Dilma cede poderes a Lula e ao PMDB, mas não garante o ajuste - diz a FOLHA (editorial)

Publicado em 03/10/2015 08:48
na edição deste sábado da FOLHA DE S. PAULO

Tempo comprado (EDITORIAL DA FOLHA)

Com cessão de poderes ao PMDB e a Lula, Dilma reduz por ora o risco de afastamento, mas não garante ajuste econômico

Afora algumas medidas de impacto simbólico, a reforma ministerial finalmente definida nesta sexta-feira (2) dá conhecimento de que a presidente Dilma Rousseff (PT) rendeu-se, em um pragmatismo tardio e melancólico, à condição de refém do PMDB.

O partido, ao mesmo tempo aliado formal e interessado direto no afastamento da presidente, obteve sete postos na Esplanada, acrescentando a seu quinhão Ciência e Tecnologia e a portentosa Saúde.

Sem disfarçar o propósito essencial de evitar um processo de impeachment, Dilma entregou poder também a Lula, antecessor e padrinho, que participou das negociações e reorganizou o comando político do PT no Planalto.

Saiu da Casa Civil Aloizio Mercadante, primeiro conselheiro da presidente, substituído por Jaques Wagner, até então na Defesa. Se tem lá sua importância para a economia interna petista, para o avanço do ajuste orçamentário de urgência trata-se de troca de seis por não muito mais que meia dúzia.

Do lado administrativo, o indecente número de ministérios foi reduzido de 39 para 31 –dois a mais que o inicialmente prometido e cinco acima da quantidade existente antes da chegada do PT ao Planalto. Houve ainda cortes de secretarias, cargos comissionados e salários do primeiro escalão.

De mais desolador, lançaram-se ao regateio do varejo político pastas cruciais como Educação –abrigo de Mercadante, o terceiro no cargo só neste ano– e Saúde, cuja verba anual soma R$ 110 bilhões.

Tudo considerado, permanece obscuro qual será o alcance da manobra de abdicar de grande parte do comando em nome da comunhão de peemedebistas e lulistas. A presidente, de todo modo, adquiriu tempo, a preço elevado.

Mesmo que não venha a satisfazer todas as facções do PMDB, a divisão do partido dificulta a formação da maioria necessária para dar início ao impedimento de Dilma.

Há pela frente, no entanto, armadilhas como o congresso previamente marcado para novembro em que os peemedebistas pretendiam anunciar pelo menos uma separação amigável da presidente.

Já na próxima semana deve acontecer o exame das contas de 2014 do governo, com forte tendência de reprovação pelo TCU. Investigações em curso, que pairam sobre Lula, as campanhas de Dilma e o presidente da Câmara, Eduardo Cunha (PMDB-RJ), representam riscos adicionais de turbulência.

Por fim, nem mesmo estão garantidos os votos para as medidas econômicas impopulares. Derrotas nessa agenda têm o potencial de reavivar o pânico financeiro e solapar apoios restantes que a presidente têm na sociedade.

IGOR GIELOW

Eduardo e Dilma (epílogo?)

BRASÍLIA - Quiseram os deuses da política que a derrocada do governo Dilma-2 se desse num mergulho acompanhado por sua maior nêmesis, Eduardo Cunha (PMDB-RJ).

Numa queda em espiral dupla, Dilma e Cunha, cuja dinâmica interpessoal deu título quase igual ao dessa coluna em janeiro passado, chegam à nova etapa da crise juntos. O segundo governo Dilma foi enterrado nesta sexta (2), após agonizar por uns quase 400 mil minutos.

O alvo primário da reforma anunciada é afastar o risco imediato de impeachment, cujas engrenagens são domínio exclusivo de Cunha. Tanto é assim que ele, mesmo quando as suspeitas que pesavam contra si ganhavam materialidade na Suíça, levou um ministério de brinde.

O antes todo-poderoso chefe da Câmara está nas cordas, lutando pelo cargo. Dificilmente conseguirá mantê-lo, mas pode lograr ficar tempo suficiente para disparar um processo de impeachment –ou, como trabalha o governo, não. A munição vinda do TCU já está pronta.

Se superada essa fase, Dilma se encontrará no deserto da realidade econômica. As alas do PMDB que avançaram como hienas no butim da reforma podem até dar votos contra a abertura de um impedimento, mas vão carregar a alça do caixão do ajuste fiscal necessário e impopular?

Michel Temer, bom, espera. O jogo do silêncio é o único que o favorece. A oposição finge não ver o enrosco de Cunha, preferindo mirar o calendário do impedimento na mão do deputado e correndo riscos óbvios.

Enquanto isso, a geleia ministerial causa arrepios pelas figuras de trem-fantasma apresentadas. Justo.

Mas, até aí, alguém consegue dizer algo que foi feito pelo "Facefriend" Renato Janine na Educação ou pelo topa-tudo Aldo Rebelo na Ciência e Tecnologia? Alento aos liberais: na prática, o Brasil é um Estado mínimo. Nada acontece. Como seguem ainda mínimas as chances de a história acabar bem para Cunha e Dilma.

PMDB e Lula ganham força em novo ministério de Dilma

Presidente refaz equipe após nove meses de governo para tentar salvar mandato

Petista elimina oito ministérios e dá cargos a deputados, em esforço para assegurar votos contra o impeachment

DE BRASÍLIA

Nove meses após iniciar seu segundo mandato, a presidente Dilma Rousseff anunciou nesta sexta (2) a composição de seu novo ministério, ampliando o poder do PMDB e do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva na tentativa de assegurar o apoio de sua base no Congresso e os votos necessários para barrar um processo de impeachment.

Em cerimônia no Palácio do Planalto, a presidente anunciou a eliminação de oito ministérios e a redução em 10% do seu salário e dos vencimentos dos ministros e do vice-presidente Michel Temer. Em valores brutos, todos recebiam R$ 30.934,70 e passarão a ganhar R$ 27.841,23.

"Meu governo busca apoio do Congresso e a reforma faz parte também desse contexto", disse Dilma, que apresentou as mudanças como parte de uma estratégia para aprovar no Congresso as medidas propostas para equilibrar o Orçamento do próximo ano e recuperar a economia.

Ela disse que a reforma ministerial serve para "atualizar a base política do governo" e assegurar uma maioria que "amplie nossa governabilidade". Dilma defendeu a distribuição de cargos a políticos aliados como "legítima".

Aliados da presidente disseram à Folha que a reforma deve afastar, pelo menos temporariamente, o risco de abertura de um processo de impeachment, já que Dilma conseguiu agradar a diversas alas do PMDB, partido que tem a maior bancada e que passará a controlar sete ministérios, um a mais do que antes.

A oposição precisa dos votos de 342 dos 513 deputados federais para abrir um processo de impeachment e afastar Dilma do cargo. A presidente precisa de 172 votos para impedir que isso ocorra.

Assessores presidenciais disseram à Folha que o governo espera contar com o apoio de 70% a 80% dos 66 deputados peemedebistas e destacaram que a presidente abriu canal direto com o líder da bancada do PMDB na Câmara, Leonardo Picciani (RJ), nas negociações da reforma.

No entanto, ponderam, a presidente precisará "fazer política" se quiser aprovar as medidas do ajuste fiscal. Sua equipe a aconselhou a manter encontros regulares com líderes governistas da Câmara e no Senado e se envolver diretamente com as negociações, como fez com a reforma.

Isto será importante, dizem auxiliares, na votação da proposta de recriação da CPMF, crucial para o Orçamento de 2016, e cuja aprovação ainda não é considerada "possível".

O Palácio do Planalto pretende manter o ministro peemedebista Eliseu Padilha (Aviação Civil) no novo grupo de articulação política, a ser formado por Jaques Wagner, agora na Casa Civil, e Ricardo Berzoini, que fica à frente da nova Secretaria de Governo.

Apesar dos acenos ao partido aliado, importantes caciques do PMDB não foram à cerimônia de sexta, como o presidente do Senado, Renan Calheiros (AL), um dos que pediram a redução no número de ministérios.

'VICE-MINISTROS'

Dilma anunciou a criação de uma Comissão Permanente para a Reforma do Estado, para "reorganizar a administração federal" e "fiscalizar" o cumprimento das metas propostas pelo governo.

Apesar de ter prometido, inicialmente, acabar com pelo menos dez ministérios, somente oito pastas foram cortadas na Esplanada, além de 3.000 cargos comissionados e 30 secretarias ministeriais.

Algumas foram fundidas em "superministérios", como o da Previdência Social e Trabalho, que ficará sob o comando do petista Miguel Rossetto. Essas pastas terão ainda "vice-ministros", responsáveis por áreas específicas.

Para comandar a pasta que unirá as secretarias das Mulheres, Igualdade Racial e Direitos Humanos, a presidente escolheu Nilma Lino (PT).

Na nova configuração do governo, o PT, partido de Dilma, passou a controlar nove ministérios. Ele tinha 13 pastas. Foi o ex-presidente Lula quem aconselhou a presidente a reduzir o espaço do PT e dar mais uma pasta ao PMDB.

Lula saiu fortalecido da reforma, com três nomes de sua confiança em posições chave no Planalto: Jaques Wagner, Ricardo Berzoini e Edinho Silva(Comunicação Social).

Fonte: Folha de S. Paulo

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