher do preso político Leopoldo López, dançou junto ao presidente eleito argentino em Buenos Aires, num tablado rodeado dos mais próximos a Macri, em Caracas todos os dirigentes oposicionistas, desde a ala mais moderada de Henrique Capriles até a mais radical, representada por María Corina Machado, se congratulavam com a vitória de Macri e faziam um chamado pela mudança dentro de duas semanas na Venezuela.
O novo presidente argentino havia deixado claro que proporia a suspensão da Venezuela do Mercosul “por suas violações da democracia”. Segundo confirmou nesta segunda-feira em sua primeira coletiva de imprensa depois da vitória, assim o fará durante a próxima reunião do bloco de integração formado por Argentina, Paraguai, Uruguai, Brasil e Venezuela, em 21 de dezembro. Sendo candidato, Macri foi um dos poucos líderes latino-americanos que se pronunciou sobre a situação de Leopoldo López depois de ter sidocondenado a 13 anos de prisão em setembro. Garantiu que, se chegasse à presidência, pediria a imediata libertação do preso venezuelano.
Outro dos países onde os opositores quiseram tornar sua a vitória de Macri foi a Bolívia. O país andino celebrará em 21 de fevereiro um referendo para que a população decida se autoriza uma reforma constitucional que permita ao presidente Evo Morales disputar nova reeleição em 2019. Durante o primeiro turno, Morales apoiou abertamente o derrotado Daniel Scioli. A diferença entre a oposição boliviana e a argentina, porém, é substancial. Enquanto Macri terminou promulgando um discurso inclusivo e integrador da sociedade argentina, a oposição boliviana sempre se mostrou em favor das rupturas com as políticas de Evo Morales. Suas derrotas eleitorais, além disso, foram de grande intensidade, uma tendência que acreditam poder mudar em fevereiro. Se o “sim” não conseguir aprovação, ou passar por uma margem irrisória, isso será um ponto de inflexão no país.
Em situação semelhante se encontra o Equador, outro aliado tradicional do kirchnerismo, que escolherá o sucessor de Rafael Correa em 2017. Embora muito se tenha falado que a modificação da Constituição apoiada pelo partido de Correa facilitaria sua reeleição por tempo indefinido, o presidente e seu partido deram a entender nas últimas semanas que ele não voltará a se candidatar. A oposição, certamente, tentará se deixar levar pelo “efeito Macri”.
No caso do Brasil, país que não faz parte do eixo bolivariano, mas que tradicionalmente tem respaldado a Venezuela na região, as forças oposicionistas ficaram entusiasmadas com a derrota do kirchnerismo – Lula também viajou para a Argentina para dar apoio a Scioli no primeiro turno da eleição –, mas até o ministro da Fazenda de Dilma saudou a vitória de Macri.
Os resultados das eleições argentinas chegaram também à política colombiana, onde a direita faz oposição ao Governo de Juan Manuel Santos, um conservador de tom moderado, com uma imagem semelhante à cultivada por Macri durante a campanha eleitoral. Foi um dos primeiros líderes a cumprimentá-lo. Enquanto isso, o ex-presidente Álvaro Uribe garantia que os resultados na Argentina representavam “o início da derrota do castro-chavismo” e membros de seu partido sugeriram a Macri que apoie sua posição contrária aoprocesso de paz entre o Governo e a guerrilha das FARC.