No EL PAÍS: Aperto financeiro força consumidores a devolver casa e carro financiados

Publicado em 06/10/2015 05:53
Sobe 19% casos de retomada de veículos, já desistência de imóveis na planta salta 30%, POR HELOISA MENDONÇA, DO EL PAÍS

Em um auditório cheio em Guarulhos, Meire Camargo, de 48 anos, observa atentamente como o leiloeiro tenta vender ao público presente e a outros milhares de internautas um Fiat Bravo. "Posso vender? Ninguém quer dar mais? Olha que ele é branco e a cor está na moda. Dou-lhe duas, dou-lhe três, vendido!". Não é a primeira vez que a empresária comparece ao local, mas desta vez está de olho em uma boa oportunidade para comprar o primeiro carro do filho. "Em tempos de crise, não está fácil pagar um automóvel novo, é preciso procurar uma alternativa, temos que garimpar por aí", conta. Além disso, ela explica que escolheu o local porque grande parte dos veículos que seria leiloada foi apreendida de pessoas que não conseguiram pagar o financiamento. "São carros mais novos, muito mais conservados", completa.

Em tempos de aperto financeiro, muitos brasileiros não tem conseguido manter as parcelas do carro em dia e se vêm obrigados a devolver o veículo para as financeiras, que levam o bem para o leilão público para quitar a dívida. No primeiro semestre de 2015, a retomada de veículos cresceu 19% em relação ao ano passado. "O que notamos é que além do aumento de devoluções, a maioria dessas retomadas passaram a ser voluntárias, amigáveis. Antes de serem acionados pela Justiça, os donos já estão tomando a iniciativa para poupar tempo e dinheiro em um momento de recessão no país", afirma Célio Lopes, diretor executivo do Instituto Geoc, que reúne 16 das maiores empresas de cobrança do Brasil.

As devoluções acabam fazendo os pátios de leilões se transformarem em um mar de carros e atraem mais pessoas, como Meire, que estão em busca de alternativas para conseguirem um automóvel com desconto. Antes frequentado por empresas, os leilões de carro estão começando a receber mais consumidores comuns. "O leilão é como um termômetro da crise, todo dia estamos recebendo uma nova leva de clientes. Hoje, o que mais cresce é a participação dos internautas", afirma o leiloeiro Moacir de Santi, da Sodré Santoro.

A busca pelos leilões acontece quando o mercado de venda de novos veículos, não por acaso, recua. Até setembro, a queda das vendas de veículos novos, que inclui carros, comerciais leves e caminhões, foi de 22,66%, ou 1,95 milhão de unidades, segundo a Fenabrave (Federação Nacional da Distribuição de Veículos Automotores). A economia na compra de um carro de passeio em um leilão pode chegar a 37%, segundo Santoro. "A variação depende de alguns fatores como modelo, cor e estado de conservação."

Normalmente, a retomada de um veículo ocorre entre 60 a 90 dias de atraso nos pagamentos e o bem vai direto para o leilão público. Após o automóvel ser leiloado, a financeira faz o levantamento da dívida do cliente, trazendo as parcelas vencidas a valor presente e desconta-se o valor da venda e verifica se ainda há saldo devedor.

Exatamente pelo veículo de leilão ter um preço menor que o da tabela, Lopes aconselha que quem está com dificuldades de pagar o financiamento, tente primeiro vender o carro no mercado antes da entrega amigável já que é provável que mesmo com devolução será difícil abater toda a dívida. "Se não conseguir, o melhor é tentar negociar um prazo maior para quitar as parcelas", afirma.

Devolução de imóveis na planta

A crise também tem dificultado o pagamento dos financiamentos de imóveis. No primeiro semestre de 2015, o número de pessoas que compraram imóvel na planta e desistiram porque não conseguiam mais pagar as prestações aumentou quase 30% em relação ao ano passado, segundo a Associação Nacional dos Mutuários (ANM). "Muitas pessoas não estão conseguindo pagar por perda de renda, de trabalho ou por falta de perspectiva", afirma Carlos Alberto de Santana, diretor jurídico, ANM.

Santana explica, no entanto, que essas devoluções, chamadas de destrato, podem ser realizadas apenas quando não houve a posse do imóvel. "Caso contrário, o consumidor precisa pedir um empréstimo no banco", explica.

As rescisões e o aperto na hora de pagar podem ficar ainda mais frequentes nos próximos meses considerando as medidas cada vez mais restritivas de acesso ao financiamento imobiliário. Na semana passada, a Caixa Econômica Federal, que detém dois terços de todos os empréstimos para compra de imóveis no país, informou que vai aumentar os juros para financiar a casa própria com recursos da poupança. Essa foi a terceira alta de 2015. A taxa para não clientes da Caixa passará de 9,45% ano para 9,90%, para compras de imóveis pelo Sistema Financeiro Habitacional a partir de outubro. O cenário só é bom para quem tem dinheiro na mão: o poder de negociação dos compradores aumenta com o avanço da crise.

Consumidor analisa carros em pátio de leilão público em Guarulhos. / RAQUEL CUNHA

 

Desemprego no Brasil cresce e a fila por uma vaga dobra a esquina

Candidatos na fila para uma vaga em um supermercado. / F. CAVALCANTI

Sob um sol forte e mais de 30 graus, Natali dos Santos Garcia, 37, esperava juntamente com a filha, Natasha Garcia, 18, a porta se abrir. Elas estavam em uma fila na parte de fora de um supermercado na zona oeste de São Paulo para que Natasha participasse de uma seleção de emprego. Ali, uma equipe seleciona funcionários para todas as unidades de uma rede de supermercados da cidade. O processo de seleção acontece durante o ano todo, mas a fila que tem dobrado a esquina todos os dias tem chamado a atenção.

 

Nesta quinta-feira, com o dólar atingindo a marca de 4,24 reais, oIBGE divulgou os números relacionados ao desemprego.De acordo com o levantamento, 313.000 pessoas a mais estão desocupadas em São Paulo de agosto do ano passado a agosto deste ano, totalizando 835.000 pessoas somente na capital paulista. NoBrasil, no mesmo período, o desemprego cresceu de 5% pra 7,6% da população. Com esse aumento, muitos estabelecimentos que recebem currículos estão vendo a quantidade de candidatos aumentar.

Samuel Viana, 26, um dos candidatos a uma vaga no supermercado. /FERNANDO CAVALCANTI

"Nunca vi uma fila deste tamanho", gritou uma senhora que passava pela calçada. "Moro aqui há 20 anos e nunca vi isso. É esse governo!", reclamou. "Esta fila está maior do que a do Poupa Tempo", disse Samuel Viana, 26, um dos candidatos, citando o serviço público estadual para fazer documentos. "Já trabalhei nesta loja e nunca vi uma fila deste tamanho". Samuel é um ex-funcionário do supermercado, onde trabalhou como açougueiro por um ano e nove meses. Saiu para tentar trabalhar como taxista, mas a troca não compensou e agora tenta reconquistar seu antigo posto. Mas encontrou mais concorrência do que esperava.

Samuel vive com a esposa e o filho de um ano e meio no bairro do Ipiranga. Diz que quer voltar a trabalhar no supermercado, mas só volta se for para exercer a função de açougueiro de novo. "Essa função paga mais", diz. "Paga 1.500 reais".

Guilherme Moreno Sanches e Rafael Dener Alves, 21. / M. R.

Mas nem ele nem ninguém na fila sabiam qual era o salário, a função, ou quantas vagas estavam abertas. Os amigos Guilherme Moreno Sanches e Rafael Dener Alves, ambos com 21, foram juntos para a seleção.Eles estão desempregados e disseram que recebiam em torno de 1.500 reais no último emprego. "Se essa vaga pagar menos, vamos receber menos, ué", diz Guilherme, que também não sabe de quanto é a remuneração oferecida. "Estou procurando emprego desde dezembro. Uma hora tem que dar certo".

Os candidatos que saíram da seleção contaram à reportagem que só depois de passar por uma prova que inclui português, matemática e conhecimentos gerais, passaram por uma entrevista onde o os candidatos são informados se há vagas para alguma unidade da rede no bairro onde vivem. Se não houver, voltam para casa deixando seus dados no banco de currículos da companhia. Foram informados que o salário é de 1.085 reais para quem conseguir uma vaga.

A fila é formada duas vezes por dia, de segunda a quinta-feira. Os primeiros candidatos começam a chegar às seis da manhã. Às oito, a porta se abre e a primeira leva de candidatos entra. A porta se fecha e só abre novamente às 13h, quando a segunda leva de entrevistas é feita. Quem chega pouco depois das oito, quando a porta já está fechada, tem que esperar até a uma da tarde.

Elizabeth dos Santos Lopes, 19. /FERNANDO CAVALCANTI

Erica dos Santos Silva, 24, era uma das pessoas que estavam esperando. Estava há duas horas e meia na fila, mas ainda eram onze da manhã. Ela só seria atendida dali a duas horas. "Nunca trabalhei com carteira assinada, só fazendo bico. As pessoas chamam a gente para um trabalho temporário, dizem que vão contratar, mas não contratam", contou ela. "Agora a coisa está apertando e eu preciso de alguma coisa fixa". Ela vive em Sapopemba, zona sul da cidade, a uma hora e meia dali, com o marido e a filha, de três anos. "Desde o final do ano passado, os preços de tudo estão subindo muito depressa".

Elizabeth dos Santos Lopes, 19, tentava um lugar na sombra enquanto a fila se formava. Estava ali com o marido, que foi acompanhá-la. Está procurando emprego há três meses. "A situação está horrível", disse ela. "Lá em casa, cortamos um monte de coisa da lista de compras. Chocolate, bolacha, essas coisas não compramos mais".

Michael Herrison, 19. / FERNANDO CAVALCANTI

Michael Herrison, 19, estava ao lado de Elizabeth na fila e contou que está passando pela mesma situação. "Tudo está mais caro agora", disse ele. "Onde mais gastamos dinheiro é no supermercado e no açougue e está bem difícil de comprar as coisas", contou. "Parece que quanto mais a gente trabalha, mais a gente paga. Alimentação é o que está mais difícil de comprar", concordava a mãe de Natasha, Natali Garcia.

Após algumas horas na fila, a porta se abre. Pontualmente às 13h. Quase todo mundo entra, mas a porta se fecha às 13h07 com cerca de 20 candidatos ainda do lado de fora. Um funcionário simpático sai e fala com eles. "Tenho 80 lugares para realizar os testes e coloquei mais 15 lugares de improviso", diz. "Só temos mais 15 lugares. Quem quer entrar?". A vaga é para trabalhar das 14h às 22h20, segundo o funcionário explica.

Bruno Vinicius Lino, 23. / FERNANDO CAVALCANTI

Bruno Vinicius Lino, 23, é um dos que ficaram do lado de fora. Ele faz um curso técnico em administração no período noturno, por isso o horário da vaga não é compatível com o de suas aulas. O estudante trabalhava em uma loja na mesma rua que o supermercado, mas o estabelecimento fechou recentemente. "Haviam dito que as vagas eram para todos os horários, por isso eu vim", disse ele, que nem chegou a entrar na sala. Deu meia volta e desceu para o ponto de ônibus.

Natasha e a mãe mal entraram pela porta e também foram embora. O horário de trabalho também é o mesmo da escola de Natasha. Elizabeth e o marido também não ficaram mais de cinco minutos ali dentro. "Esqueci minha carteira de trabalho em casa", disse ela. "Mas amanhã cedo estarei aqui de novo".

EUA e o Pacífico selam o maior acordo de livre comércio da história

Pacto une 40% das economias e foi descrito como o "marco comercial do século XXI"

 

Depois de cinco anos de negociações, os Estados Unidos e o Japão selaram nesta segunda-feira o Acordo de Associação Transpacífico(TPP, em sua sigla em inglês) com outros dez países. O pacto de livre comércio une 40% da economia mundial e pode se transformar no maior acordo regional da história.

O TPP, defendido pelo presidenteBarack Obama como “o marco comercial do século XXI”, teve de superar questões de última hora entre os EUA e a Austrália em função das novas regulações da indústria farmacêutica. Seu objetivo consiste na redução de tarifas comerciais e no estabelecimento de novas normas comuns entre as 12 economias envolvidas, lideradas por EUA e Japão.

 
 

O embaixador norte-americano para a Organização Mundial do Comércio (OMC), Michael Froman, defendeu nesta segunda-feira em Atlanta que a TPP eleva os padrões comerciais para a região e responde aos desafios do século XXI. “O pacto promoverá o crescimento, protegerá postos de trabalho, reforçará a inovação, reduzirá a pobreza e promoverá a transparência”, disse Froman. Junto a ele, o representante australiano Hamish McCormick definiu o acordo como o primeiro pacto “ambicioso e renovador”, com capacidade para condicionar qualquer negociação futura.

O pacto abrange a criação de padrões comerciais, de investimento, intercâmbio de informações e de propriedade intelectual. Os demais países que negociam o acordo são Austrália, Brunei, Canadá, Chile, Malásia, México, Nova Zelândia, Peru, Cingapura e Vietnã. As negociações entre todos eles, que tinham como data limite o dia 2 de outubro passado, foram afetadas nos últimos dias pelo desacordo em relação aos produtos farmacêuticos.

O TPP, proposto por Obama no início de seu primeiro mandato junto com outros quatro países, pode consolidar seu legado econômico na presidência. Os EUA conseguem com o acordo do Pacífico um novo marco que serve de contrapeso para a economia chinesa na região. Apesar de Pequim não estar envolvida nas negociações, realmente será afetada pelas consequências do pacto. Froman não quis se referir nesta segunda-feira às consequências da TPP para a economia chinesa. “Nossa mensagem é a de que todos os países estão muito felizes de ter chegado a um acordo que define as regras para a região com vistas ao futuro”, afirmou o representante norte-americano. “Estamos dispostos a compartilhar os resultados e favorecer a integração com outros países.”

As negociações entre os 12 países foram feitas em segredo e foram cercadas de protestos onde as discussões foram realizadas. Os detratores do pacto denunciam que as novas regras comerciais podem colocar em perigo os postos de trabalho de funcionários da indústria automobilística no México, por exemplo, ou os produtores de leite do Canadá, que agora devem concorrer com outras economias.

As nações ligadas ao TPP entraram em acordo quanto a novas regras para setores que vão desde a indústria farmacêutica até a automobilística. O pacto também contempla o estabelecimento de novas tarifas comerciais, a abertura de mercados para a exportação, a unificação de regras para a propriedade intelectual sobre os dados geridos pelas grandes corporações e os prazos de exclusividade no caso da fabricação de medicamentos.

Este último item marcou as negociações do fim de semana, quando já se tinha superado a data limite para selar o pacto. Os EUA queriam impor um limite de 12 anos de exclusividade no mercado de medicamentos antes de permitir que outras companhias empreguem as mesmas fórmulas para equiparar as regras da TPP à legislação norte-americana. No entanto, países como Austrália defendiam um período máximo entre cinco e oito anos, temendo que um atraso na inovação aumente os custos e impeça a criação de medicamentos genéricos.

O novo acordo de livre mercado para a região ainda deverá ser ratificado pelo Congresso dos EUA, imerso em uma situação de consequências imprevisíveis depois da demissão do líder da maioria e porta-voz da Câmara, o republicano John Boehner. O país está, além disso, em plena campanha eleitoral para as eleições presidenciais de 2016 e o TPP pode se tornar uma nova causa de atrito entre os candidatos.

América Latina enfrenta o desafio de superar a crise de matérias-primas

iminente alta das taxas de juros nos Estados Unidos, após mais de seis anos ancorados em 0%, e a forte freada na economia da China, que a diretora-gerente do Fundo Monetário Internacional, Christine Lagarde, atribui à “transição para um novo modelo” marcam o fim de uma etapa, duas décadas durante as quais as economias emergentes saltaram para fora do carro do crescimento global.

“Ambos os movimentos são necessários e saudáveis. São bons para a China, bons para os Estados Unidos e bons para o mundo”, afirmou ela. A parte mais chamativa do discurso proferido por Lagarde na quarta-feira foi a menção aos fatores que alimentam a incerteza nos mercados, e que levarão a “um crescimento global mais fraco este ano”. Os países mais avançados, com a, ainda tímida, exceção dos Estados Unidos, apresentam uma recuperação titubeante, lastrada pelo legado da crise financeira de 2008.

Resumindo, o crescimento global será de apenas 3%, o comércio internacional se estagnará e os desafios (reduzir a pobreza, a desigualdade e o desemprego) vão se agigantar. “O papel de locomotiva da economia mundial é cada vez mais difícil de ser assumido: a esperança de que os emergentes o interiorizassem deixou de estar garantida, os Estados Unidos estão aí, mas não como antes, e os demais países ocidentais continuam fragilizados”, sintetiza o catedrático de Economia da Universidade de Barcelona, Juan Tugores.

“A dúvida é se temos que nos resignar”, acrescenta ele, em relação ao que o próprio FMI tachou como “nova mediocridade”. Uma dúvida pela qual se apela aos ministros de Economia, altos funcionários de organismos internacionais e especialistas que vão se reunir em Lima, capital do Peru, na próxima semana, durante a assembleia anual do FMI e do Banco Mundial.

É a primeira vez que a reunião, realizada há meio século, será na América Latina, justo quando a região está no foco do que muitos analistas veem como a terceira pele de uma crise que se enroscou nas finanças americanas e mudou, dirigindo-se, posteriormente, à dívida pública europeia. “O crescimento nos países latino-americanos se está freando de forma alterada”, constatou Lagarde.

Em alguns deles houve uma reviravolta: à nítida recessão da Venezuela e ao retrocesso argentino se somou a economia brasileira, cujas previsões pioram a cada mês. O mercado internacional de matérias-primas oferece o sintoma mais claro de que algo não vai bem, com o petróleo como termômetro: se após a Grande Recessão o cru recuperou com rapidez o valor de 100 dólares (aproximadamente 394 reais), o que se interpretou como sinal de força da demanda emergente, e particularmente da China, agora, o argumento se reverteu. O preço do barril ronda os 50 dólares (197 reais) e o FMI considerou como um fato, esta mesma semana, que os preços baixos se prolongarão pelo menos até 2017.

Em suas simulações sobre como essa situação afeta uma economia exportadora de matérias-primas (uma diminuição anual do PIB entre 1% e 2,25%), os técnicos do FMI se basearam “em uma economia latino-americana típica”, dependente da negociação de produtos básicos. E o conjunto de soluções que propõem também tem a região como referência. “A freada forte da China e a queda de preços das matérias-primas torna preocupante a situação da América Latina pelo impacto nas receitas fiscais e porque a queda de exportações deteriora a balança externa”, destaca o economista-chefe do BBVA Research para a América do Sul, Juan Ruiz. “Os países do cone sul vão ser os mais afetados por essa queda do preço das matérias-primas”, acrescenta o pesquisador do Real Instituto Elcano Federico Steinberg, que também é professor da Universidade Autônoma de Madri.

Em suas últimas projeções, o FMI sustentava que o PIB da economia latino-americana cresceria 0,5% ainda este ano, mas com certeza reduzirá essa previsão na próxima semana. “Pensamos que pode retroceder até 0,5% este ano, e ficar próximo a 0% em 2016”, afirma o economista do BBVA. “Enquanto os países da Aliança do Pacífico (Colômbia, Chile, México e Peru) crescerão em entorno de 2,5%, os do Mercosul (Brasil, Argentina, Uruguai, Paraguai, Venezuela e Bolívia) retrocederão 2%”, prevê Ruiz. A deterioração da economia do Brasil, o representante latino-americano mais forte entre os emergentes, continua seguindo, com lupa, as finanças globais. O real se desvalorizou em 40% em um ano chegando a uma taxa de câmbio equivalente a quatro dólares. E a súbita fraqueza da moeda e a saída de capitais fizeram com que a capitalização (o valor em dólares) das empresas cotizadas na Bolsa brasileira apresentasse uma redução de dois terços desde 2011, para ver ameaçada, de novo, sua liderança regional pela mexicana.

Simon Knapp, da Oxford Economics, classifica o Brasil junto com a Rússia e a Turquia como os países que acumulam mais riscos. Em sua última análise sobre emergentes, destacou o aumento dos “déficits gêmeos”, uma dupla com uma péssima imagem: a defasagem fiscal equivalente a 8% do PIB e a defasagem exterior chega a 4%. Ao mesmo tempo, a taxa de desemprego quase se duplicou no último ano (de 4,3% em 2014 para 7,6% em agosto de 2015), e a inflação já chegou a 10% e a taxas de juros a 14,25%.

À delicada situação se somam as enormes dificuldades do Governo de Dilma Rousseff, que abalado pelas acusações de corrupção encontra problemas para poder realizar os ajustes orçamentários que pretende. “No Brasil, o crescimento se centrou no impulso do crédito e da demanda interna, um modelo que está dando sinais de esgotamento. Agora seria preciso concentrar-se em facilitar a expansão da oferta com reformas estruturais e em um ajuste fiscal, mas há muito ruído político sobre a capacidade do Governo. É uma questão de credibilidade”, ressalta Ruiz.

A avaliação dos mercados do Brasil e de outras economias emergentes se endureceu nos últimos meses. Até o ano passado, o enorme aumento da liquidez disponível pela intervenção dos bancos centrais dos países avançados tinha facilitado o fluxo de capitais em busca de rentabilidade. Houve um primeiro aviso em 2013, quando o Federal Reserve (Fed) começou a reduzir o programa de compra de bônus. E agora, a recuperação da economia norte-americana levou o Fed a antecipar uma primeira alta das taxas de juros, que parecia iminente, mas que havia adiado, precisamente, por sua repercussão global. Sua coincidência com a desaceleração econômica e o aumento da dívida em vários países complicam a equação: segundo as informações que o Instituto de Finanças Internacionais antecipou na quinta-feira, os emergentes registrarão, este ano, a primeira saída líquida de capitais desde os anos 80 do século passado.

Temor a um círculo vicioso

FMI teme que a combinação da depreciação frente ao dólar, o aumento dos custos financeiros e o arrefecimento econômico disparem as quebras empresariais e ponham os bancos contra a parede, alimentando um círculo vicioso: menos emprego, menos receitas, mais dúvidas sobre a viabilidade das contas públicas e uma nova subida dos custos financeiros. Em dez anos, e pelas mãos do crédito barato e do apetite dos investidores internacionais por suas emissões de bônus, a dívida empresarial dos países emergentes, que equivalia a 50% do PIB dessas economias, chegou a 75%, com a China e a América Latina à frente do crescimento.

Diante do que está por vir, o FMI recomenda melhorar agora a regulação das quebras empresariais para facilitar soluções que permitam uma segunda oportunidade onde for possível, e supervisionar os bancos bem de perto, com novas exigências de capital se necessário. “A maioria das economias emergentes vai experimentar uma recessão ou uma desaceleração, não um colapso financeiro como nos anos oitenta ou noventa do século passado”, defende Steinberg.

Uma das chaves para que essa predição se cumpra está na China. E ter de lidar com as sucessivas quedas da Bolsa de Xangai este verão elevou a incerteza. “Essas quedas dificultam a obtenção de capital pelas empresas chinesas, já muito endividadas, as ofertas públicas de venda foram canceladas, e por isso as empresas terão de continuar se endividando”, explica Alicia García-Herrero, economista-chefe para Ásia-Pacífico do banco Natixis. García-Herrero afirma que, diferentemente do que pode acontecer nos países ocidentais, a valorização da Bolsa tem pouca influência sobre o restante da economia. Mas adverte que o ajuste no crescimento do gigante asiático chegou para ficar: “Como em qualquer outro país, é muito difícil mudar o modelo”. “O futuro próximo da China é o de um crescimento mais lento, fruto sobretudo da transição para uma economia mais orientada ao consumo”, concorda Alfredo Pastor, catedrático de Teoria Econômica e professor da escola de negócios IESE. “O consumo contribui com 36% da demanda agregada chinesa, enquanto nos países avançados chega a 60%. Será uma transição muito lenta, na qual é preciso fazer muitas coisas ao mesmo tempo”, afirma Pastor, que considera que o aumento do gasto dos lares passa por “dar mais segurança às famílias”, para que não dediquem tanto de suas economias à assistência médica ou a uma renda na velhice por falta de garantia estatal. E por aumentar a renda disponível. “Os salários aumentam muito devagar, as empresas, estatais e privadas, estão acostumadas a crescer em contrapartida a reservas, não a compartilhar margens”, acrescenta o professor do IESE.

O que Pastor não vê é um risco de colapso financeiro. “A quebra do sistema bancário chinês vem sendo anunciada há décadas, mas continua aí. Claro que os balanços estão cheios de créditos ruins, mas continuam sem abrir a conta de capital ao exterior. Enquanto for uma questão interna e o banco central conseguir oferecer liquidez sem limite, será sustentável”, explica. E analisa os efeitos da desaceleração da segunda economia mundial. “A compra de alguns produtos básicos, como a soja, não vai variar muito. Mas o investimento é uma variável muito mais instável, e a importação de bens de capital, como os que a Alemanha venda, pode ser afetada”. O que ele acredita, porém, é que o impacto global pode ser maior se as dúvidas sobre a economia chinesa se traduzirem em mais incerteza nos mercados.

Desaceleração da China

“No aumento do fluxo de investimento para a China, havia uma parte importante de capital especulativo, de dinheiro quente. A questão é se o que sai agora é só isso, o capital que procurava oportunidades de longo prazo, o que seria o preocupante. Não acredito que ninguém saiba ainda”, afirma Pastor. A perspectiva de uma China menos pujante, de capitais voltando ao refúgio do dólar, de uma contração da liquidez, muda de forma radical o cenário externo dos últimos anos, nos quais a América Latina, além de crescer, conseguiu reduzir a pobreza e a desigualdade. “Aproveitou bem as condições financeiras muito frouxas e o aumento do comércio dos últimos anos, mas a festa acabou”, declara Steinberg, do Real Instituto Elcano. Nessas circunstâncias, com os orçamentos sob pressão por falta de receitas associadas às matérias-primas, e o endurecimento do financiamento externo da dívida pública, o Fundo vê muitas dificuldades para novos estímulos fiscais, exceto em alguns países como Peru e Colômbia, que se capacitaram com fundos para contra-atacar fases de dificuldade. E os bancos centrais, que em alguns casos intervieram para conter a depreciação das moedas, já estão ocupados o suficiente mantendo a inflação sob controle, o que torna muito difícil reduzir as taxas de juros. “Eles têm um bom caminho pela frente em aspectos estruturais de modernização de suas economias, para tirar melhor partido de seu potencial”.

As políticas macroeconômicas podem ser um complemento, mas não substituir”, afirma o catedrático Tugores. “O aumento da produtividade nestes anos ficou na metade do registrado nos países da Ásia emergente, então a América Latina ficou para trás”, acredita o economista do BBVA Research. Ruiz elenca algumas das receitas que serão ouvidas na próximas semana nos encontros organizados pelo FMI e Banco Mundial: destinar recursos públicos (quando possível) e privados para aumentar o investimento em infraestrutura, avançar em uma melhor regulação dos mercados, apostar em uma saúde e uma educação de maior qualidade, livrar-se da depreciação, que encarece as importações, uma oportunidade para que empresas latino-americanas nutram a demanda das classes médias, preservar os programas de luta contra a pobreza... “O motor externo perdeu potência, agora é mais necessário do que nunca ligar o motor interno do crescimento”, conclui.

Fonte: El País

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