Na FOLHA: "Brasil segue ladeira abaixo, desgovernado", diz Edmar Bacha
Em uma aula de pós-graduação na Universidade Columbia (Nova York), uma das mais prestigiadas do mundo, o economista Edmar Bacha teceu duras críticas ao governo Dilma Rousseff e apresentou um ponto de vista pessimista em relação à recuperação do Brasil.
A Folha assistiu à aula, que aconteceu nesta quarta-feira (7) à noite.
A franqueza com que respondeu a uma pergunta sobre as perspectivas para a economia nacional causou um riso constrangido na sala, ocupada por um grupo de economistas de renome, como José Alexandre Scheinkman, André Lara Resende, Fernando Sotelino, Guillermo Calvo e Albert Fishlow.
"As perspectivas são terríveis", disse, em inglês. "Estamos indo ladeira abaixo e continuaremos ladeira abaixo até que se resolvam problemas centrais."
Um dos formuladores do Plano Real e simpático ao PSDB, Bacha afirmou que o país está desgovernado e que a nova composição ministerial ainda é uma incógnita. "Não temos mais governo. Até agora, só se finge que se faz algo." O ministro Joaquim Levy (Fazenda) "faz o que pode", disse, "mas, como se diz no Brasil, uma andorinha só não faz verão".
BOLSA FAMÍLIA
O economista preferiu pular perguntas sobre o impacto da corrupção e cedeu nas críticas quando perguntado sobre o Bolsa Família, programa de transferência de renda instituído pelo governo Lula. "Estava lá, esperando para ser encontrado." A tecnologia já existia e foi implantada da maneira certa, disse. "E foi esse tremendo sucesso."
Sócio-fundador do centro de estudos Casa das Garças, o economista começou sua exposição com uma comparação entre a baixa produtividade do trabalhador no Brasil e no México.
Depois, foi questionado por estudantes brasileiros e estrangeiros do curso do professor brasileiro Sidney Nakahodo –que dá aulas de desenvolvimento político, social e econômico brasileiro em Columbia.
Bacha argumentou que a raiz da crise é política. Questionado sobre quais medidas o governo deveria adotar, ele disse que não há uma em particular como havia quando da implementação do Plano Real, em 1994. "Não há um problema de fundamento na economia. O que se precisa é de uma visão a longo prazo."
Ele defendeu uma abertura maior da economia e criticou as escolhas dos governos do PT, que, segundo ele, não impediram o inchaço do Estado nem posicionaram o país de forma estratégica no comércio internacional.
Sem citar especificamente a CPMF, cuja recriação é defendida pelo governo, Bacha disse que o país "não precisa de mais impostos".
"No Brasil, a gente taxa muito bem. A [Receita Federal] é uma das instituições mais eficientes do país", ironizou ao citar a carga tributária de 36%, a maior da América Latina.
Para Bacha, é urgente uma contenção dos gastos correntes para diminuir o deficit e abrir espaço para investimentos em infraestrutura e melhoria da educação.
Essa contenção envolveria a reforma da Previdência e a desvinculação das receitas da União, o que daria mais flexibilidade aos recursos previstos no Orçamento.
Ele disse que a adoção da idade mínima para aposentadoria é crucial para diminuir os gastos do governo.
MUDAR O EIXO
Parcerias no chamado eixo Sul-Sul, por exemplo, são pouco produtivas: "A gente deveria ir aonde o mercado está", sustentou. "No Brasil, a gente desenvolveu uma mentalidade de que podemos ser autossuficientes e é difícil enfrentar isso. A primeira coisa que o [ex-presidente] Lula fez ao assumir o governo foi riscar fora a Alca [Área de Livre-Comércio das Américas, criada pelos EUA]."
O economista criticou a baixa competitividade das empresas brasileiras, que estariam acomodadas pela proteção do Estado. "Não há pressão para que alcancem melhor desempenho", disse.
Bacha afirmou que a queda no preço de commodities não deveria afetar o agronegócio brasileiro, que, ainda que em expansão, deveria ser mais forte. "O Brasil é grande o suficiente para não precisar escolher um setor [a desenvolver]: ou manufaturas, ou commodities ou serviços." (na FOLHA DE S. PAULO/edição desta sexta-feira).
OPINIÃO DE PEDRO LUIZ PASSOS:
Um mero espectador
Alheio aos grandes acordos comerciais, país ignora o que poderia ser um empurrão para sair da crise
O cenário brasileiro não poderia ser mais adverso: economia em recessão, ajuste fiscal sem solução e colapso do investimento, do emprego e das exportações. O debate sobre como sair dessa situação é intenso, mas restrito à agenda interna. Pouco se fala da agenda externa, desprezando-se o que poderia ser um empurrão para sairmos da crise.
Redefinir a política de comércio exterior exige coragem, começando pela remoção dos privilégios da proteção contra a concorrência externa, usufruídos por setores econômicos. O descaso com o comércio exterior agora cobra um preço elevado.
A corrente de comércio do país está estagnada há mais de uma década em torno de 20% do PIB, enquanto passa de 40% nas maiores economias emergentes. Perdemos um longo tempo em negociações multilaterais da OMC, que nunca avançaram, e priorizamos o comércio com África e América Latina, regiões menos dinâmicas que os blocos de Europa, Ásia e EUA.
A novidade é ressurge em duas meganegociações capitaneadas pelos EUA: com a União Europeia, ainda aberta, e com 11 países do Pacífico, fechada dias atrás. O avanço do Tratado Transpacífico, que reúne 40% do PIB global, evidencia a urgência do tema para o Brasil.
Mais: mostra que grandes acordos comerciais dizem, sim, respeito a nós brasileiros e expõe o alheamento do governo a essa tendência, o que acentuará a irrelevância do país no comércio mundial. Amarrado ao Mercosul, o Brasil continua olhando de esgueira para entendimentos com economias de peso.
O país também desprezou a reorganização da produção e distribuição com base em cadeias globais de valor, que hoje dominam mais de dois terços do comércio mundial. O Brasil tem participação diminuta nessas cadeias, dado o baixo conteúdo de bens e insumos importados (11% em média) incorporados às exportações de manufaturados.
Ficamos para trás nesse processo, ao insistir com o defasado sistema de tarifas de importação e ao multiplicar restrições ao livre-comércio. Também não desenvolvemos a contento a educação, a infraestrutura, as tecnologias de informação etc. –cruciais para a competitividade.
Tudo o que fizermos agora parecerá pouco diante do formidável atraso acumulado. Não nos resta alternativa senão conceder prioridade máxima à mudança da política externa, envolvendo medidas como a redução unilateral, com prazo predefinido, das tarifas de importação e dos instrumentos de proteção, sinalizando nossa disposição de aproximação com parceiros relevantes.
Adicionalmente, a agenda para a área externa deve considerar alguns princípios. Primeiro, a negociação de acordos preferenciais com países desenvolvidos e emergentes capazes de trazer impactos reais para a renda nacional, ao permitir a abertura de mercados de exportação e facilitar a importação de bens de alta tecnologia.
Segundo, a inserção agressiva nas cadeias globais de valor para alavancar as exportações e aumentar as importações de bens intermediários de menor custo e maior conteúdo tecnológico. A redefinição dos interesses na OMC é também necessária, focando o tratado sobre tecnologia da informação e a nova rodada de serviços. E deve-se rever o Mercosul para desobrigar os países a negociar acordos em conjunto.
De tudo isso, uma coisa é certa: o povo brasileiro não está entre os beneficiários de nossa inapetência na economia global, mas, sim, alguns grupos empresariais. Cabe ao governo redirecionar a economia para uma agenda necessária e do interesse da nação, retirando-nos da posição de mero espectador.
análise de VINICIUS TORRES FREIRE:
Novo calendário da crise
TCU, reforma ministerial, Cunha em baixa e breve calmaria na finança enrolam roteiro da política
ALGUÉM AINDA lembra de que projetos do pacotinho fiscal do governo, como o que ressuscita a CPMF, têm de tramitar no Congresso? "Parece que ainda não se tornou prioridade aqui na Casa", diz e ri, em seguida, um senador do PMDB.
Como todo mundo está mais do que enfastiado de saber, o pacotinho fiscal lançado no mês passado pretende levantar dinheiros que em tese evitariam um buraco maior nas contas do governo em 2016. No momento, as previsões melhores são de tricampeonato de deficit primário (2014-15-16), despesas maiores que receitas mesmo desconsiderados os gastos com juros.
A calmaria relativa e provisória importada da finança mundial e a possibilidade de o destino de Dilma Rousseff ser decidido em 2016 atenuam a crise no curtíssimo prazo. Não é para desprezar o alívio, pois a alta contínua de dólar e juros, no ritmo do paniquito de julho-setembro, em breve quebraria as pernas de muita empresa, entre outros problemas. Não é para relaxar, também. A desorientação na finança mundial é grande, a biruta gira rápido, a ventania pode recomeçar ainda na virada de outubro para novembro.
Enquanto isso, no Brasil a crise horrenda continua borbulhando logo abaixo da superfície. A receita de impostos continua caindo, parte relevante das receitas extraordinárias não vai entrar no caixa neste ano, o deficit de 2016 está quase contratado e não há plano algum de médio prazo (dois, três anos) que possa atenuar e abreviar a recessão. O pacotinho fiscal é apenas um remendo capaz de evitar o início de novo ciclo de degradação aguda, como os de finais de julho e de agosto.
A ordem das tramitações de projetos, de votos de vetos e de ataques a Dilma Rousseff pode alterar vários produtos do Congresso. Em uma hipótese remota, mas não impossível, Dilma Rousseff não sobe ao cadafalso do impeachment até fevereiro, pelo menos, o Congresso desativa as bombas fiscais e não joga definitivamente no lixo o pacote de aumento de impostos e corte de gastos.
O antigo cronograma do impeachment parece meio embananado: tentativas de admissão do processo lá pelo final do mês, grande risco de desembarque do PMDB em meados de novembro. Mas a oposição ainda pretende detonar o início do processo de derrubada da presidente em outubro, com nova onda de manifestações de rua.
Ainda assim, ao que parece, o roteiro de final de ano Congresso está sendo reescrito.
A reforma ministerial deu chabu na primeira semana de vigência, mas o governo reabriu ontem seus programas de aquisição de apoios parlamentares, "Meu Carguinho, Minha Vida" e o "Emendas sem Fronteiras", com o que pretende conquistar a simpatia, quase amor, do baixo clero fora do PMDB. Eduardo Cunha, presidente da Câmara, tem uma estaca no peito, mas sobrevive, por enquanto, acuado e irado.
"Tudo tem seu tempo, não diz a Bíblia?", diz o senador do PMDB. Primeiro, vão ser aprovados os vetos de Dilma Rousseff aos aumentos demenciais de gastos votados pelo Congresso, "com um susto ou outro" para a presidente, "na semana que vem, no mais tardar no dia 20".
Depois, "a gente tem de ver esse negócio do [Eduardo] Cunha de botar impeachment para votar na semana que vem, se ele ainda vai ter voz. Aí é mais enrolado".
ANÁLISE DE ROBERTO LUIS TROSTER:
Uma proposta para a solvência do Estado
Considerando que foi o próprio governo que causou o deficit atual, nada mais justo do que ele arcar com uma parte do esforço para sua correção
Uma grave crise fiscal assombra o país, a solvência da dívida pública brasileira está em xeque, exigindo prêmios de risco mais altos, ao mesmo tempo em que há uma queda da arrecadação tributária, por causa do crescimento menor.
O remédio para evitar o pior será uma combinação de cortes de gastos e aumento de impostos, com efeitos negativos tanto na produção como no emprego. A arte está em encontrar medidas politicamente viáveis, que sejam rápidas e minimizem os impactos sociais.
Nesse sentido, o governo criou o Programa de Proteção ao Emprego (PPE), que permite a manutenção dos empregos, com uma redução líquida de salários para os trabalhadores do setor privado de até 15%, contribuindo para a sobrevivência financeira das empresas.
A proposta deste artigo é sugerir outro plano análogo, mas com algumas vantagens adicionais: o Programa de Proteção da Solvência do Estado (PPSE). É uma medida para deixar a folha de pagamentos do governo federal sem correção no ano que vem. A proposta do governo de adiar o reajuste dos servidores até agosto não é suficiente.
Incluiria Executivo, Legislativo e Judiciário e todo o funcionalismo federal, com vencimentos acima de três salários mínimos (valor a partir do qual o cidadão já é considerado classe C). Não afetaria quem tem ordenado abaixo de R$ 2.364.
Como quase a totalidade do funcionalismo tem estabilidade no emprego, não haveria demissões, como não vai haver mesmo sem o programa. Considerando o espírito cívico desses trabalhadores brasileiros, a medida teria uma aceitação imediata de todos, ou quase todos.
Como o salário médio do funcionalismo é na média 85% superior ao de empregados do setor privado, o sacrifício seria de quem tem mais para oferecer. A presidente já deu uma sinalização de apoio à proposta, ao reduzir seu salário, o do vice-presidente e os dos ministros.
O impacto fiscal da eliminação de oito ministros de Estado e de 10% dos vencimentos de sua equipe de governo é inferior a R$ 5 milhões por ano. É, todavia, emblemático, porque mostra a importância de se cortar gastos do governo.
O PPSE fecharia a conta fiscal de 2016. O valor a ser economizado é superior ao que seria arrecadado com a CPMF, por exemplo. Apenas com essa correção, o deficit primário projetado de R$ 30 bilhões seria totalmente eliminado.
Até agora, a inflação, o desemprego, a inadimplência e a queda de vendas têm obrigado o setor privado a fazer sacrifícios. Considerando que foi o próprio governo que causou este deficit, nada mais justo do que ele arcar com uma parte do esforço para sua correção.
O PPSE seria aplicado apenas em 2016, ano em que se prepararia um ajuste mais duradouro, corrigindo outras aberrações dos gastos do governo. O regime de aposentadoria diferenciado para os servidores públicos é um exemplo.
Apenas em 2015, o deficit do Regime Próprio de Previdência Social (RPPS) dos servidores da União custou cerca de R$ 60 bilhões, o dobro do deficit primário do Orçamento projetado para 2016.
Os funcionários públicos, além de terem estabilidade, quando se aposentam, recebem o mesmo salário que os que estão na ativa, diferentemente do que ocorre com os trabalhadores do setor privado, que têm seus vencimentos reduzidos.
Este momento exige uma reflexão mais aprofundada sobre o Orçamento público, sobre a legitimidade de quem deve pagar, quanto e como, e de quem deve receber, o montante e o motivo.
O Programa de Proteção da Solvência do Estado seria uma medida importante, tanto do ponto de vista das finanças públicas, como da sinalização do comprometimento do governo com o futuro do país.