Carta aberta (aos petistas), por FERREIRA GULLAR (na FOLHA)

Publicado em 18/10/2015 05:05 e atualizado em 18/10/2015 05:38
edição deste domingo, 17/10/15 (leia também editorial de hoje: HORIZONTE CRÍTICO

Desculpe se em vez de uma carta pessoal escrevo-lhe na página de um jornal, tornando público o que tenho a lhe dizer. A razão disso é que o assunto que pretendo abordar nada tem de íntimo. Pelo contrário, diz respeito a todos nós. Trata-se de sua posição em face de tudo o que está acontecendo neste nosso país governado, há quase treze anos, pelo seu partido, o PT.

Entendo que você, a certa altura da vida, tenha acreditado que Lula era um verdadeiro líder operário e que, como tal, conduziria os trabalhadores e o povo pobre na luta pela transformação da sociedade brasileira, a fim de torná-la menos injusta.

Era natural que fizesse essa opção, uma vez que lutar contra a desigualdade sempre fez parte de seus princípios. E muita gente boa, antes de você, também pusera sua esperança neste novo partido que nascia para mudar o Brasil. Alguns dos mais notáveis intelectuais brasileiros fizeram a mesma escolha que você.

É verdade também que, com o passar dos anos, essa convicção se desfez: Lula não era o que eles pensavam que fosse, e o seu partido não se manteve fiel ao que prometera. Mas você, não, você continua confiando em Lula e votando em todos aqueles que Lula indica, ainda que não os conheça ou, o que é pior, mesmo sabendo que não são nenhuma flor que se cheire.

Sei que há petistas mais cegos que você, como aqueles que foram às ruas para tentar impedir a privatização da Telefônica, alegando que se tratava de uma traição ao povo brasileiro. Lembra-se? Pois bem, a privatização foi feita e, graças a ela, o faxineiro aqui do prédio tem telefone celular. Mas, quando alguém fala disso, você muda de assunto.

Sei muito bem que política é coisa complicada. A pessoa defende determinada posição do seu partido, discute com os amigos, briga e, depois, aconteça o que acontecer, não dá o braço a torcer.

E, às vezes, chega ao ponto de defender atitudes indefensáveis, mas que, por terem sido tomadas por Lula, você se sente na obrigação de justificar. Por exemplo, quando Lula abraçou Paulo Maluf, quando se aliou ao bispo Edir Macedo, fazendo do bispo Crivela ministro do seu governo e quando viaja à custas da Odebrecht.

Não sei o que você diz a si mesmo quando, à noite, deita a cabeça no travesseiro. Como justificar o mensalão? Você poderia acreditar que Delúbio, tesoureiro do PT, tenha armado toda aquela patranha, sem nada dizer ao Lula, durante os churrascos que preparava para ele, todo domingo, na Granja do Torto. Tinha de acreditar, pois, do contrário, teria de admitir que Lula foi o verdadeiro mentor do mensalão.

Custa crer como você consegue dormir em meio a tanta mentira. E pior é agora, no chamado petrolão, que é o mensalão multiplicado por dez, já que, enquanto naquele a falcatrua era de algumas dezenas de milhões de reais, neste chega a bilhões. E, mesmo assim, consegue dormir? Não é para sacanear, mas você ainda repete aquele lema em que o PT dizia ser "o partido que não rouba nem deixa roubar"?

Quero crer que, pelo menos nisso, você se manca, porque as delações premiadas deixaram claro que ele não apenas deixa, como rouba também.

E a Dilma, que Lula tirou do bolso do colete e fez presidente da República, sem que antes tivesse sido sequer vereadora? Não chego a considerá-la paspalhona, como a chamou Delfim Neto, embora, com sua arrogância, tenha arrastado o país à bancarrota em que se encontra agora. Essa situação crítica a obrigou a adotar um programa econômico que sempre rejeitou e combateu.

Mas, ainda assim, tem o desplante de dizer que esta crise é apenas uma transição para a segunda etapa de seu plano de governo. Noutras palavras: a primeira etapa foi para levar o país à bancarrota e a segunda, agora, é para tentar salvá-lo. Ou seja, estava tudo planejado!

Não me diga que acredita nisso, camarada.

HORIZONTE CRÍTICO (editorial da FOLHA deste domingo)

A campanha quase aberta das lideranças maiores do petismo contra o ministro da Fazenda, Joaquim Levy, contribui para levar a um ponto crítico a política econômica que, segundo se supõe, é a do governo Dilma Rousseff (PT).

O programa de ajuste precário das contas públicas emperrou em um Congresso tomado pelo tumulto político, no qual a presidente da República não consegue formar nem mesmo maiorias circunstanciais.

As recentes intervenções do ex-presidente Lula, em particular na reforma ministerial, animaram os adversários de Joaquim Levy e da política econômica que ele quase solitariamente personifica.

Ataques descabidos contra as diretrizes propostas pelo ministro solapam o apoio necessário para que sejam aprovados projetos de aumentos de impostos. Nas atuais circunstâncias, dissipam-se, sem tais medidas, as possibilidades de mero equilíbrio entre receitas e despesas primárias do governo (excluídos gastos com juros da dívida).

Assim, praticamente se relega para o ano que vem a vigência dos novos tributos. Tal atraso, uma espécie de sabotagem, adia ainda mais –talvez para 2017– a desejada retomada de algum crescimento.

Pior, esse pode nem ser o maior dos danos. O governo fracassou no cumprimento das metas de economia que anunciara neste ano.

Em julho, reduziu a quase zero o superavit primário para 2015. Em agosto, enviou ao Congresso um Orçamento deficitário para 2016. Tais recuos provocaram o rebaixamento do crédito do país, com as decorrentes altas de taxas de juros e do preço do dólar. No momento, o governo está à beira de reconhecer que deve ter deficit neste ano.

Uma nova rendição do Planalto, em especial quanto às metas de 2016, tende a provocar outra rodada de descrédito, com deterioração ainda maior da economia.

Além das turbulências imediatas, tal degradação deve implicar o aprofundamento da recessão.

A reversão de tal estado de coisas, no entanto, é tão possível quanto uma piora adicional e aguda da crise.

Na maior parte, tal risco se deve à incerteza sobre a disposição do governo de controlar o acentuado aumento de sua dívida. Em outros termos, deve-se à incapacidade do Planalto de oferecer um programa de reformas que, mesmo sem impacto imediato, crie esperança de estabilidade no horizonte.

A aprovação do pacote de ajuste, a apresentação de um plano de reformas crível e a derrota dos quintas-colunas no governo não daria cabo da crise, mas seria um ponto de inflexão –o sinal de que se aproxima o fim de um ciclo desastroso.

 

Êxodo, por HENRIQUE MEIRELLES

Escuto com frequência cada vez maior brasileiros falando em deixar o país. As razões citadas são diversas: falta de perspectiva econômica, desânimo com a situação política, corrupção, desconfiança do futuro.

Permeando tudo isso, existe uma grande frustração depois da sensação na década passada de que o Brasil tinha conseguido finalmente superar suas dificuldades históricas e entrado numa rota de crescimento, criação de empregos, geração de riqueza e estabilidade econômica.

A reversão rápida e brutal dessas expectativas deixa um sabor amargo nas pessoas e traz sentimentos de decepção e até de revolta que estimulam o desejo de desistir e de deixar o país.

O Brasil, historicamente um país acolhedor de imigrantes, viveu essa fuga pela primeira vez durante as décadas de 1980 e 1990, período marcado por grave deterioração econômica e pela hiperinflação.

Naquela época, o fenômeno era mais localizado em profissionais de menor qualificação técnica e mais vulneráveis à hiperinflação, que partiam principalmente para os Estados Unidos e o Japão em busca de melhores oportunidades.

O fenômeno atual é ainda incipiente, mas tem características mais abrangentes. Ele atinge todos os níveis de trabalhadores, mas principalmente os de maior qualificação profissional. É uma tendência ainda não relevante do ponto de vista numérico, mas, se a crise persistir ou mesmo aumentar, terá consequências graves, pois drenará o Brasil de cérebros com qualificação técnica e competência.

O que existe hoje de fato é um número enorme de pessoas que aspiram fazer esse movimento migratório, a primeira fase de um longo processo já vivido por países vizinhos ao nosso, como a Argentina e a Venezuela.

É comum encontrar, nos centros comerciais e financeiros do mundo, profissionais argentinos altamente qualificados, tecnicamente brilhantes e em posições de alto relevo. É péssimo para a Argentina, que perdeu alguns de seus melhores quadros e com eles parte de sua capacidade de criar um futuro melhor.

Para estancar este processo tão destrutivo, é muito importante que o Brasil equacione a crise política para poder retomar o crescimento e tenha uma liderança que aponte caminhos de futuro para todos.

Depois da decepção causada pela reversão de grandes conquistas socioeconômicas da década passada, é fundamental retomar a confiança no futuro e combater o sentimento hoje prevalente em muitas pessoas de que o país está em rota de decadência.

Se esse sentimento crescente de frustração e desencanto não for estancado, a perda de talentos e cérebros se tornará uma realidade a comprometer o futuro do Brasil.

 

LUÍS EULÁLIO DE BUENO VIDIGAL FILHO

O golpe do Estado no Sistema S

Vi várias crises neste país, todas superadas com muito sacrifício dos setores produtivos e do povo. A atual, porém, apresenta contornos econômicos, políticos e jurídicos muito graves, permeados por equívocos e problemas como o aumento de impostos, clientelismo no Congresso Nacional e corrupção.

Analistas internacionais consideram que o lado positivo é o fortalecimento de algumas instituições sérias e competentes. O Ministério Público, a Polícia e a Justiça Federal têm sido alvo de elogios e de manifestações de apoio pela persistente e apurada caça de malfeitores.

Nesse rol de instituições idôneas incluo o Sistema S (conjunto de nove instituições de interesse de categorias profissionais), sobre o qual posso falar, pois acompanho de perto a ação do Senai e do Sesi de São Paulo há quatro décadas.

O Senai foi criado em 1942 para qualificar trabalhadores da indústria, em pleno período de guerra, por iniciativa e empenho de empresários idealistas e patriotas, destacando-se o líder Roberto Simonsen. Logo depois veio o Sesi, para oferecer assistência aos operários em matéria de educação, saúde, alimentação, cultura e lazer.

Dado o êxito desse modelo, foram criadas entidades similares do comércio e serviços, da agropecuária, dos transportes, do cooperativismo e das micro e pequenas empresas. Caracterizam-se por certa estabilidade de receita, gestão privada e estreito relacionamento com os respectivos setores produtivos. Já houve quem definisse essa estratégia como uma cooperativa destinada a apoiar as empresas e formar e assistir os trabalhadores.

Sem dúvida, a evolução e a força da indústria paulista deve-se muito às duas entidades, que, sempre em sintonia com as tecnologias mais avançadas, buscam atender demandas de empresas e trabalhadores, por meio de uma rede de centros e escolas e pessoal habilitado.

Em agosto último, testemunhei o brilhante desempenho do Senai, alcançando o primeiro lugar na WorldSkills, a copa do mundo da formação profissional, superando fortes concorrentes, como a Coreia do Sul, Alemanha, França e China. É preciso lembrar que a instituição tem vasta folha de serviços ao governo brasileiro no relacionamento internacional.

É evidente que qualquer plano de retomada do crescimento econômico deve ter como um dos fundamentos a indispensável atuação de tais instituições na formação e assistência às empresas e aos trabalhadores. Trata-se, pois, de preservá-las e fortalecê-las.

Para surpresa e perplexidade geral, num conjunto de medidas para ajustar e reequilibrar suas contas, o governo federal apresentou a irracional proposta de confisco de mais de 30% da receita compulsória das instituições do Sistema S. É um desatino. Um ato de desespero semelhante a um abraço de afogado, que ao tentar salvar-se leva ao fundo o próprio salvador.

O golpe no Sistema S é fruto da incompetência e da falta de visão do governo federal quanto aos reais interesses coletivos do Brasil. Os prejuízos serão irreparáveis. O desenvolvimento nacional será comprometido de modo muito grave.

Haverá forte redução dos serviços de assistência e formação técnica e escolar, com perda de profissionais qualificados e ociosidade da capacidade instalada.

Os maiores ônus, entretanto, serão da sociedade, das empresas, dos trabalhadores e do país. É melancólico constatar a falta de percepção dos governantes quanto à relevância estratégica de instituições de reconhecido valor econômico e social.

LUÍS EULÁLIO DE BUENO VIDIGAL FILHO, 76, é presidente emérito da Fiesp e do Ciesp - Federação e Centro das Indústrias do Estado de São Paulo. Ex-diretor regional do Sesi-SP e do conselho regional do Senai-SP

 

Pobreza modelo 2015, por VINICIUS TORRES FREIRE

UM, DOIS, TRÊS anos de recessão vão tirar quanto do rendimento de cada brasileiro? A crise vai empobrecer os mais pobres, os remediados ou tornar os ricos um tico menos ricos? A resposta está longe de ser óbvia e pode ter alguma relevância política.

Desde 2004 até ao menos 2013, o rendimento médio cresceu muito mais que o PIB por cabeça, per capita (o PIB, produto interno bruto, é a medida mais geral de renda ou produção gerada pela atividade econômica). Nem sempre PIB e rendimento médios andam no mesmo passo.

Em 1999 e 2003, anos das piores crises recentes, o rendimento médio caiu muito mais que o PIB per capita (o valor do PIB dividido pela população). O rendimento médio aqui é o medido pela Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (Pnad), do IBGE, levantamento anual mais completo e detalhados das condições materiais de vida no Brasil.

A queda do PIB per capita em 2015 deve ser uma das maiores da história registrada do país. Numa conta feita com base na previsão mediana da variação do PIB para este ano, o PIB por cabeça deve cair 3,8%. Em 2003, caiu apenas 0,1%; em 1999, 0,8%. Nesses dois anos, o rendimento médio medido pela Pnad caiu mais de 5%.

Na pequena recessão de 2009, ano pois de queda de PIB per capita, o rendimento médio ainda cresceu.

A mais notável diferença positiva de 2015 em relação a esses anos ruins é que o rendimento médio dos brasileiros é muito maior, embora exista alguma controvérsia sobre quão menos desigual deva ser (mas é). De qualquer modo, o número de brasileiros à beira da pobreza ou da indigência é muito menor. Enfim, os dados da Pnad relativos a 2014 ainda não foram publicados, mas o rendimento de 2013 era mais de 60% maior que o de 2003.

Um fato muito negativo desta crise será sua duração. O PIB per capita caiu 0,7% em 2014. Deve cair, 3,8% neste ano. Pelas projeções para 2016, encolhe 2%. Será o terceiro pior triênio desde quando se passou a medir o PIB, após a Segunda Guerra (o pior ocorreu no fim da ditadura militar; o outro, nos anos Collor).

Pode piorar. A partir desta semana, instituições financeiras e consultorias vão começar outra rodada de baixas feias das estimativas de crescimento do PIB. Por ora, as previsões são recessão em torno de 3% neste ano e de 1,5% em 2016. Devem passar para 3,5% e 2%, respectivamente, nas melhores casas do ramo.

Ainda assim, há atenuantes para o Brasil desta década. Transferências de renda e os aumentos recentes e restantes do salário mínimo devem amortecer o baque na vida dos mais pobres (há mais Previdência, Bolsa Família e outros seguros sociais).

Há motivos diversos para que a variação do PIB por cabeça, do crescimento da economia, possa não andar no mesmo ritmo que a variação da média dos rendimentos, discussão que não cabe aqui, agora, nestas colunas. Aliás, parte do descompasso recente, esquisita e aparentemente grande, tem sido motivo de controvérsia entre os entendidos, faz meia década. A ideia aqui é apenas observar que, apenas com os números do PIB, não é possível deduzir o impacto da crise, a distribuição social dos prejuízos e menos ainda seu efeito político, quase nunca uma simples função da renda.

 

Pedalando o BNDES, por SAMUEL PESSOA

Muito se tem discutido as pedaladas fiscais do governo. Como argumentei em colunas anteriores, o maior estrago desta prática é encobrir a realidade e impedir ou atrasar o debate sério pela sociedade da estrutura do gasto público.

De alguma forma que não entendo, o atual governo avaliou que postergar as inconsistências orçamentárias e acumular débitos escondidos era a estratégia correta para sei lá o quê. Simplesmente me escapa.

Uma das principais práticas de adiar gastos resultou da portaria nº 357 de 15 de outubro de 2012, assinada pelo à época secretário-executivo do Ministério da Fazenda, Nelson Barbosa, atual ministro do Planejamento. Para entender os efeitos dessa portaria, precisamos compreender como funcionam os subsídios do BNDES.

A taxa básica que baliza os empréstimos do BNDES aos seus tomadores é a taxa de juros de longo prazo, TJLP. Na prática, o banco empresta à TJLP mais um spread para cobrir o custo da intermediação financeira e o risco da operação.

Esse tipo de operação já encerra enorme subsídio, pois a taxa pela qual o Tesouro Nacional se financia é a Selic, muito superior à TJLP. Hoje a Selic é de 14,25% ao ano, e a TJLP, de 6,5%. Os juros sobre um empréstimo de R$ 1 milhão seriam de R$ 142 mil pela Selic, ante R$ 65 mil se empregarmos a TJLP, um subsídio anual de R$ 77 mil. Note-se que a TJLP está abaixo da inflação!

O BNDES considera que seu custo de captação é a TJLP, e não a Selic. O motivo é que a Constituição Federal (CF) direciona ao BNDES os recursos do Fundo de Amparo ao Trabalhador (FAT). Adicionalmente a CF fixa que a TJLP será a taxa pela qual o BNDES remunerará o FAT.

Observe-se, entretanto, que ambos, FAT e BNDES, são instituições cujo único controlador é a União. O fato de a CF estabelecer que o FAT seja remunerado pelo BNDES pela TJLP não altera o fato de que o "custo de oportunidade" dos recursos do FAT –fruto da receita das contribuições para o PIS e o Pasep– seja o custo pelo qual o Tesouro capta recursos no mercado, a taxa Selic.

Em outras palavras, o Tesouro sempre pode empregar os recursos do PIS e do Pasep para abater a dívida pública e, portanto, economizar juros atrelados à Selic.

Assim, seja qual for o discurso oficial do BNDES, quando o banco de fomento empresta à TJLP, já está transferindo enorme quantidade de recursos do contribuinte ao tomador do empréstimo.

Como resposta à crise de 2008, criou-se o programa de sustentação do investimento (PSI). No âmbito do PSI, o BNDES empresta a taxas inferiores à TJLP –foram comuns empréstimos a juros fixos de 3% ao ano! A diferença entre a taxa do PSI e a TJLP mais spread de 1% ao ano seria devida pelo Tesouro ao BNDES.

A diferença seria considerada gasto primário do Tesouro na forma de um subsídio. Esse tratamento contábil está correto. A cada semestre o Tesouro deveria transferir ao BNDES o pagamento referente à diferença entre a TJLP e a taxa de empréstimo dos programas do PSI.

Aqui voltamos ao início da coluna (ufa!). A referida portaria dispôs, no 3º inciso do 7º artigo, que os valores somente seriam "devidos 24 meses após o término de cada semestre de apuração". O pagamento do Tesouro ao BNDES foi pedalado por 24 meses.

Criou-se uma dívida do Tesouro para o BNDES que, em dezembro de 2014, estava na casa de R$ 26 bilhões, segundo o balanço do BNDES.

Esse é somente um dos itens que o TCU alega que foram pedalados em explícita violação da Lei de Responsabilidade Fiscal.

 

Educação, "prioridade das prioridades", por MARIA ALICE SETUBAL

Assistimos, pela terceira vez nesse ano, à troca de ministros na área da educação. Novamente a educação é citada no discurso de posse do novo ministro, Aloizio Mercadante, como "prioridade das prioridades" e estratégica para o país.

Na semana do Dia do Professor, nós, educadores, reafirmamos a necessidade de estabilidade e continuidade na condução da política educacional, fatores fundamentais para o sucesso das mudanças, como apontam estudos, pesquisas e resultados de aprendizagem.

Nesse contexto, é imprescindível dar continuidade às ações previstas no Plano Nacional de Educação e monitorar a consecução das metas, considerando que algumas devem ser concluídas até 2016, como a implantação da Base Nacional Comum Curricular, o Sistema Nacional de Educação, a política nacional de formação de professores, entre outras. É isso o que se espera do novo ministro.

O debate sobre a primeira versão da Base Nacional Comum Curricular, apresentada pelo Ministério da Educação e aberta à participação de toda a sociedade, é uma oportunidade de se chegar a um documento que possa espelhar os anseios dos profissionais da educação e demais segmentos da sociedade em relação aos objetivos de aprendizagem para crianças, adolescentes e jovens brasileiros nas diferentes áreas do conhecimento.

Ao mesmo tempo, abre espaço para Estados e municípios trabalharem questões regionais, locais e de diversidades culturais.

O currículo por si só não garante a melhoria da educação, mas trata-se de fator estruturante que levará necessariamente à discussão das questões centrais na educação brasileira, tais como a reformulação da formação inicial e continuada de professores, dos materiais pedagógicos e suas metodologias, do papel das novas tecnologias, do peso e sentido das avaliações nacionais.

O vetor conhecimento, tão caro à sociedade contemporânea, pode se fortalecer e adquirir um sentido central e fundamental, favorecendo a inclusão do Brasil no mundo globalizado e complexo que exige criatividade, inovação, participação, visão sistêmica e colaborativa.

Uma educação do presente e do futuro exige que a sociedade defina os conhecimentos necessários para consolidar referências de equidade, justiça social e cultura de paz. Fundamentada em valores compatíveis com uma sociedade sustentável, revendo os modos de vida, modelos de produção e consumo e estrutura de poder.

Também calcada no respeito e na convivência com diversidades culturais, com as diferenças étnico-raciais, de gênero e de orientação sexual, e pautada pela participação e autonomia das crianças e jovens de modo a formá-los para que dialoguem nos espaços públicos com informações e análises adequadas, participem da formulação das políticas, acompanhem a sua execução e atuem na arena da cidadania.

Para isso, o currículo precisa articular as novas formas de ensinar e aprender, conectando o conhecimento ao cotidiano, às novas formas de inserção no mundo do trabalho e ao mundo globalizado.

Consolidar de fato a educação como prioridade das prioridades demanda estabilidade e continuidade na condução das políticas. Sem isso, corremos o risco de perder a oportunidade de debatermos o que queremos como sociedade e de realizar uma mobilização em torno do papel e do valor do conhecimento no mundo hoje.

MARIA ALICE SETUBAL, a Neca, doutora em psicologia da educação pela PUC-SP, é presidente dos conselhos do Centro de Estudos e Pesquisas em Educação, Cultura e Ação Comunitária - Cenpec e da Fundação Tide Setubal. Foi assessora de Marina Silva, candidata à Presidência em 2014

 

Fonte: Folha de S. Paulo

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