"Salve-se quem puder", "BC impotente", "Visão completa", "Recordar é viver", e "Dilma assassinou a retórica de Lula"
Salve-se quem puder
POR FERREIRA GULLAR
Quase todo mundo está de acordo que a situação do governo da presidente Dilma Rousseff é insustentável, mas ninguém consegue antever quando e como será o desfecho desse impasse.
Um dado, porém, é indiscutível: a situação se agrava a cada dia, tanto no plano político quanto no econômico, e esse fato, por sua vez, parece indicar que a hegemonia política do PT está chegando ao fim.
Isso só não vê quem não quer, uma vez que, a partir do mensalão –quando alguns dos principais dirigentes do partido foram condenados pelo Supremo Tribunal Federal por corrupção– a imagem do partido, já comprometida, desencantou muita gente. Como se não bastasse isso, viria em seguida a Operação Lava Jato, para revelar ao país o escândalo das propinas que montam a bilhões de reais e constituem um exemplo raro de corrupção em plano nacional e internacional.
Do mensalão, Lula conseguiu se safar, embora fosse o principal responsável por ele. Da Lava Jato, porém, não escapará tão facilmente, conforme indicam as últimas delações de Fernando Baiano, que confessou ter entregado R$ 2 milhões em dinheiro vivo para beneficiar uma nora de Lula. O que irá acontecer com Lula não posso adivinhar, mas que não sairá incólume dessa enrascada, certamente não sairá.
E ele sabe disso, tanto que, ultimamente, dá plantão em Brasília, a conversar com Deus e o diabo, até mesmo com Eduardo Cunha, que de santo não tem nada. Conversa com deputados de todos os partidos, com senadores e com a própria presidente Dilma, que parece não ouvir direito o que ele diz.
Tudo isso porque é mesmo grande a encrenca em que estão metidos. Dilma, a conselho dele –quando ainda o ouvia– promoveu uma reforma ministerial que resultou em desastre. Ao invés de, com isso, conquistar a maioria dos deputados federais, como era seu objetivo, perdeu-a, surpreendendo todo mundo, até mesmo muitos de seus opositores.
Mas a coisa tem lá a sua lógica, já que a tal reforma ministerial foi, na verdade, um jogo de toma lá dá cá, no qual o grande agraciado foi o PMDB, que saiu dele com sete ministérios.
Acreditavam Dilma e Lula que, com isso, ganhariam a parada, afastando, inclusive, o fantasma do impeachment. Mas os deputados do baixo claro –por não terem ganho nenhuma fatia do bolo– se juntaram e mudaram o jogo. O governo foi sucessivamente derrotado na tentativa de votar os vetos de Dilma, decisivos para o equilíbrio financeiro do país.
Por outro lado, tampouco consegue o governo aprovar as medidas fundamentais para realizar o ajuste fiscal. E por que não? A razão é simples: não o consegue porque as medidas necessárias para esse ajuste contrariam os interesses dos partidos que apoiam o governo e, mais ainda, os interesses do próprio PT.
Em face disso, só há uma conclusão a tirar: se correr o bicho pega, se ficar o bicho come. Tanto é assim que o próprio Lula, inventor de Dilma, opina agora contra o ajuste fiscal que ela defende por saber que, sem ele, o país não sairá da crise.
Por isso mesmo, fiquei surpreso ao ouvir da boca do Lula que a Dilma está aplicando, em seu governo, o programa de Aécio Neves, o candidato da oposição derrotado nas últimas eleições presidenciais. Por que Lula diz isso, já que burro ele não é, e tampouco é maluco?
Como todo mundo, ele sabe muito bem que, sem o ajuste fiscal, não há como sair da crise, e sabe também que, sem o empenho dele e do seu partido, as medidas necessárias para superá-la jamais serão aprovadas pelos parlamentares.
A resposta é obvia: Lula diz isso para que a massa eleitoral do PT ainda o veja como seu defensor e futuro candidato à Presidência do país. Sim, porque, se isso não acontecer, aí mesmo é que o PT acaba.
Tanto é verdade que, em seguida, Rui Falcão, presidente do partido, sugeriu a saída de Joaquim Levy, ministro da Fazenda. Dilma reagiu, afirmando que Levy fica e que a política econômica será mantida. Era uma resposta a Lula, que ou cala a boca, ou passa para a oposição. É uma encrenca sem tamanho. Não queria estar na pele deles.
BC impotente, EDITORIAL DA FOLHA
A atividade econômica segue piorando no Brasil. Prognósticos para o resultado do PIB se aproximam de -3% em 2015. Para 2016, alguns já preveem -2%.
São números que apontam para uma das piores recessões das últimas décadas, mas seu custo pode ser ainda mais grave e duradouro. Decisões estratégicas de longo prazo começam a ser influenciadas por percepções muito negativas de que o país teria entrado em rota inexorável de deterioração.
Muitos se surpreendem quando digo esperar a volta de crescimento em alguns anos, por exemplo. Nesse clima de catástrofe definitiva, esquecem que esse não é o fim do mundo e que a economia brasileira, apesar da gravidade dos problemas, está muito mais forte do que 20 anos atrás, por exemplo.
O Banco Central tomou a decisão correta ao manter nesta semana a taxa básica de juros da economia (Selic) em 14,25% e abandonar o compromisso de levar a inflação para a meta de 4,5% em 2016.
Forçar a redução nesse prazo exigiria um arrocho ainda maior na política monetária, o que aprofundaria a recessão. O novo objetivo é postergar a meta para algum momento de 2017.
O problema do BC é que sua estratégia foi atropelada pela piora do cenário econômico a partir de agosto, quando o governo reconheceu que não atingiria as metas de poupança no Orçamento.
Até então havia a razoável expectativa de que a alta de 10% no IPCA neste ano, ocasionada sobretudo por aumentos em preços controlados pelo governo, seria transitória e perderia força em 2016.
A recessão faria o restante do trabalho de aproximar a inflação da meta sem novos aumentos de juros. Com alguma sorte, parecia possível até pensar em cortes na Selic, o que ajudaria a consolidar uma retomada de confiança em prazo não muito longo.
Essa possibilidade terminou abortada pelo aumento da incerteza quanto às contas públicas, que levou ao rebaixamento da nota de crédito do país e fez o dólar disparar quase 30% no terceiro trimestre. Com o real desvalorizado, os produtos importados ficam mais caros, aumentando a pressão de repasse para os preços internos.
As expectativas de inflação para 2016 responderam a essas influências e subiram de 5,4% no final de julho para 6,1% nesta semana. Dada a penúria dos cofres federais, não se descartam novos aumentos nos combustíveis e mais impostos inflacionários, como CPMF e Cide.
Enquanto isso, a inflação permanece alta, sem sinais claros de que a retração do consumo esteja contendo aumentos -os preços dos serviços, por exemplo, continuam subindo 8% ao ano, prova de que a cultura da indexação resiste.
Ou seja, a perturbação financeira, ao menos por ora, tem-se mostrado mais forte que a recessão na determinação dos preços.
Esse, no fundo, é o drama atual. A falta de perspectiva de estabilização da dívida pública, se persistir, continuará a minar a confiança e acentuar a fuga de ativos. É concebível que a pressão inflacionária ocasionada pelo real mais fraco e pelo descrédito do governo aumente ainda mais, mesmo com o PIB em queda.
O BC tem pouco a fazer no momento. Subir ainda mais os juros para compensar o impacto do câmbio poderia acentuar a recessão e encarecer o já estratosférico custo da dívida, num círculo vicioso.
Essa relativa impotência do Banco Central é preocupante, mas ainda está longe de ser definitiva. Os caminhos estão abertos -e dependem da disposição do governo de arrumar suas próprias contas.
Visão completa
POR HENRIQUE MEIRELLES
O mercado de consumo hoje oferece escala de produção e já é comparável ao de grandes países europeus como França e Itália. O investimento das corporações globais se tornou estratégico. Não somos mais o país no qual faziam investimentos "oportunistas", que entravam e saíam conforme a perspectiva de três anos.
As subsidiárias das multinacionais aqui são enormes e importantes para sua posição global. Nesse contexto, as empresas, nacionais e estrangeiras, voltarão em momento oportuno a elevar investimentos.
Já a forte desvalorização do real, apesar dos problemas que causa, reabriu o mercado internacional a muitos segmentos industriais brasileiros, antes excluídos por perda de competitividade.
É evidente que o câmbio não resolve o problema no longo prazo. Para o país voltar a progredir, é fundamental fazer as reformas que elevem o nível de produtividade e competitividade.
Mas, em meio a tanto pessimismo, é preciso ver não só os enormes problemas como as enormes forças do país, entre elas: a solidez das instituições, muito superior a dos emergentes, com Judiciário independente, imprensa livre, eleições democráticas (gostemos ou não do resultado, que pode sempre ser alterado em eleições seguintes), o amadurecimento crescente da população ao demandar, como mostram as pesquisas, inflação baixa e controlada e maior qualidade de serviços públicos e privados; a dimensão do mercado interno; as reservas internacionais de mais de US$ 370 bilhões; a melhora substancial de nossa conta corrente com o exterior prevista para os próximos anos graças ao aumento do saldo comercial.
Não se pode subestimar a crise gravíssima, que deve ser enfrentada de forma vigorosa com um ajuste fiscal completo e reformas pró-crescimento, mas é preciso evitar atitudes de fim de mundo. Elas podem levar a decisões na vida
pessoal ou empresarial que, aí sim, comprometerão de forma duradoura o futuro do país.
Recordar é viver: Dilma 2014
POR VINICIUS TORRES FREIRE
Nas semanas que antecederam o segundo turno da eleição de 2014, havia uma brisa forte de otimismo no Brasil, apesar do clima político odiento, do noticiário crescente da roubança na Petrobras e do declínio econômico perceptível.
Os humores melhoravam desde o início da campanha eleitoral, em meados do ano. O primeiro semestre fora de exasperações: protestos de rua, contra a Copa, contra tudo, incêndios de ônibus, greves de polícias, rolezinhos (lembra?). O desânimo econômico medido pelo Datafolha chegava a níveis vistos apenas nos piores dias de FHC.
Em junho, 64% dos eleitores achavam que a inflação subiria. Um mês antes da eleição, ainda eram 50%. Na semana do segundo turno, apenas 31%.
Em junho, eram 48% os que acreditavam em alta do desemprego; à beira da eleição, 26%. No caso da situação do país, seria pior para 36% em junho. Em outubro, 15%. Entende-se, pois, a explosão de pessimismo inédito em janeiro, exposta a traição do estelionato eleitoral; tais humores não vão escoar tão cedo.
Recordar o logro é viver, vide os trechos do artigo publicado pela presidente-candidata nesta Folha, no dia da eleição. A reeleição faz um ano amanhã.
"Diante da crise, ao contrário do que acontecia no passado, mantivemos o emprego e a renda. Hoje, enquanto boa parte do mundo desemprega e reduz salários e direitos, o Brasil tem a menor taxa de desemprego da sua história (4,9%) e continua a avançar na redução da pobreza e das desigualdades."
O desemprego está em 7,6%. Deve chegar a 10% no fim de 2016. Não há dados suficientes para saber o que será da pobreza e da desigualdade neste ano. Em agosto, a renda do trabalho caía 4,3% nas seis maiores metrópoles, ante o ano passado.
"Tudo isso foi acompanhado de um importante equilíbrio macroeconômico. Em meu governo, a inflação se manteve dentro do regime de metas. Governamos com responsabilidade fiscal...".
O desequilíbrio macroeconômico é muito grave. Mesmo com uma recessão estimada em 3% para este ano, a inflação deve chegar a 10%, acima do limite superior de tolerância de descumprimento da meta, de 6,5%. As estimativas para 2016 se aproximam outra vez desse limite.
A dívida do governo cresce sem limite. O deficit nominal, o excesso de gastos do governo, se aproxima de 10% do PIB, o maior em duas décadas.
"Mas a grande prioridade estratégica do meu governo é e será a educação. Ela é fundamental para assegurar a competitividade do país e a continuidade dos processos de distribuição da renda."
Além de cortar despesas em educação, nenhum programa foi lançado. Ainda não se sabe na prática (nem em teoria) o que Dilma quis promover com "Pátria Educadora".
"...Implementamos o maior programa de ensino técnico da nossa história: o Pronatec... abrimos as portas das universidades para os mais precisavam, com o Prouni, o Reuni, as cotas, o Fies e o programa Ciência Sem Fronteiras. Este é um país que tem muito mais futuro."
Os programas de subsídios à educação estão sendo drasticamente reduzidos, pois seus gastos cresceram de modo descontrolado, como reconheceu o próprio governo. "Vou dar absoluta prioridade à reforma política." Sem mais.
Primeiro passo
POR ANDRÉ SINGER
A entrevista do presidente do PT, Rui Falcão, à Folha (18/10), significou importante movimento no sentido de reposicionar o partido em meio à mais grave crise de sua história e, também, requalificar a relação com a Presidência da República. Ao defender mudanças na economia, o ex-deputado permite que a legenda volte a habitar o campo da esquerda, fazendo o necessário contraponto às teses em favor de mais cortes e recessão. Sem afrontar Dilma, mostrou que a agremiação tem vida própria e precisa ser ouvida.
Se não houver oposição consistente ao austericídio, a política brasileira ficará manca. A ideologia, os interesses e mesmo os argumentos que sustentam a necessidade de dar prioridade absoluta ao problema fiscal são respeitáveis, embora eu discorde.
A visão conservadora de que é preciso rever o sistema previdenciário e os direitos garantidos na Constituição para debelar o rombo das contas deve ser debatida com racionalidade. Mas não pode virar, por decreto, pensamento único. Na realidade, não só há quem raciocine diferente, como três quartos da sociedade (ao menos) ficam objetivamente excluídos desse horizonte neoliberal.
Reduzir os juros e incentivar o consumo por meio do crédito, propostos por Falcão, permitiriam ao governo começar a sair da armadilha em que se meteu, arrastando junto o país. Só a reativação da atividade econômica e a diminuição dos juros que o Tesouro precisa honrar podem interromper o processo atual antes que uma débâcle social generalizada se abata sobre a população.
A manutenção do desemprego em 7,6% pelo segundo mês seguido (agosto e setembro) talvez indique que a primeira onda recessiva, embora tenha ceifado quase 600 mil postos de trabalho até agosto, ainda não destruiu todo o colchão de melhorias da última década. Mas se Dilma for levada, na atual discussão sobre o orçamento de 2016, a continuar no "corta corta", o pior virá.
Infelizmente, para os petistas, o reposicionamento da agremiação ainda precisa enfrentar um óbice tão ou mais complicado que desatar o nó econômico: o problema ético. As acusações que emanam da Lava Jato não podem continuar sem resposta. O PT deveria constituir uma comissão pública especial para acompanhar e esclarecer o assunto.
Se as ilações, delações e condenações são falsas, cabe demonstrá-lo perante o tribunal da opinião pública.
Se algo do que tem aparecido possui fundo de verdade, cumpre indicar o que os organismos partidários estão fazendo a respeito, por mais difícil que seja. Pior é carregar a pecha de estar envolvido com o desvio de R$ 6 bilhões –prejuízo contabilizado pela Petrobras– e não fazer nada.
Dilma assassinou a retórica do seu mentor Lula, POR JOSIAS DE SOUZA (do UOL)
Nelson Rodrigues dizia que a morte é anterior a si mesma. Começa antes, muito antes da emissão do atestado de óbito. É todo um lento, suave, maravilhoso processo. O sujeito já começou a morrer e não sabe. Deu-se algo parecido com a retórica de Lula. O morubixaba do PT ainda não se deu conta, mas sua retórica já morreu e, suprema desgraça, não foi para o céu. No momento, exerce a prerrogativa de escolher seu próprio caminho para o inferno.
Não foi uma morte natural. Ironicamente, a oratória de Lula foi assassinada pelo mito gerencial que ajudou a colocar no Palácio do Planalto. Matou-a, num processo lento e cruel, a ineficácia crônica de Dilma. Sem assunto, Lula perambula pelo país esgrimindo um discurso desconexo, que ofende a inteligência de quem ouve.
Lula já não dispõe da alternativa de atacar a herança maldita de FHC. Graças ao poder longevo, o PT agora lida com seu próprio legado. Enquanto conseguiu maquiar a gastança, Dilma manteve as aparências. Mas agora a irresponsabilidade fiscal apresenta a conta. Potencializada pelas 'pedaladas', a irresponsabilidade foi levada às fronteiras do paroxismo. Até o TCU notou.
Numa evidência de que a placa do seu cérebro ferveu, Lula pede o escalpo de Joaquim Levy em privado e apregoa a retomada do crescimento econômico em público. Finge não ver que os erros na economia são de madame e que o conserto do estrago vai tomar tempo, pelo menos dois anos —ao longo dos quais a inflação e o desemprego, ambos a caminho dos dois dígitos, transformarão Lula em cúmplice de uma ruína anunciada.
No momento, Lula promove um ciclo de encontros sobre educação. Treze anos depois da chegada do PT ao poder federal, ele trombeteia a perspectiva de destinação gradual de 10% do PIB e 75% dos royalties do pré-sal para a educação. Faz isso num instante em que o PIB derrete em meio a uma recessão a pino. E o triunfalismo do pré-sal dá lugar às lamúrias sobre a breca de uma Petrobras saqueada pela quadrilha de assaltantes-companheiros.
Com a morte de sua retórica, Lula tornou-se um orador desconexo. Enfia Lava Jato em todos os seus discursos. Até bem pouco, jactava-se de ter honrado a independência do Ministério Público e proporcionado autonomia operacional à Polícia Federal. Agora, num instante em que seu nome salta dos lábios dos delatores como pulgas no dorso de vira-latas, Lula critica a investigação e enxerga “quase um Estado de exceção” onde só existe uma democracia tentando conter seus usurpadores. Num rasgo de cinismo, Lula comparou os delatados do PT a Jesus Cristo, que teve de fugir de Herodes ao nascer e foi morto na cruz.
Dias atrás, Lula declarou que não gostaria de se candidatar novamente à Presidência em 2018. Talvez os fatos venham a confirmar a sensação de que o cabeça do PT está sendo delicado demais consigo mesmo. Depois que sua retórica foi assassinada por seu poste, Lula ganhou a aparência de um cadáver político na fila, esperando para acontecer.
Lula compara petistas delatados a Jesus Cristo
Em discurso feito na noite desta sexta-feira, em Salvador, Lula afirmou que o PT e os petistas sofrem um “processo de criminalização.” Queixou-se do que chamou de “vazamentos seletivos” de informações colecionadas pela força-tarefa da Operação Lava Jato. E construiu uma inusitada analogia entre o Brasil do petrolão e a Judeia do tempo de Jesus Cristo.
Sem citar nomes, Lula comparou os responsáveis pelos vazamentos a Herodes, aquele rei da Judeia que, ao receber a notícia de que o Messias viera ao mundo, ordenou aos seus guardas que matassem todos os meninos com menos de dois anos que encontrassem na cidade de Belém. Nessa versão bíblica do petrolão, os petistas fazem o papel de Cristo, que é cruficicado no final.
O áudio do discurso de Lula está disponível no rodapé do post. O trecho em que o morubixaba do PT enfia Jesus no enredo do maior escândalo da história da República começa aos 23min45s do pronunciamento. Eis o que disse Lula:
“…Desde dezembro eu denunciei que o PT precisava tomar cuidado porque há um processo de criminalização do partido. Há um processo de criminalização do PT e dos petistas. Aí eu denunciei o vazamento seletivo. Na quinta-feira, começa o boato de alguém do PT. Na sexta, sai que alguém delatou o PT. No sábado, sai nas revistas e nos jornais. […] Isso é desde 2005. É um processo.”
Lula acrescentou: “Eu lembro quando Herodes mandou marcar todas as crianças. E Maria e José tiveram que fugir com Jesus Cristo. Ele ficou 30 anos que a gente não sabe o que aconteceu na vida dele. Quando ele voltou, em três anos transformou a história da humanidade. E o que fizeram com ele? Crucificaram.”
Lula discursou num evento partidário sobre educação. Ouviram-no políticos do PT baiano e militantes do partido, da CUT e de movimentos sociais. O orador foi aplaudido ao criticar as delações da Lava Jato.
“Queria que vocês ficassem atentos, porque nós estamos vivendo um momento excepcional”, disse Lula à plateia. “Um cidadão é preso, esse cidadão tem a promessa de ser solto se ele delatar alguém. Aí ele passa a delatar até a mãe se for o caso, para poder sair da cadeia. O dado concreto é que nós estamos vivendo quase um Estado de exceção.”
No mundo paralelo que criou para si mesmo, Lula confunde o Estado democrático de direito com um regime de exceção. Por ironia, o instituto da delação premiada consta de uma lei sancionada por Dilma Rousseff, sua afilhada política. Os depoimentos dos delatores são colhidos pela Polícia Federal do governo petista e pelo Ministério Público Federal. Para ter validade, precisam ser homologados pelo Judiciário.
Na Lava Jato, cabe ao juiz Sérgio Moro, do Paraná, avalizar as delações contra corruptos sem mandato. Não há notícia de homologação feita por Moro que tenha sido revista pelas instâncias superiores do Judiciário. Quando os suspeitos de corrupção têm mandato ou integram o primeiro escalão do governo, cabe ao ministro Teori Zavascki referendar as delações. Teori foi guindado ao Supremo graças a uma indicação de Dilma.
Lula tem milhões de motivos para implicar com as delações. Seu próprio nome começa a soar nos lábios de delatores com frequência inquietante. Já vincularam as propinas da Petrobras ao caixa de sua campanha de 2006 e até a um suposto repasse milionário feito a uma de suas noras. Outros petistas delatados não têm uma aparência, digamos, celestial. Foram recolhidos aos cárceres paranaenses, por exemplo, dois velhos conhecidos de Lula: o grão-petista José Dirceu e o ex-tesoureiro João Vaccari Neto.
Lula revelou-se incomodado com a constatação de que parte das propinas extraídas da Petrboras foram lavadas pelo PT no TSE como doações legais. Ele insinua que, nessa matéria, seu partido não fez senão o que todos fazem.
“Eu, de vez em quando, fico muito puto quando vejo corrupto histórico falando de ética. Obviametne que nós achamos que quem errar nesse país tem que pagar. Não defendemos quem pratica corrupção, não. Mas às vezes eu fico irritado porque parece que os empresários tinham dois cofres. Tinha o cofre do dinheiro bom e o cofre do dinheiro ruim.”
Lula prosseguiu: “Parece que o PT só ia no dinheiro ruim. O bom era para o PSDB, era para os outros partidos políticos. É uma coisa insana. Será que os petistas eram tão burros assim? Ou será que o empresários falava assim para os petistas: ‘olha, esse dinheiro aqui é propina. Esse aqui é honesto, qual é o que você quer?’.”
Para que Lula fizesse algum nexo, seria necessário que explicasse porque nomeou para as diretorias da Petrobras personagens apadrinhados por partidos com o propósito de assaltar a Petrobras. Mas não se deve esperar muito de Lula. Primeiro porque ele “não sabia” de nada. Segundo porque acha que não deve nada a ninguém. Muito menos explicações.
Sob Lula, Dilma presidiu o Conselho de Administração da Petrobras. Nessa função, conviveu com a diretoria propineira da estatal. Mas também não sabia de nada. Só no segundo ano do primeiro mandato de Dilma os diretores indicados por partidos deixaram os seus postos. Hoje, Dilma costuma dizer que foram mandados para o olho da rua. Mas na época a Petrobras informou que diretores como Paulo Roberto Costa e Renato Duque saíram da companhia “por conta própria”, levando cartas com rasgados elogios do conselho então comandato por Dilma.
A despeito de tudo isso, Lula avalia que Dilma não merece as críticas que vem recebendo da oposição pró-impeachment. Para ele, a presidente apanha por ser mulher. “O que eles fazem com a Dilma é uma coisa nojenta, porque é o preconceito contra a mulher”, disse. “Esses machistas, essas pessoas que só enxergam a mulher como objeto de cama e mesa, esses machistas…”
(POR JOSIAS DE SOUZA, do UOL)