Na FOLHA: Possibilidade de renúncia de Dilma já não é descartada dentro do PT
TUDO É POSSÍVEL
A possibilidade de renúncia de Dilma Rousseff já não é descartada dentro do PT. Dirigentes históricos e ligados ao ex-presidente Lula acreditam que ela pode ser levada a uma atitude extrema em caso de total ingovernabilidade do país –o que poderia ocorrer na hipótese de derrota fragorosa do pacote fiscal enviado ao Congresso.
LINHA FINA
Ainda que o STF (Supremo Tribunal Federal) barre um processo de impeachment, os mesmos dirigentes acreditam que a situação do governo pode ficar insustentável. E que Dilma se retiraria para evitar uma conflagração no país. A presidente tem repetido que não renunciará ao mandato em nenhuma hipótese.
LINHA FINA 2
No PT é feito o cálculo de que Dilma tem cerca de três semanas para virar o jogo e se estabelecer novamente como única alternativa de poder no país até 2018.
A GARGANTA
A conta pode mudar caso se confirmem os rumores de que o delator Fernando Baiano poderá arrastar os principais líderes do PMDB, partido de Michel Temer, para o precipício. Nesse caso, a possibilidade de o vice assumir no lugar de Dilma estaria afastada.
PAINEL, por VERA MAGALHÃES -
Como está fica
Líderes de partidos da base aliada reagiram mal à possibilidade de Aloizio Mercadante permanecer na Casa Civil. Ninguém acredita na viabilidade de o petista se ater à gestão e ficar alijado da articulação política. "O palácio é pequeno demais para o Mercadante", resume um cacique peemedebista. A manutenção do principal e mais desgastado auxiliar tiraria o caráter de refundação do mandato de Dilma –vista como última chance de ela recuperar a governabilidade no Congresso.
Ser... Ministros próximos a Dilma alertam que a conversa dela com Lula e a do ex-presidente com Mercadante não asseguraram 100% sua permanência na Casa Civil.
... ou não ser? Dizem que a presidente demonstra angústia por ter compreendido a unanimidade contra o ministro e, ao mesmo tempo, não querer se desfazer de um de seus auxiliares mais fiéis.
Ordem dos fatores Foi o titular da Casa Civil quem pediu a conversa reservada com Lula, e não o contrário.
LULA -- O secretário de Comunicação do PT, Alberto Cantalice, disse nesta sexta (18) que o comando do partido se reunirá com Lula para agendar suas viagens em defesa do governo. Como a Folha antecipou, o petista fará uma defesa enfática da nova política econômica de Dilma
O secretário nacional da Juventude do PT, Jefferson Lima, disse ter ouvido a seguinte frase do petista: "Temos que apoiar o pacote, infelizmente".
análise de IGOR GIELOW:
O dia seguinte
BRASÍLIA - Como todo rito fúnebre, o enterro do governo Dilma-2 se dá com alguma consternação e muita fofoca. A maior das últimas diz respeito ao que fazer com a figura da presidente reeleita montada numa cornucópia de marquetagens.
A mentira em si não é suficiente para derrubá-la –mesmo em países mais sérios não o é, vide o caso Bush. Mas há motivos sólidos para questionar a permanência de Dilma, e o primeiro deles é político. Exceto que um "deus ex machina" a salve, o desgoverno está a matar o país.
A cada passo, a mandatária se afunda na própria sombra. O pacote da segunda passada, até aqui virtual, é eloquente: um conjunto de medidas tímidas e inexequíveis.
Recurso último, Lula interveio para buscar salvar a criatura que carrega seu legado. Parece tarde, ao que tudo indica, e a presença dele na área insinua mais perspectiva de transição do que qualquer outra coisa.
Enquanto isso, a engrenagem do impeachment foi colocada para rodar pelos suspeitos de sempre na Câmara. O PMDB apenas aguarda uma formalidade, seja via TCU ou TSE, para embarcar. A oposição, a reboque, espera sem ter muito o que fazer.
A Dilma, resta espernear. "Golpe!", grita, embora as emas do Alvorada saibam que nos dias de hoje um governo cai por seus próprios deméritos. Não estamos em 1964. O que se pode discutir é o futuro: como criar um arcabouço para evitar que o Brasil seja tragado pela inépcia de seus governantes?
Soluções simples e erradas abundam. Parlamentarismo é algo lógico, sim, mas com a representação que está aí? Ah, para isso precisamos de "reforma política".
Verdade, mas sempre que isso é evocado, temos espertezas como a decisão do STF sobre financiamento de campanhas, motivada por populismo míope e preconceituoso: sociedades mais avançadas respeitam seus atores econômicos e os regulam. Bem, não vivemos numa.
opinião de ANDRÉ SINGER:
O pacote e o golpe
Pela terceira vez no ano, Dilma Rousseff logrou sair das cordas e, quando tudo parecia perdido, ganhar pequeno respiro para defender o próprio mandato e, quem sabe, reorganizar o governo.
O pacote de medidas econômicas apresentado na segunda deixa muito a desejar, sobretudo do ângulo dos trabalhadores, mas tem começo, meio e fim. Busca ponto intermediário entre as exigências neoliberais de austeridade máxima e a visão desenvolvimentista de que continuar o corte indefinido de gastos públicos vai arrebentar o país, como aconteceu com Espanha e Grécia, dois exemplos recentes.
Como a simbolizar o caráter salomônico da decisão, os valores foram divididos meio a meio. Metade do dinheiro para atingir a meta fiscal viria do corte orçamentário, e metade, de imposto a ser recriado nos moldes da antiga CPMF. Na comunicação, prevaleceu a mesma lógica: Barbosa apresentou os talhos que foi obrigado a aceitar, enquanto Levy defendeu o tributo cuja função é impedir que as suas mãos de tesoura alcancem mais longe.
Para os movimentos sociais, a proposta é inaceitável porque, no conjunto, representa aprofundamento do quadro recessivo, diminuição de aportes do Estado em áreas vitais, como saúde e moradia, além de perdas salariais ao funcionalismo. Já os empresários parecem ter se dividido perante a proposta que, no conjunto, atende aos reclamos do capital. Ironicamente, para quem acompanhou o primeiro mandato de Dilma, os banqueiros se mostraram mais conformes que os industriais.
As chances parlamentares do plano Barbosa-Levy são pequenas. Não obstante, permitiu à presidente fazer dois pontos na luta que trava contra o impedimento, cujo caráter golpista se evidencia na falta de motivo específico que o justifique. O primeiro foi mostrar que há governo. Pode-se desgostar do plano, como é o meu caso, pois acredito que não interrompe o desmonte das conquistas da última década, mas não se trata de proposta destrambelhada. A leitura da entrevista que concedeu ao "Valor" (10/9), evidencia que a presidente mantém o eixo.
O segundo ganho foi conquistar plataforma a partir da qual agregar forças para negociar com o Parlamento e, simultaneamente, resistir ao golpe em marcha. Apesar de ter base hoje pequena e fragmentada, a reaproximação de parcela do PMDB pode constituir o início de polo legalista. Permitiu que Dilma tomasse pessoalmente a frente do processo, o que, em regime hiperpresidencialista, faz diferença.
O mandato continua frágil, o país segue sem rumo estratégico e os trabalhadores em completa defensiva, mas Dilma obteve sobrevida.
É, de fato, resistente.
Tensão no mercado (editorial)
Piora da receita do governo e de indicadores financeiros alimentam o pessimismo dos investidores e aproximam a cotação do dólar dos R$ 4
Dois dados objetivos podem resumir tanto a sexta-feira (18) tumultuada do mundo financeiro como a conjuntura econômica brasileira mais ampla. Trata-se das taxas de juros no mercado e da receita de impostos federais. Esses indicadores, entrelaçados, apontam para um estado de degradação sem desfecho visível.
A taxa de juros negociada no mercado para prazos mais longos segue na disparada que começou em julho, quando o governo da presidente Dilma Rousseff (PT) praticamente desistiu de equilibrar neste ano suas despesas e receitas.
Além disso, a arrecadação federal diminui cada vez mais depressa. De janeiro a agosto, a receita encolheu 3,7% ante mesmo período do ano anterior; de janeiro a julho, encolhia ao ritmo de 2,9%.
A piora contínua das contas do governo alimenta a deterioração dos mercados de juros, dólares e ações, embora não tenha sido apenas esse o motivo da turbulência.
Grandes investidores internacionais reagiam à decisão do banco central dos EUA, que desistiu de elevar as taxas de juros também devido a fraquezas da economia mundial, em particular nos países emergentes, como China e Brasil.
Na frente doméstica, especulava-se que estaria próximo um novo rebaixamento da nota de crédito do governo brasileiro, que já perdeu o selo de bom pagador conferido pela agência Standard & Poor's.
No entanto, o nervosismo que aproximou a cotação do dólar dos R$ 4 foi apenas um capítulo mais tenso de um enredo em curso desde meados do ano, no qual atuam fragilidades econômicas e políticas.
A receita do governo cai, o controle de gastos é ineficaz e as medidas destinadas a reequilibrar o Orçamento, tímidas, são bombardeadas por integrantes do próprio governo, do PT e do Congresso.
Juros bancários em alta vão tornar ainda mais escasso o crédito para as empresas, perenizando a retração econômica. A queda da arrecadação indica que as empresas pagam menos impostos não apenas pela queda de seu resultado, mas também por falta de caixa.
O dólar em alta acelerada pressiona a inflação, o que contribui para uma redução adicional do poder de compra da população e deve adiar para muito tarde o necessário corte dos juros do Banco Central, hoje em 14,25%–tudo conspirando para prolongar a recessão e a instabilidade política.
Por mais que tenha sido sombrio o dia, a interrupção do círculo vicioso que alimenta a crise estaria ao alcance da política econômica, cuja tarefa primordial, neste momento, é dissipar os temores de uma escalada da dívida pública. Tudo dependeria de o governo ter algum rumo e credibilidade.
Emprego industrial é o menor em 15 anos
Número de vagas no setor em julho encolheu 6,4% em relação ao mesmo mês de 2014, 64ª queda consecutiva
Recuo no número de horas pagas mostra que recuperação do mercado de trabalho do setor ainda está longe
Com máquinas ociosas em meio a uma crise econômica sem fim, a indústria acumula quase quatro anos de cortes ininterruptos de pessoal. O resultado é que o setor nunca empregou tão pouco em 15 anos, quando passou a ser acompanhado pelo IBGE.
O instituto usa a situação do emprego industrial em dezembro de 2000 como base de comparação para seu indicador. Quando registra, por exemplo, 110, isso indica que há 10% mais empregados que naquele mês (já considerando o ajuste sazonal, ou seja, o fato de que o mercado de trabalho segue um ciclo ao longo do ano).
Em julho de 2015, o resultado foi 92,6, ou seja, ficou 7,4% abaixo de dezembro de 2000 e atingiu o menor patamar de empregos do setor na série histórica do IBGE.
O patamar de pessoal empregado na indústria está 13% abaixo do pico histórico do setor –de julho de 2008. O emprego industrial recuou 6,4% em julho, na comparação ao mesmo mês de 2014, 46º mês consecutivo de cortes, puxado por cortes em fabricantes de veículos (-11,9%) e de eletrônicos (-15,1%).
Novos indicadores mostram piora no segundo semestre
Encomendas de insumos essenciais para a produção, como energia e embalagens, continuam em queda
Construção civil deverá fechar 500 mil vagas até o fim do ano depois de empregar 3 milhões de pessoas em 2014
Números mais recentes da economia real indicam que a situação do país tende a piorar até o fim do ano. Encomendas de insumos essenciais para a produção, como energia e embalagens, continuam em queda em relação ao ano passado e a meses anteriores deste ano.
Outros setores, como a construção civil, ainda vão sentir reflexos mais fortes do tombo da economia nos últimos meses de 2015.
Para o pesquisador do Ibre (Insituto Brasileiro de Economia da FGV) Vinícius Botelho, o Natal não trará alento para a economia. "A dúvida agora é se haverá alguma recuperação no segundo semestre do ano que vem, porque ainda não temos nada que aponte nesse sentido."
Sondagem feita em agosto pela Abinee (Associação Brasileira da Indústria Elétrica e Eletrônica) mostra uma diminuição de 31% na venda e encomenda futura de energia em relação ao mesmo mês de 2014. Esses contratos de longo prazo variam de três a 18 anos.
A avaliação do setor é que grandes consumidores de eletricidade, como fábricas e indústrias, estão tentando adiar ao máximo a realização desses contratos.
Em uma análise mais ampla, a associação percebeu retração de 35% em agosto nas vendas da indústria elétrica e eletrônica como um todo.
Nesse indicador também foram consideradas as vendas de materiais elétricos para instalações, equipamentos industriais e de automação, por exemplo. Na comparação com o mês de julho deste ano, a redução foi de 25%.
"A demanda caiu substancialmente e isso está relacionado com a diminuição da atividade econômica como um todo, da indústria, do comércio", disse Humberto Barbato, presidente da Abinee.
"Sem contar com a tarifa de energia mais cara, que faz com que as pessoas em casa também reduzissem o consumo", afirmou.
No setor de embalagens, as vendas no primeiro semestre foram 2,6% menores que no mesmo período do ano anterior. Segundo Luciana Pellegrino, diretora-executiva da Abre (Associação Brasileira de Embalagens), a expectativa no início do ano era que o setor tivesse redução de 1,5% da produção.
SEMESTRE FRACO
Pellegrino afirmou que o segundo semestre, quando as vendas ficam aquecidas por causa das encomendas de fim de ano, terá vendas ainda menores que as dos primeiros seis meses.
"Nunca tinha visto isso no setor", disse, lembrando que os clientes do setor dizem que seus estoques estão elevados, portanto, sem necessidade de encomendas.
A construção civil do país deverá fechar 500 mil vagas até o fim do ano depois de empregar no ano passado 3 milhões de pessoas. Segundo José Carlos Martins, presidente da CBIC (Câmara Brasileira da Indústria da Construção), os lançamentos de imóveis caíram 13% nas principais regiões do país.
São 5.000 imóveis residenciais que deixam de ser construídos a partir deste semestre, já que o tempo médio entre o lançamento e o início da obra é de cerca de seis meses.
ANÁLISE DE DEMÉTRIO MAGNOLI:
A história que a China conta
A verdade histórica parece nítida: encerrou-se o ciclo da 'globalização chinesa'. É tempo de aposentar a lenda
7% ou 3%? Depois da queda abrupta do mercado acionário, o governo chinês garante que o PIB da segunda maior economia do mundo ainda crescerá 7%, em linha com a hipótese de "aterrissagem suave". Os céticos, cada vez mais numerosos, ignoram os desacreditados índices oficiais, apontando a anemia de indicadores físicos, como o consumo de eletricidade e o movimento ferroviário de carga, que sinalizariam expansão anual de apenas 3%, numa "aterrissagem forçada". A verdade estatística está, provavelmente, no meio termo. Já a verdade histórica parece nítida: encerrou-se o ciclo da "globalização chinesa". É tempo de aposentar uma lenda.
A lenda diz que o sucesso da China derivou de um modelo assentado na centralização de decisões, no dirigismo estatal, no gerenciamento econômico heterodoxo e no financiamento subsidiado da projeção externa das empresas do país. Difundida no Brasil pelos arautos do capitalismo de Estado e do neonacionalismo, ela é menos uma análise da inserção chinesa na economia mundial que uma plataforma de combate ideológico. Suas mensagens: a) o "modelo chinês" serviria como fonte de inspiração para o Brasil reformar-se a si mesmo; b) a cooperação estratégica da China com os "países emergentes" contrabalançaria a polaridade geopolítica exercida pelos EUA e pela União Europeia. Tudo isso tinha uma película de verossimilhança na hora do crash financeiro global de 2008-2010, mas não resiste à prova da "aterrissagem" chinesa.
O "modelo chinês" nunca foi um "modelo", mas unicamente a forma assumida pela economia da China na etapa inicial de sua transição do socialismo para o capitalismo. Nessa etapa, o dirigismo estatal propiciou o crescimento econômico acelerado porque o país dispunha de reservas abundantes de força de trabalho barata e os mercados externos eram capazes de absorver, na forma de importações, a poupança compulsória da população chinesa. Mas tais condições desapareceram. A China em "aterrissagem" só pode prosseguir seu desenvolvimento pela ativação do mercado interno –o que exige a desmontagem das engrenagens do capitalismo de Estado.
A passagem de uma economia de investimento para uma economia de mercado solicita reformas radicais, que se estendem do direito de propriedade aos direitos civis e políticos, passando por regras capazes de assegurar a concorrência. Os dirigentes chineses resistem às reformas mais profundas, que provocariam fissuras insanáveis no sistema político totalitário. Mesmo eles, porém, reconhecem oficialmente o imperativo de liberar as forças de mercado da teia asfixiante de controles estatais. O capitalismo de Estado não é o futuro, mas o passado, da China –eis uma conclusão inevitável que escapa aos ideólogos brasileiros do "modelo chinês".
A tese da "aliança estratégica" antiamericana nunca passou de uma bizarra utopia. O grupo dos Brics, celebrado pelo governo brasileiro como polo geopolítico alternativo, reúne países com interesses fundamentais distintos. Índia e China são potências nucleares rivais. China e EUA são parceiros estratégicos no universo das finanças globais. O Banco dos Brics, exibido no Brasil como instrumento de revolução da ordem financeira global, é um elemento periférico no esforço de internacionalização da economia chinesa.
A "aterrissagem" da China, suave ou forçada, evidencia a dimensão da fraude analítica. Os "países emergentes" cresceram à sombra da "globalização chinesa", empurrados pelo vento de cauda da explosão das cotações das commodities e por fluxos inéditos de investimentos estrangeiros. Hoje, todos eles sofrem, em graus diferentes, os impactos da reversão do ciclo econômico –e, enquanto a China desacelera, os capitais escorrem na direção dos EUA. "Modelo chinês"? O admirável mundo novo cantado pelo lulopetismo era só uma metamorfose do mundo velho.