Na FOLHA: Chantagens, reféns, desanimo geral... Está claro ou precisa desenhar?

Publicado em 22/10/2015 07:49
Na Folha de S. Paulo

Está claro ou precisa desenhar?, por FERNANDO CANZIAN

A luta pela sobrevivência de Dilma Rousseff e Eduardo Cunha está arruinando o país.

Desonestos, cada um ao seu estilo, a presidente pior avaliada e o deputado mentiroso desviaram a atenção do essencial: o país precisa parar de piorar. E rápido.

Mas todo capital político e energia que ainda lhes restam estão voltados para que se mantenham nos cargos e para evitar punições pelas malandragens aqui e na Suíça.

O quadro publicado acima é assustador. Os brasileiros foram às ruas protestar em março e agosto. Nada aconteceu. A piora só acelerou. Agora estamos em outubro, ainda mais deteriorados.

Não existe nenhuma hipótese, é preciso dizer, de o país se estabilizar e voltar a crescer sem que o palavrão do ajuste fiscal seja colocado em prática.

Sem isso, podemos esperar anos e anos de estagnação, desemprego e miséria.

A conta é simples: a dívida bruta do país é calculada como proporção do PIB. Quando o PIB cai ou não evolui e os gastos crescem, a dívida aumenta. Ela deve fechar o ano equivalendo 66% do PIB, poderá ir a 69% no próximo ano e a 71% em 2017.

Os selos de bom pagador do país que ainda restam irão embora muito antes disso, transformando o Brasil em um pária no ambiente financeiro internacional.

Com consequências dramáticas para empresas que devem em dólar, para a inflação e o PIB. O que só reforçará o círculo negativo.

A economia de mais de R$ 66 bilhões que o governo prometia em março para controlar a dívida pública neste ano evaporou e deve virar um rombo de R$ 50 bilhões. Isso apesar de cortes fortes. E o ano que vem?

É evidente que não vamos sair dessa sem novos aumentos de receita, via impostos. Mas como engolir isso com Dilma e Cunha na área?

Daí o impasse desse abraço de afogados.

Com a energia política desviada para sua sobrevivência, todas as Propostas de Emenda Constitucional, projetos de lei e medidas provisórias de Dilma que visam o ajuste fiscal estão paradas no Congresso. Consequência das chantagens de Cunha.

As mais importantes são a chamada DRU, que desvincula o destino de 30% da arrecadação federal (o que deixaria o governo livre para cortar ou dirigir gastos a outras áreas) e a CPMF, que garantiria uma arrecadação extra de R$ 42 bilhões.

De novo, quem daria o cheque em branco da CPMF e mesmo as facilidades da DRU para Dilma neste momento?

Mesmo isso só resolve o problema no curto e médio prazos. Pois existem bombas-relógio imensas mais à frente, como os gastos da Previdência, que já consomem 12% do PIB e não param de crescer.

Dilma e Cunha não têm mais como resolver essa questão.

*

Um dos maiores especialistas em contas públicas do país, Raul Velloso, aventa uma hipótese: Dilma precisa sair e deixar o comando a Michel Temer e a um novo ministro da Fazenda com trânsito junto ao vice-presidente e no Congresso. Que tenha uma visão macro da política e da economia. Sua sugestão é o tucano José Serra.

Ele faz uma analogia com o passado:

Fernando Collor chamou o conservador Marcílio Marques Moreira para a Fazenda a fim de tentar salvar seu governo. Não adiantou. O problema não era o ministro, mas o presidente.

Collor caiu. Entrou Itamar Franco, que chamou FHC para a Fazenda.

Dilma chamou o conservador Joaquim Levy para tentar salvar seu governo. O problema, de novo, não é o ministro. É a presidente.

Dilma pode cair. Entra Temer e chama Serra.

Editoria de Arte/Folhapress  

 

Corte no Bolsa Família: Um bode no Orçamento, por Bernardo Mello Franco

BRASÍLIA - Num passado não muito remoto, o PSDB apostou nas críticas ao Bolsa Família, principal vitrine social dos governos do PT. Em 2006, o então senador Arthur Virgílio definiu o programa como uma "esmola eleitoreira". Em 2011, seu colega Alvaro Dias declarou que ele "não tira ninguém da miséria" e ainda "estimula a preguiça".

Com o tempo, os tucanos perceberam que o discurso elitista tirava votos. Passaram, então, a elogiar o programa. Em campanha ao Planalto, José Serra prometeu criar o 13º do Bolsa Família. Aécio Neves disse que reajustaria o benefício básico para US$ 1,25 por dia. Se tivesse vencido a eleição, estaria com uma bomba no colo. Pelo dólar de ontem, precisaria desembolsar R$ 147,75 por família. Hoje o valor mínimo está em R$ 77.

Nesta semana, o relator do Orçamento de 2015, Ricardo Barros (PP-PR), lançou uma ideia que empolgaria o velho PSDB. Ele sugeriu um corte de R$ 10 bilhões no Bolsa Família, o equivalente a 35% da verba do programa. "Precisamos ser racionais, e não agir com emoção", justificou.

Apesar do apelo, a proposta gerou uma reação emocionada do Planalto. A presidente Dilma Rousseff afirmou que "cortar o Bolsa Família significa atentar contra 50 milhões de brasileiros". "Não podemos permitir que isso aconteça", acrescentou ela.

A eventual mutilação do programa, cuja eficácia é reconhecida pela ONU, seria mortal para a presidente e para o futuro do projeto petista. Afinal, manter o Bolsa Família é uma das últimas promessas de campanha que Dilma ainda não descumpriu.

Por outro lado, o efeito do corte sobre os mais pobres seria tão dramático que a chance de o Congresso aprová-lo parece próxima de zero. Como o relator do Orçamento é um dos vice-líderes do governo, não seria exagero imaginar que a ideia seja um típico caso de "bode na sala". Em nome de retirá-lo, o Planalto ganharia um novo argumento para convencer os parlamentares a aceitarem o que Dilma mais quer: recriar a CPMF.

 

Bestializados e reféns, por VINICIUS TORRES FREIRE

O país parece "bestializado, atônito" e mesmo surpreso com o tamanho do descaramento, do cinismo, da roubança e com o descaso terminal da "elite política" com a ideia de manter mesmo a aparência de espírito público.

Além do tumulto sórdido de Brasília, parece que sobreveio uma apatia silenciosa, um embotamento desesperançado de quem está sequestrado, amarrado e impotente. O país está quieto, como que pasmo com a infâmia.

O eleitorado, na maioria de dois terços, quer ver o governo pelas costas. No entanto, apesar da mistura comum de raiva e torpor, está dividido, por vezes de forma odienta, a respeito da política maior, do que fazer com os rumos sociais e econômicos.

Por ora, o povo ("nós, o povo") projeta apenas na elite política detestada a causa de problemas que na verdade refletem divisões profundas do que fazer de políticas e fundos públicos. Caso o que temos como elite política fosse abduzida para os infernos, o que seria decerto útil, os problemas no entanto ainda estariam aí, a começar pelo que fazer do Estado, da divisão dos dinheiros públicos, das normas que regulam a economia.

Essa classe política, raramente tão desclassificada mesmo neste país, não é capaz de dar conta da administração mais comezinha, que dirá de representar e dar sentido a essas divisões.

O buraco é muito mais profundo e sujo. A oposição reafirmou ontem seu acordo tácito com o presidente da Câmara dos Deputados, que continua a nos insultar com a sua presença na vida pública; o governo por ora faz uma espécie de pacto de não agressão provisório com esse tipo.

A ruína econômica prossegue sem limite. O comentário econômico diário parece um tanto risível e repetitivo, limitado pelas idas e vindas do terceiro lado do triângulo das Bermudas do nosso naufrágio, o PMDB.

O PMDB (facção governista) fazia ontem um arranjo para postergar o julgamento das contas de Dilma Rousseff, a contragosto de outra facção, que quereria manter também o Congresso em que o partido abandonaria a presidente, isso antes do escambo mefítico de ministérios. Essa dança dos vampiros gente empaca o impeachment, e todo o resto.

De que adiantam tais detalhes? O triângulo odioso da nossa desgraça (governo, oposição, PMDB) está alheado da realidade, ensimesmado na sua pequenez, para dizer o mínimo. Vivemos assim uma vez, mais ou menos de 1987 a 1990. Mas o povo, então mais desinformado, era iludido com o circo de planos econômicos; se fazia uma Constituição nova, haveria eleições com "outsiders" e aparentes novidades, em 1989. Onde estão as válvulas de escape de agora?

"O povo assistiu àquilo bestializado, atônito, surpreso, sem conhecer o que significava". A frase surradíssima é a de Aristides Lobo, publicada em artigo de jornal de 18 de novembro de 1889 a respeito do desfile militar que três dias antes proclamara a República. Gasta como seja, vez e outra vem a calhar, de modo sinistro.

Apesar da observação sobre a reação estupidificada que o povo da rua do Rio observara a queda inopinada do Império, Lobo era ainda otimista no artigo (mas seria ministro do governo militar por apenas dois meses, depois deputado e senador).

Não é o caso de agora. 

 

Silêncio premiado, por ROGÉRIO GENTILE

SÃO PAULO - O relator da CPI da Petrobras, Luiz Sérgio (PT-RJ), sempre gostou de atuar como bombeiro, defendendo os fracos e oprimidos políticos suspeitos de corrupção ou de desvio de verba pública.

Em 2005, o deputado foi da tropa de choque que trabalhou contra a cassação de José Dirceu no mensalão. Era um dos que tratavam o ex-ministro da Casa Civil como "guerreiro do povo brasileiro".

Em 2008, o petista isentou em outra CPI os ministros de Lula acusados de irregularidades no uso dos cartões corporativos. Argumentou que os cartões foram utilizados para pagamento de despesas pessoais, entre as quais compras em free shop, "por engano".

Em 2010, diante acusação de que um ministro pagou uma festa em um motel com verba pública, Luiz Sérgio declarou, sem nenhum tipo de constrangimento, que "dormir em motel não significa fazer amor".

Agora, apesar de tudo o que já foi revelado pela Operação Lava Jato, conseguiu a proeza de, ao final do seu longo relatório de 754 páginas, não pedir o indiciamento de nenhum político no escândalo da Petrobras.

Isentou até mesmo Eduardo Cunha (PMDB), a despeito de o procurador-geral da República, Rodrigo Janot, ter enviado documento à Câmara mostrando que Cunha mentiu à CPI ao afirmar que não tinha contas no exterior.

O maior incêndio que ele pretende apagar, no entanto, é o da delação premiada. Em seu relatório, Luiz Sérgio propôs a criação de uma comissão na Câmara para rever a legislação que estabeleceu o mecanismo, sem o qual a Operação Lava Jato já teria sido enterrada há muito tempo.

Fez tantas objeções à lei da delação premiada que, na prática, se fossem levadas em conta, seria melhor substituí-la por uma formulação mais simples, segundo a qual o benefício da redução da pena passaria a valer apenas para o criminoso que, em hipótese alguma, aceite abrir o bico.

 

Esperança já, por RICARDO VIVEIROS

"Hoje as pessoas já não respeitam nada. Antes, colocávamos em um pedestal a virtude, a honra, a verdade e a lei. A corrupção campeia na vida destes dias. Quando não se obedece outra lei, a corrupção é a única lei. A corrupção está minando este país. A virtude, a honra e a lei se transformaram em fumaça e desapareceram de nossas vidas."

Palavras de Alphonse Gabriel "Al" Capone, o Al Capone, contrabandista e vendedor de bebidas durante a Lei Seca, nos Estados Unidos. Também matou muitas pessoas. Foi preso por sonegação fiscal dias depois da entrevista à revista "Liberty", de outubro de 1931.

Neste momento do Brasil, a reflexão do gângster gera questionamentos: o que busca o povo brasileiro quando vai às ruas em plena democracia? Que desejam jovens, adultos e idosos com diferentes mensagens, gritando antigas e novas palavras de ordem?

Os brasileiros estão cansados de problemas crônicos: saúde, educação, desemprego. A roubalheira ao longo de décadas teve, no petrolão, a gota d'água. Transbordou com a crise política, econômica, social e, acima de tudo, moral.

Não há mais espaço para discurso vazio, promessa não cumprida, corrupção, desmando e incompetência. Muito menos para delatores ou não, criminosos que cometeram absurdos contra o povo.

Como Al Capone, ao falar deles mesmos, tentam nos enganar outra vez, posando como "heróis da pátria". Com falso arrependimento, prometem devolver o que roubaram e entregar comparsas. Não enganam ninguém. Queremos mudanças para valer, reformas estruturais que garantam inalienáveis direitos.

Mais sintomático do que o povo nas ruas, em legítimo ato de cidadania, são as pessoas que se revoltam caladas nas casas, nas fábricas e nas universidades. A desesperança é muito perigosa.

Em tempos em que o povo retorna às ruas para exigir honestidade, lembro-me de um cidadão brasileiro, morto há 13 anos (ironicamente o número do partido que ajudou a criar): Carlito Maia. Publicitário brilhante, jornalista irreverente, responsável agitador e o melhor amigo de qualquer um. Suave e forte. Apaixonado convicto, solidário e bem-humorado, integrou o seleto grupo dos seres em extinção.

Carlito veio ao mundo a passeio, não em viagem de negócios –como dizia de si mesmo. Foi o único sonhador realista que conheci. Transbordando ternura, mas também repleto de coragem, era capaz de derrubar montanhas para que elas não fossem a Maomé, só para o profeta não se acomodar.

Nestes tempos bicudos, com tantas revelações de corrupção, imagino a decepção de Carlito. Ele que preconizou: "A esquerda, quando começa a contar dinheiro, vira direita". Ao ver o povo protestando contra os (des)governos nos três níveis, sinto saudade de suas frases, flores e cartões escritos com canetas bicolores, configurando sua comunicação criativa e emocionada que faz refletir, querer e transformar.

Meu velho, você estava certo: "Nós não precisamos de muita coisa. Só precisamos uns dos outros". Sem perder a esperança, mantendo a determinação de lutar por nossos direitos, podemos com mais educação e cultura mudar o Brasil pelo voto consciente e responsável.

RICARDO VIVEIROS, 65, jornalista e escritor, é autor de "A Vila que Descobriu o Brasil" (Geração Editorial), entre outros, e presidente da empresa de comunicação Ricardo Viveiros & Associados

 

Aliados de Lula reprovam frase de Dilma Rousseff sobre corrupção (na coluna PAINEL)

Abalo sísmico Pegou muito mal no Instituto Lula o bate-boca de Dilma Rousseff com o chefe da Câmara, Eduardo Cunha (PMDB-RJ). Para interlocutores do petista, a frase “meu governo não está envolvido em escândalo de corrupção”, proferida pela presidente da República em resposta ao peemedebista, soou como indireta à gestão de seu antecessor. As irritações de Lula com sua sucessora há muito deixaram de ser segredo. Mas o episódio tende a ampliar a fissura na relação entre criador e criatura.

Temperatura Um petista de São Paulo assim resumiu o humor no partido sobre a declaração de Dilma: “O cara no meio de uma saraivada, e ela parece jogar o tema da corrupção no colo dele”.

Melhores amigos Já a tropa de choque do peemedebista relata que ele adorou a troca de farpas com Dilma.

Ctrl + C Não foi bem vista entre congressistas a declaração de Miguel Reale Júnior de que o pedido de impeachment apresentado nesta quarta é um “recorta e cola” dos pedidos anteriores.

Ctrl + V A avaliação é que ministros do Supremo podem ver a fala como a admissão de uma tentativa de driblar as decisões de Teori Zavascki e Rosa Weber, que suspenderam o rito definido por Cunha para as representações.

Vai ou racha O presidente da CPI dos Fundos de Pensão, Efraim Filho (DEM-PB), incluiu na pauta desta quinta o pedido de convocação de José Carlos Bumlai, acusado de agir em nome de Lula.

Fonte: Folha de S. Paulo

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