Fim de uma era e Lula ‘comemora’ 70 fugindo das abelhas (na FOLHA/UOL)

Publicado em 28/10/2015 06:17
NA EDIÇÃO DESTA 4a.-FEIRA NA FOLHA DE S. PAULO

O reverso da moeda, editorial da FOLHA

A recessão não dá trégua. Pelo contrário, generalizam-se a redução da atividade econômica e a perda de postos de trabalho em praticamente todos os setores. As demissões, antes concentradas na indústria e na construção civil, agora atingem áreas que empregam mais, como serviços e comércio.

Dados do Caged mostram que o fechamento de 185 mil postos formais de trabalho em setembro (ajustado pela sazonalidade do mês) foi o maior até agora em 2015. Nos últimos 12 meses, a contagem negativa chega a 1,3 milhão, o pior resultado da série histórica.

A indústria é a campeã de perdas, com 557 mil postos fechados. Mas serviços e comércio, que até junho apresentavam certa estabilidade, acumularam 330 mil demissões só nos últimos três meses.

A deterioração nesses setores, normalmente menos sujeitos a mudanças bruscas, sinaliza persistência da recessão. O potencial de piora é maior que em outros casos, pois, em conjunto, abrangem 26,5 milhões de pessoas, cerca de 66% dos empregos formais do país –indústria e construção, por exemplo, empregam 8,5 milhões e 2,9 milhões, respectivamente.

O impacto do arrocho no orçamento das famílias se faz sentir no varejo, que teve queda de 5,2% nas vendas em 12 meses. De carros a supermercados, quase todos os segmentos amargam redução. Em suma, tem-se quase o reverso do bom momento da década passada.

Nesse ambiente de desalento, é preciso distinguir os necessários ajustes conjunturais, em geral dolorosos, dos fatores estruturais. Sob esse prisma, podem-se vislumbrar perspectivas menos negativas.

A economia está se ajustando rapidamente às novas condições globais. A queda de consumo interno obriga a uma reestruturação de empresas e consumidores que trará resultados no médio prazo.

Na indústria, há um novo equilíbrio em formação, com câmbio desvalorizado e salários internos contidos. Isso pode vir a reforçar a competitividade. Abre-se uma chance para a produção local ocupar espaço de importados e, ao longo do tempo, exportar.

Os excessos dos últimos anos começam a ser corrigidos. Trata-se de processo ainda longo e doloroso, que já cobra alto preço em termos de redução de renda –e que não necessariamente terá desfecho alvissareiro num horizonte curto.

Para que essas transformações se consolidem, é preciso reduzir a incerteza sobre a política econômica. Só assim será possível vislumbrar redução de juros e a volta da confiança para investir e consumir. Por enquanto, contudo, o cenário ainda é sombrio.

 

O massacre do crédito, por Vinicius Torres Freire

Foi um dia de falações sinistras sobre a dívida do governo, que cresce sem limite. Ficou um tanto mais nas sombras o conhecimento do fato que o crédito no Brasil agora encolhe, pela primeira vez desde 2004. Que o valor dos novos empréstimos atingiu outro nível de colapso, em setembro.

O estoque de crédito, o total de dinheiro devido aos bancos, diminuiu, em termos reais, em relação a setembro de 2014, pode-se depreender dos dados sobre o crédito no país, divulgados ontem pelo Banco Central.

Alguém poderá dizer que, em relação ao tamanho da economia, em relação ao PIB, o estoque de crédito até subiu um tiquinho. Pior. O tamanho relativo das dívidas (empréstimos) cresce só porque a economia encolhe ainda mais que o crédito.

Em um ano, o estoque de crédito caiu 0,39%. Na última tentativa do governo Dilma 1 de turbinar o crédito, no pico de outubro de 2012, o total de crédito crescia a 11% ao ano. Crescia praticamente apenas porque a presidente cevava os bancos públicos, nos quais o total de dinheiro emprestado aumentava ao ritmo anual de 22% (nos bancos privados nacionais, a menos de 1%). Nos bancos privados, o crédito já encolhia sem parar desde março do ano passado (praticamente não cresce desde abril de 2013).

O governo engordava o porco do crédito público à base de aumento da dívida pública —em suma, era assim que repassava fundos aos bancos públicos. A estatização de parte do crédito resultou, em especial no governo de Dilma Rousseff, na explosão da dívida pública, um dos motivos dos nossos horrores econômicos de agora.

Ao final do governo Lula 1, os bancos públicos detinham 36,7% do crédito. A crise de 2008, que marcou a virada da política econômica petista, levou o governo a acelerar a concessão de empréstimos estatais, que chegaram a crescer ao ritmo anual de 26% (sempre em termos reais). Ao final de Lula 2, os bancos públicos tinham 41,7% do crédito.

O governo de Dilma Rousseff decidiu aplicar o mesmo remédio, em dose ainda maior, ao mesmo tempo em que reduzia a poupança básica do governo (reduziu o superavit primário e criou mais gastos duradouros). Ao final de Dilma 1, os bancos públicos ficavam com 53,8% do crédito; agora, têm 55,7%. O remédio envenenou o governo, hiperendividado, que não tem como anabolizar a economia com inchaço dos bancos públicos.

A degradação da economia levou os bancos privados a jogar na retranca. A engorda do crédito contribuiu para a deterioração econômica e não deu impulso aos investimentos, que passaram a encolher, mesmo com taxas reais de juro zeradas em muitas linhas do BNDES (e negativas, no Banco do Brasil); o consumo passou a desacelerar. No final das contas, restou apenas mais inflação, dívida pública e juros altos. Essa é parte da história do desastre.

Voltando ao presente, vive-se uma combinação tétrica de redução da massa de rendimentos e do colapso dos novos empréstimos (concessões). Tétrica e acelerada em setembro.

A queda do nível de atividade econômica é dramática, recessão de 3% neste ano, 2% no ano que vem. Muito difícil ver como o Banco Central poderia extrair uns décimos da inflação de 2016 sem jogar o país no que seria o segundo pior período recessivo da República.

Autoengano, por Antonio Delfim Netto

Não é fácil entender o que a presidente Dilma fez dos seus magníficos 93% de "aprovação" (Datafolha, de abril de 2012: "ótimo/ bom", 64%, e "regular", 29%), obtidos depois do excelente comportamento da economia ao longo de 2011. No início do ano, Dilma corrigiu alguns exageros da política anticíclica conduzida por Lula em 2009 e terminou muito bem.

Toda comparação é sujeita a críticas e exige a concordância sobre uma métrica adequada. O crescimento do PIB entre 2003 e 2008 foi de 4,2% ao ano. Em 2009, ele foi de menos 0,2% e se recuperou rapidamente em 2010, quando atingiu 7,6%.

Parece, portanto, que não se fará injustiça se comparamos os resultados do crescimento médio de Lula em 2009-10 (3,7% ao ano) com o de Dilma em 2011 (3,9%).

Nas outras métricas: 1) a inflação cresceu de 5,1% para 6,5%; 2) o deficit em conta corrente/PIB ficou o mesmo (-2% do PIB); 3) houve um aumento significativo do superavit primário, que cresceu de 2,3% para 2,9% do PIB, e 4) houve uma redução da relação dívida bruta/PIB, de 51,8% para 51,3%! Parece difícil rejeitar a hipótese de que Dilma, em 2011, repetiu o final do governo Lula. Lembremos que ele terminou seu governo com uma aprovação de 96% (Datafolha, de novembro de 2010: "ótimo/ bom", 83%, e "regular", 13%).

Por maior que seja a má vontade da sociedade com Dilma, refletida na ideológica rejeição que sofre hoje, é ridículo negar que, no início de 2012, ela era fortemente apoiada pela população e recebeu um voto de confiança para que continuasse a fazer "mais do mesmo". Na nossa opinião, manter o crescimento, controlar a inflação, regular o deficit em conta corrente e sustentar superavits primários para conservar a relação dívida bruta/PIB em torno de 50%.

Isso fortaleceria nossas instituições, reduziria as incertezas e daria tranquilidade aos agentes econômicos, fatores essenciais para a redução do juro real teratológico que nos acompanha há décadas.

Infelizmente a sua leitura do sucesso foi outra.

O apoio popular a teria empoderado para fazer uma política voluntarista em busca da necessária "modicidade tarifária", sem levar em conta a realidade.

Fez dois movimentos desastrados: a partir de meados de junho de 2011, forçou uma baixa artificial da taxa de juros e, em setembro de 2012, introduziu a generosa ideia da "modicidade tarifária" no sistema energético e que quase o destruiu. Mas não ignoremos que o fez com a aprovação popular de 92% (Datafolha, de março 2013). Isso comprova o famoso teorema de Thomas: se uma situação é sentida como real, ela será real em suas consequências...

Contra tudo o que está aí, por Bernardo de Mello Franco

BRASÍLIA - O grito "Qué se vayan todos", que marcou a crise argentina de 2001, parece pronto para explodir nas ruas brasileiras. A expressão é a que melhor traduz os resultados da nova pesquisa do Ibope. O levantamento aponta uma rejeição generalizada à classe política.

O mau humor com o governo Dilma já era conhecido. Em agosto, ela se tornou a presidente mais impopular desde a redemocratização do país. A novidade é que agora os eleitores também viram as costas para os políticos que sonham em sucedê-la.

O fenômeno atinge os principais pré-candidatos da situação, da oposição e da terceira via. Dos seis testados na pesquisa, cinco ostentam rejeição igual ou maior que 50%. O menos impopular amarga o desprezo de 47%. Em bom português, o eleitor quer mandar todo mundo para casa.

O ranking negativo é liderado pelo ex-presidente Lula, que acaba de fazer 70 anos mergulhado em uma maré de más notícias. Nada menos que 55% dos eleitores dizem que não votariam nele "de jeito nenhum".

O dado impressiona porque apenas 4% consideravam sua gestão ruim ou péssima no fim de 2010, quando ele deixou o Planalto. Cinco anos depois, o petista sofre efeitos do desgaste de Dilma e das investigações de escândalos de corrupção que nasceram no seu governo.

Os possíveis rivais de Lula também aparecem mal na foto. O senador José Serra (PSDB) enfrenta 54% de rejeição. O governador Geraldo Alckmin (PSDB) tem 52%, mesmo índice de Ciro Gomes (PDT). Marina Silva (Rede) é rejeitada por 50%, e o senador Aécio Neves (PSDB), por 47%.

A bronca geral tem um lado positivo. Ao mostrar que não está satisfeito com ninguém, o eleitor cobra um discurso melhor de quem está no poder e de quem deseja retomá-lo. Por outro lado, o desencanto com tudo o que está aí pode abrir espaço para um novo "salvador da pátria", alguém que se sinta acima dos partidos e das instituições. O Brasil já viu esse filme, e ele não tem final feliz.

 

Fim de uma era, editorial

O primeiro turno da eleição na Argentina teve um sabor amargo para a presidente Cristina Kirchner. Seu candidato à sucessão, o peronista Daniel Scioli (Frente para a Vitória, de centro-esquerda), obteve 36,9% dos votos e ficou pouco à frente do oposicionista Mauricio Macri (Mudemos, de centro-direita), que alcançou 34,3%.

O resultado causou certa surpresa, pois algumas pesquisas indicavam até dez pontos de vantagem em favor de Scioli. Ao que tudo indica, Macri contou na última hora com o reforço dos indecisos, já que o terceiro colocado, o peronista dissidente Sergio Massa (Unidos por uma Nova Argentina), chegou ao patamar antecipado pelos institutos de opinião (21,3%).

Com isso, o país conhecerá um inédito segundo turno (no dia 22 de novembro). Isolado, esse fato já seria sinal suficiente de que o governo perdeu boa parte de sua capacidade de mobilização.

Houve mais, contudo. A coalizão de Cristina encolheu na Câmara dos Deputados, passando de 51% para 42% das cadeiras. O chefe de gabinete da própria presidente, Aníbal Fernández, perdeu a disputa pela Província de Buenos Aires para uma aliada de Macri.

Não que o kirchnerismo tenha sido varrido no último domingo (25). Os governistas continuam sendo a principal força do Congresso e venceram na maioria das localidades. É evidente, entretanto, que a hegemonia do consórcio hoje no poder se aproxima de seu fim.

Impedida por lei de concorrer a um novo mandato, Cristina só apoiou Scioli –moderado demais para seu gosto– porque seu próprio grupo não tinha nenhum nome viável. A presidente não pôde senão escolher um outro expoente dentro do peronismo, mesmo que pertencente a uma corrente rival.

Divisões dessa natureza não são recentes. O peronismo não é um bloco coeso, mas uma ideologia nacionalista, de forte apelo nos estratos mais pobres, compartilhada por grupos que vão do fascismo à extrema-esquerda.

Apesar das divergências com a presidente, Scioli não deixa de ser identificado com o peronismo no poder. Em condições normais, tal circunstância bastaria para o sucesso de um candidato na Argentina.

Não hoje, todavia. A economia do país está estagnada (o PIB cresceu 0,5% em 2014, segundo o governo) e a inflação oficial atingiu 15% ao ano (o índice real talvez se aproxime de 25%). No mercado paralelo, US$ 1 vale quase 16 pesos.

O kirchnerismo vive um pesadelo: se Daniel Scioli vencer, a vitória será dele –e talvez a despeito do governo. Se perder, por outro lado, sua derrota decerto será atribuída a Cristina Kirchner.

 

Após enfiar o dedo no favo de mel, Lula ‘comemora’ 70 fugindo das abelhas, por Josias de Souza (UOL)

Ao passar a faixa presidencial para Dilma Rousseff, em 1º de janeiro de 2011, Lula teve o vislumbre das dádivas que o mundo proporciona a alguém que enfia o dedo num favo de mel, lambendo-o em seguida. Nesta terça-feira, 27 de outubro de 2015, Lula completa 70 anos fugindo das abelhas.

Transtornado, o ex-soberano cancelou uma festa que os amigos lhe proporcionariam em São Bernardo. Depois de passar o final de semana praguejando os delatores da Lava Jato e denunciando uma conspiração da mídia e do mundo para “criminalizar” o PT e os petistas, Lula revoltou-se com a batida que agentes federais fizeram na empresa do seu filho Luiz Cláudio Lula da Silva.

Nas últimas semanas, a família Lula da Silva ganhou lugar cativo nas manchetes policiais. Sob suspeita de traficar influência em benefício da Odebrechet, Lula viu-se constrangido a prestar depoimento à Procuradoria da República. O STF deu carta branca a um delegado federal para interrogar Lula na Lava Jato. Um delator disse ter repassado verba suja à nora de Lula. Outro declarou ter quitado com verbas roubadas da Petrobras uma dívida milionária da campanha Lula-2006.

Na véspera do seu aniversário, Lula desconfiava da própria sombra. E de Dilma Rousseff, que muitos acreditam ser a mesma coisa. Em privado, o criador deu asas à suspeita de que a criatura estivesse por trás da varredura da Polícia Federal na firma do seu caçula. Foi preciso que o ministro Jaques Wagner (Casa Civil) entrasse em cena para evitar uma crise maior entre Lula e Dilma.

A desconfiança de Lula é pueril. O pedido de busca e apreensão na firma Luiz Cláudio Lula da Silva foi feito pelo Ministério Público Federal. A ordem foi expedida por uma juíza federal que, em seu despacho, endossou a avaliação segundo a qual é “muito suspeito” que a firma do filho de Lula tenha recebido R$ 1,5 milhão de um escritório de lobby suspeito de comprar medida provisória feita sob medida para uma montadora de automóveis.

À noite, como que convencido de que a pacificação entre Lula e Dilma é ruim para o país, o grão-tucano Fernando Henrique Cardoso instilou numa entrevista de tevêintriga capaz de afastá-los de vez. Dilma é “pessoalmente honrada'', disse FHC no Roda Viva. E quanto a Lula? Bem, aí “tem que esperar para ver”. Para Lula, pior que o ferrão das abelhas, só mesmo o bico irônico de um tucano.

Nunca antes na sua história pessoal Lula passara um aniversário tão amargurado. Paga o preço do poder desmedido. Entre inúmeras desvantagens, a reeleição proporciona a vantagem de, em tese, satisfazer todos os apetites de seus beneficiários. Mas Lula não se contenta com tudo. Convive com o sentimento de que faltou completar algo. E se joga em maquinações e pequenezas numa idade em que deveria pautar-se pela serenidade e grandeza.

A irritação não é boa conselheira para Lula. Se as investigações avançam na sua direção e de seus familiares é porque os investigadores encontraram matéria-prima. Num cenário assim, os ataques a Dilma e a encomenda do escalpo do ministro José Eduardo Cardoso (Justiça) adiantam pouco. Melhor caprichar na defesa. Quanto mais Lula fica fora de si, mais expõe o que tem por dentro.

 

Fonte: Folha de S. Paulo + UOL

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