Por unanimidade, TCU rejeita contas da presidente Dilma em 2014
Veja: TCU recomenda a reprovação das contas de Dilma, gatilho para o processo de impeachment
O governo Dilma Rousseff tentou de tudo, mas os ministros do Tribunal de Contas da União (TCU) não cederam e recomendaram, por unanimidade, nesta quarta-feira, que as contas do governo referentes ao ano de 2014 sejam reprovadas pelo Congresso Nacional. É a primeira vez desde 1937 que a prestação de contas do governo federal é rejeitada pela corte.
Politicamente, a decisão da corte de contas deve funcionar como um gatilho, fundamentando o início do processo de impeachmentcontra a presidente no Legislativo. Respaldado pela análise do Tribunal, caberá agora ao Congresso Nacional a tarefa de reprová-las - ou não. A eventual reprovação daria impulso ao movimento pelo impeachment da presidente.
Em seu parecer, o relator das contas, ministro Augusto Nardes, alvo da artilharia do governo, afirmou que as irregularidades somaram o total de 106 bilhões de reais no ano passado, entre as chamadas pedaladas fiscais, deslizes orçamentários e omissão de passivos. "Após exames detalhados, procedimentos afrontaram de forma significativa princípios objetivos preconizados pela Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF), caracterizando um cenário de desgovernança fiscal", disse Nardes. Segundo ele, houve inobservância sistemática de regras e valores que repercutiram de forma recorrente ao longo do ano passado.
O relator ainda ironizou o pedido de suspeição feito pela Advocacia-Geral da União (AGU), que tentou afastá-lo do caso, afirmando que, no caso de parcialidade, o órgão precisaria, então, pedir a suspeição dos 14 auditores que elaboraram o relatório no TCU.
Nardes reforçou os resultados consolidados das irregularidades cometidas pelo governo e disse que alterações da meta fiscal são possíveis, mas dentro do que prevê a LRF. Sobre a necessidade de contingenciamento, que foi ignorada pelo governo, ele afirmou que o corte de gastos foi proposto somente quando o orçamento já estava deteriorado. Sobre as omissões de passivos e transações, Nardes afirmou que isso comprometeu a "fidedignidade" dos dados públicos. "Criou-se uma situação irreal, que culminou com o contingenciamento de montante inferior ao que seria necessário", disse.
A apresentação do ministro-relator sucedeu à sustentação oral de Luís Inácio Adams, advogado-geral da União. Adams argumentou que as operações feitas pelo governo com bancos públicos não configuravam operações de crédito, e sim de prestação de serviços. "É artificioso achar que isso se trata de uma violação à Lei de Responsabilidade Fiscal e à Lei de Diretrizes Orçamentárias. Não se trata", disse. Segundo Adams, o debate sobre as contas ficou "excessivamente politizado". O advogado-geral da União argumentou ainda que, se o governo tivesse a intenção de omitir e manobrar as contas com propósitos eleitoreiros, não teria cortado benefícios no Bolsa Família antes das eleições.
Recursos - A votação ocorreu imediatamente após a decisão do colegiado de negar o pedido de suspeição do ministro Nardes, protocolado pela AGU na segunda-feira. O ministro-corregedor Raimundo Carreiro, que relatou o acórdão sobre a suspeição, afirmou que as afirmações dadas por Nardes sobre as contas da presidente, que para a AGU configura antecipação de voto, não apresentam novidades ao que já havia sido apresentado pelo ministro em relatório prévio. "A presente manifestação é improcedente. Nada há nas declarações do ministro Nardes que traga alguma novidade ou configure juízo de valor sobre as contas da Presidência da República", afirmou.
Também nesta quarta, o ministro Luiz Fux, do Supremo Tribunal Federal (STF), negou o pedido de liminar protocolado pela AGU para tentar frear o julgamento do TCU sobre o balanço do ano passado. O pedido de liminar era a última tacada do Palácio do Planalto para tentar afastar Nardes da função.
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Reuters : Por unanimidade, TCU rejeita contas da presidente Dilma em 2014
Por unanimidade, o Tribunal de Contas da União (TCU) rejeitou nesta quarta-feira o recurso da Advocacia-Geral da União para tirar a relatoria do balanço contábil do governo das mãos do ministro Augusto Nardes. Agora, a corte vai analisar as contas da presidente Dilma Rousseff de 2014 - em especial, as chamadas "pedaladas fiscais", considerado o gatilho para o processo de impeachment no Congresso Nacional.
No acórdão sobre a acusação de suspeição apresentado contra Augusto Nardes, o corregedor da corte, Raimundo Carreiro, afirmou que as afirmações dadas por Nardes sobre as contas da presidente, e que a Advocacia-Geral da União (AGU) classifica como revelação prévia de voto, não apresenta novidades ao que já havia sido apresentado pelo ministro em relatório prévio. "A presente manifestação é improcedente. As matérias se traduzem em declarações do ministro Nardes em reproduzir o relatório do próprio ministro. Nada há nas declarações do ministro Nardes que traga alguma novidade ou configure juízo de valor sobre as contas da Presidência da República", afirmou.
O ministro negou ainda que o fato de o ministro receber em seu gabinete manifestantes pró-impeachment denote parcialidade. Segundo Carreiro, é usual que ministros do TCU recebam, por exemplo, ministros de Estado, o que não configura tampouco parcialidade do órgão em relação ao governo.
Sobre a argumentação da AGU de que, ao afirmar que o TCU "fará história", Nardes estaria antecipando voto, o ministro Carreiro também respondeu com negativa. "Não consigo vislumbrar onde estaria antecipação de voto do ministro em frase tão curta. O seguinte processo já entrou para a história do TCU: é a primeira vez em 80 anos que o tribunal abre para o contraditório para que o governo se explique", afirmou.
Foi a segunda derrota do governo Dilma nesta quarta-feira. Mais cedo, o ministro Luiz Fux, do Supremo Tribunal Federal (STF), negou o pedido de liminar protocolado pela AGU para tentar frear o julgamento do Tribunal de Contas da União. O advogado-geral da União, Luís Inácio Adams, acusou Nardes de emitir juízo prévio favorável à rejeição das contas.
Em O Globo
Antes de Dilma, só Getúlio Vargas teve as contas do governo rejeitadas pelo TCU
Já na década de 1930, o debate sobre irregularidades nas contas do governo brasileiro estava em pauta e ocupava as manchetes dos jornais. Em 27 de abril de 1937, durante o mandato do presidente Getúlio Vargas, o também gaúcho Francisco Thompson Flores, vice-presidente do Tribunal de Contas da União (TCU), constatava o desrespeito às leis orçamentárias cometido pela Contadoria Central da República, responsável na época por organizar as contas federais no Ministério da Fazenda. Em decisão unânime e única na História do Brasil até o parecer do TCU, nesta quarta-feira, rejeitando as contas de 2014 da presidente Dilma Rousseff, as contas de Vargas foram reprovadas pelo órgão fiscalizador.
Segundo reportagem do GLOBO, um “longo e minucioso relatório” sobre a gestão financeira do ano de 1936 apontava o pagamento de despesas sem aprovação prévia. “Tem se tornado um uso, e actualmente um abuso, os pagamentos por conta do crédito do Thesouro, no Banco do Brasil, pela expedição de um simples cheque do Ministério da Fazenda”, dizia o documento. A atuação independente do ministro ocorreu às vésperas da implantação da ditadura do Estado Novo (1937-45), iniciado com a quarta Constituição brasileira, apelidada de “Polaca” e outorgada em novembro daquele ano. Vargas só voltaria ao posto em um governo democrático no ano de 1951. Ainda assim, a rejeição das contas e o parecer do ministro do TCU Thompson Flores não passaram despercebidos. Ainda no Estado Novo, em 26 de abril de 1945, um decreto presidencial de Vargas o colocou em disponibilidade, o que significou seu afastamento do cargo público.
Leia a notícia na íntegra no site do jornal O Globo.
ANÁLISE da folha de s. paulo:
Derrotas em sequência recolocam governo à beira do abismo
por IGOR GIELOW, DIRETOR DA SUCURSAL DE BRASÍLIA
A sequência de derrotas da "superquarta" em Brasília empurrou o "terceiro governo" de Dilma Rousseff, inaugurado a partir da reforma ministerial da sexta passada (2), novamente para a beira do abismo político do qual tinha se afastado um pouco.
Se havia a expectativa de que prevaleceria racionalidade econômica de um Congresso apaziguado pela entrega ao PMDB e aliados de fatias expressivas do ministério na hora de avaliar os vetos à "pauta-bomba", ela se desfez antes da hora do almoço.
O presidente da Câmara, Eduardo Cunha (PMDB-RJ), orquestrou oesvaziamento da sessão, flanqueando as ações dos novos responsáveis pela articulação política do Planalto, Ricardo Berzoini e Jaques Wagner. Ressalte-se que foi uma ação de Cunha, mas nem o PT ajudou o governo.
As más notícias continuaram com o STF (Supremo Tribunal Federal) rejeitando a manobra do governo que buscava afastar o ministro Augusto Nardes da relatoria das contas da presidente em 2014, sob alegação de que ele havia antecipado seu voto contra Dilma.
O tiro de misericórdia veio com a histórica rejeição das contas numa sessão aguda e carregada de simbolismo político.
Com ou sem análise do Congresso do parecer, o pedido de impeachment apontando irresponsabilidade fiscal do governo agora ganhou embasamento técnico oficial.
O Planalto conseguiu piorar sua própria situação. Ao colocar o peso da área jurídica do governo para, na prática, carimbar a rejeição como política, o governo só conseguiu unir a corte contra si e "piscar": mostrou que está jogando no desespero.
Se realmente seguir na linha de judicializar a questão, o governo apenas joga em favor do acirramento dos ânimos e arrisca-se a esgrimar inocuidades: politicamente, a batalha desta quarta está perdida.
A estratégia palaciana era de atrasar o andamento da rejeição no TCU na esperança de que ela se dessincronizasse do ritmo da análise dos pedidos de impeachment contra Dilma, na mão de Cunha.
Assim, poderia também torcer que o agravamento da situação do peemedebista, alvo de investigação pela Lava Jato e pelas autoridades da Suíça, tirasse gás de seu poder de articulação. Na mesma tarde começaram a surgir mais evidências complicando Cunha no caso das contas suíças, dificultando a vida de quem acredita em coincidências em Brasília.
Resta saber se os problemas de Cunha serão suficientes para mudar o passo da engrenagem acionada do impeachment, que avança em passos anunciados, como a rejeição dos pedidos e o recurso para levar o caso a plenário pela oposição.
Falta também ter claro se, caso o processo chegue a ser apreciado, o governo terá os 171 votos necessários na Câmara para impedir seu progresso. Como já foi entregue até o Ministério da Saúde para tentar garantir um apoio que não se materializou, a margem para o Planalto parece reduzida.
Além de contar com a derrocada acelerada de Cunha, Dilma precisará de auxílio em outras frentes, como no Senado capitaneado pelo oscilante Renan Calheiros (PMDB-AL). A quarta acaba num tom sombrio para o governo.
Planalto diz que órgãos técnicos do governo não veem motivo para rejeição de contas
SÃO PAULO (Reuters) - O Palácio do Planalto disse nesta quarta-feira, após decisão do Tribunal de Contas da União (TCU) de emitir parecer pela rejeição das contas do governo da presidente Dilma Rousseff no ano passado, que os órgãos técnicos do governo não veem razão legal para a decisão.
Em nota, a Presidência da República também lembrou que o TCU emitiu um "parecer prévio" e que o assunto ainda será tema de ampla discussão e deliberação por parte do Congresso Nacional.
(Por Eduardo Simões, com reportagem de Lisandra Paraguassu; em Brasília)
Veja a repercussão entre políticos, com informações da Reuters:
SENADOR ÁLVARO DIAS (PSDB-PR), LÍDER DA OPOSIÇÃO
"Eu já esperava (a rejeição) e o governo também, tanto que o governo se antecipou e tentou desqualificar o trabalho realizado pelo Tribunal de Contas da União. Agora cabe ao Congresso Nacional a palavra final.
Imagino que a presidente terá dificuldade em que pese ela ter loteado o governo para garantir votos para sua sustentação.
Acho que isso soma (ao movimento pelo impeachment)... Joga pressão sobre o presidente da Câmara e sobre a Câmara como um todo.”
DEPUTADO PAULINHO DA FORÇA, PRESIDENTE NACIONAL DO PARTIDO SOLIDARIEDADE
"É um dia histórico para o país e marca o fortalecimento das instituições que não se dobraram às vontades do Palácio do Planalto. Primeiro, o STF rejeitou o pedido para adiar o julgamento das contas da presidente. Depois, o TCU, ao rejeitar as contas, fez justiça, condenando as irresponsabilidades fiscais e econômicas da Dilma. Está aberto o caminho para o impeachment."
ZEINA LATIF, ECONOMISTA-CHEFE, XP INVESTIMENTOS
"A palavra final é do Congresso, mas é obvio que a gente percebe que essa decisão unânime é uma derrota para o governo. É simbólico e mostra que tem pressão social maior.
É difícil entender as reações dos mercados. Não está claro se um processo de impeachment poderia ser positivo ou não para os mercados. Todo mundo sabe que qualquer que seja o presidente, a situação é difícil.
Até que se tenha mais clareza sobre a política, vamos ter volatilidade nos mercados. A volatilidade é o que vai caracterizar os mercados no curto prazo."
DEPUTADO ARLINDO CHINAGLIA(PT-SP), EX-LÍDER DO GOVERNO NA CÂMARA
"Ficou comprovado que esse tipo de lançamento fiscal já tinha sido feito em outros exercícios. Portanto o TCU fez um julgamento quantitativo. O que vale é que você pode fazer esse lançamento, pode 'transgredir a regra', desde que não seja muito."
EUNÍCIO OLIVEIRA, LÍDER DO PMDB NO SENADO
"A sinalização não é boa. Não é uma coisa agradável para ninguém, mas tem chão pela frente, é preciso ver como vai se posicionar a comissão", referindo-se à comissão mista do orçamento, que vai receber no Congresso a recomendação do TCU pela rejeição das contas. "A crise política não está ultrapassada, infelizmente".
DEPUTADO HENRIQUE FONTANA (PT-RS)
“A decisão do Tribunal de Contas é uma decisão que está muito marcada por uma falta de critério em relação ao que foi feito em anos anteriores e em relação à forma que o Tribunal de Contas avaliou as contas do país.
O grau de politização dessa decisão ele me parece evidente. A tendência, na minha opinião, é que o Legislativo não confirme essa decisão.
Isso não altera muito o cenário (em termos de impeachment). Uma parte da oposição vem trabalhando a ideia do golpe desde outubro.”
(Reportagem de Eduardo Simões e Flavia Bohone, em São Paulo; Maria Carolina Marcello e Leonardo Goy, em Brasília; edição de Raquel Stenzel e Tatiana Ramil)